Há poucas tarefas mais ingratas numa equipa de Fórmula 1 que a de um piloto de testes. Longe dos holofotes da ribalta dos Grande Prémios, estes pilotos faziam, até há alguns anos atrás, mais quilómetros em testes privadios que os pilotos oficiais faziam nos fins-de-semana de prova. Em 2005, por exemplo, Luca Badoer cumpriu 25 308 km pela Ferrari em testes enquanto que Michael Schumacher fez 24 455 em soma de testes e dos 19 GP da temporada. Claro que dificilmente alguém, numa anállise fria da carreira de Badoer, seria tentado a invejar a tarefa de passar uma década a fazer o trabalho duro pelo qual outros tomariam crédito.
Desde 2010, com a proibição da esmagadora maioria dos testes durante a temporada, que os benefícios da função se desvaneceram, com as suas tarefas a resumirem-se essencialmente a passarem horas a fio à frente dos ecrãs dos cada vez mais sofisticados simuladores das equipas. Isto reduziu também a margem de manobra em termos de progressão de carreira que esta função representava dos anos 80 até ao final dos 2000s, quando era comum alguns pilotos sacrificarem um ano de piloto oficial numa equipa mais fraca por um de testes numa construtora de topo, de modo a obterem conhecimentos detalhados que lhes permitissem ser mais apetecíveis no ano seguinte.
Um dos maiores exemplos desta prática foi o do espanhol Pedro de la Rosa, conhecido na categoria pelos seus anos de trabalho de bastidores ao serviço da McLaren no período 2003-09. O que distinguiu de la Rosa dos seus contemporâneos com tarefas de testagem acabou por ser a sua personalidade querida pela maioria dos fãs e o talento, que levou muitos a recordarem com alguma tristeza o facto de o espanhol (principal piloto do país na sua época, até à estreia de Fernando Alonso na F1) nunca ter tido um lugar em Grande Prémios nos seus melhores anos de carreira.
Habitual comentador para a televisão espanhola e constantemente convidado por equipas de automobilismo para cumprir o papel de consultor, dado o seu vasto conhecimento do comportamento intrínseco do comportamento de monolugares de competição, Pedro de la Rosa conseguiu participar em 104 Grande Prémios, apesar da sua fama de piloto de testes, e deixou memórias nas equipas da categoria por onde passou (incluíndo um recorde de F1 que perdura até aos dias de hoje).
Dos pontos na estreia até aos numerosos testes com a McLaren
O início do percurso de Pedro de la Rosa no automobilismo foi diferente ao da maioria dos seus colegas de profissão futuros. Em vez de começar a correr em karts, de la Rosa tinha um pai que se preocupava com as condições de segurança (ou falta delas) nos campeonatos de karting e, por isso, começou por competir em campeonatos de carros telecomandados de todo-o-terreno. E foi excelente aos seus comandos. Com 3 títulos domésticos entre 1983 e 1985 e 2 europeus em 1984 e 1985 e um vice-campeonato no primeiro campeonato mundial de 1986, de la Rosa finalmente pôde competir em karts em 1988. A partir daí foi sempre a vencer com títulos Fórmula Fiat (1989) e Fórmula Renault espanholas (1990) e Fórmula Renault britânica (1992).
Já o salto para a Fórmula 3 Britânica foi mais complicado, marcado por dificuldades financeiras e resultados menos estonteantes. Sem maneira de continuar a sua carreira na Europa, o piloto tomou a decisão que se revelaria como a mais acertada da carreira: mudou-se para o Japão. Logo no primeiro ano de Fórmula 3 Japonesa (1995) foi campeão, com direito a um 3º lugar no Grande Prémio de Macau, ao serviço da famosa TOM’S que o colocou no ano seguinte no campeonato de GT.
Correndo em duas categorias ao mesmo tempo (nos GT e na Fórmula Nippon, atualmente Super Formula), de la Rosa teve o seu ano de explosão em 1997, quando venceu ambos os títulos e deixou uma excelente impressão nas suas equipas como alguém capaz de elaborar setups fenomenais e com uma ótima análise de telemetria. Ambas as caraterísticas abriram-lhe a porta da Fórmula 1, passando 1998 como piloto de testes da Jordan.
Sendo preterido face ao experiente Heinz-Harald Frentzen para substituir Ralf Schumacher na equipa, de la Rosa acabaria por não querer passar mais um ano na estrutura a testar, passando-se para a Arrows em 1999. Tornando-se um dos poucos pilotos da história da F1 a pontuar logo na corrida de estreia (com um 6º lugar no GP da Austrália), o piloto passou um ano frustrante na equipa do final da tabela com 11 abandonos em 16 provas e o ponto da primeira prova a ser o única do ano inteiro para a estrutura. Enquanto isso a Jordan conseguiu 2 vitórias e no final do ano abriu uma vaga com a saída de Damon Hill, que já não estava em posição de aproveitar.
Tendo batido Toranosuke Takagi em 1999, de la Rosa viu Jos Verstappen somar mais pontos que ele num 2000 que correu um pouco melhor à equipa britânica. Voltando a piloto de testes para 2001 com a Prost, o piloto só teve de esperar 4 corridas até estar de volta aos comandos de um F1 em fins-de-semana de Grande Prémio. Numa troca direta entre a Prost e a Jaguar com Luciano Burti, de la Rosa passou a ser o segundo piloto da Jaguar ao lado de Eddie Irvine. À semelhança dos anos na Arrows, o espanhol teve de se debater com um carro do meio da tabela com que conseguiu pontuar em duas ocasiões. Uma equipa com sonhos de vitórias mas com um apoio deficiente da casa-mãe da Ford, a Jaguar revelaria ser uma decepção da qual o piloto saiu no final de 2002.
A partir daí começou um papel que manteria durante vários anos: piloto de testes da histórica McLaren. O primeiro ano de cooperação com a equipa seria muito produtivo para o piloto, pelo menos internamente. Tendo começado a temporada com um carro do ano anterior ligeiramente melhorado, a equipa venceu as duas primeiras provas do ano e começou a lutar pelo título. Isto tornou a tarefa de ter o carro novo, o MP4-18, preparado ainda mais importante. Só que o carro tornou-se um dos mais problemáticos projetos da história da F1. Imprevisível a ponto de ser perigoso, o McLaren viu os pilotos titulares fartarem-se dele. Isto deixou de la Rosa com a tarefa quase solitária de trabalhar com a equipa para o preparar, que o espanhol aceitou com entusiasmo. Acumulando milhares de quilómetros durante 2003, o piloto foi o que mais se adaptou ao carro (que não chegaria a participar em GPs nesse ano) e conquistou a confiança da equipa nas suas habilidades técnicas.
Em 2004 o ano foi mais complicado para a equipa britânica, mas isto trouxe-lhe a vantagem de poder testar em fins-de-semana de Grande Prémio para 2005 (por ter terminado abaixo de 4º lugar dos construtores).
Assim, de la Rosa testou em GP em 2005 e o MP4-20 conseguiu lutar pelo título. Com o bónus para de la Rosa de que a lesão de Juan-Pablo Montoya o deixou fora de combate (e de o outro piloto de testes, Alexander Wurz, não ter um assento preparado) para o GP do Bahrain, no qual o espanhol voltou a competir. O piloto conseguiu qualificar-se na frente do colega, Kimi Räikkönen, e terminou num competente 5º lugar com direita à volta mais rápida da corrida (que continua a ser um recorde de pista, já que nem os modernos F1 a conseguiram bater ainda).
2006
Continuando o seu percurso no banco de testes da McLaren, de la Rosa voltou a estar afastado dos Grande Prémios, com a mesma regra que lhe tinha permitido estar envolvido nas sextas-feiras a afastá-lo devido à boa temporada 2005 da equipa.
Só que o ano teria outros planos para manter Pedro de la Rosa ocupado.
Nunca se adaptando inteiramente à estrutura da McLaren, derrotado em toda a linha por Räikkönen e com rumores sobre o seu verdadeiro comprometimento a circularem, Juan-Pablo Montoya e Ron Dennis (histórico chefe da equipa) finalmente chegaram ao limite um com o outro depois de Montoya ter provocado um incidente com 4 carros que os eliminou a todos no GP dos EUA. Com o colombiano despedido com efeito imediato e Wurz agora a ser piloto de testes da Williams, a equipa chamou de la Rosa para o resto da temporada.
Claro que não foi assim que a situação lhe foi anunciada no momento. Para grande frustração do piloto espanhol, Ron Dennis limitou-se a chegar a acordos corrida a corrida com ele. Ou seja, de la Rosa estava permanentemente a ter que mostrar o que valia para ainda ter o volante na prova seguinte.
O motivo para esta hesitação da equipa foi simples. A temporada de GP2 iria terminar várias corridas antes da de F1, e a equipa tinha um piloto do programa de jovens a brilhar. A ideia de o colocar à prova num dos F1 antes da temporada terminar para melhor avaliar quem acompanharia Fernando Alonso (já contratado à Renault desde final de 2005) em 2007. O jovem? Lewis Hamilton.
No primeiro Grande Prémio de volta aos monolugares, de la Rosa terminou nos pontos no GP de França. Depois veio o abandono por problemas mecânicos na Alemanha, até que veio o fim-de-semana de Budapeste que acabou por comprar mais tempo de piloto oficial ao espanhol.
Com a McLaren invulgarmente rápida (num ano em que não haviam vencido corridas), de la Rosa qualificou-se em 5º lugar, atrás de Räikkönen que fez pole. Marcada pela chuva, a prova acabaria por ser um teste da resistência de carros e pilotos. Alonso foi atirado para fora com uma roda mal apertada, Schumacher levou pneus intermédios demasiado longe e perdeu posições, Räikkönen desconcentrou-se e bateu num Toro Rosso que dobrava (mesma à frente do colega de equipa). De mãos firmes e concentração de aço, Pedro de la Rosa conquistou o primeiro pódio da sua carreira, terminando a prova em 2º lugar atrás do novo vencedor de Fórmula 1, Jenson Button.
Pilotando o McLaren até à última corrida do ano (com mais 3 lugares pontuáveis), de la Rosa acabaria por ser preterido face a Hamilton por um lugar em 2007. O piloto refere-se com frequência ao primeiro teste conjunto com Hamilton para explicar que entendeu perfeitamente o porquê de ser preterido, com o adversário a entrar no ritmo quase de imediato. “Nós estamos tramados” terá pensado de la Rosa, referindo-se aos problemas que Hamilton daria ao grid nos anos vindouros.
O Spygate e as oportunidades de regressar a titular
2007 prometia ser um ano relativamente pacato de piloto de testes e a ajudar a televisão espanhola com os seus comentários, mas mais uma vez o mundo tinha outros planos. Abalada por uma acusação de espionagem à Ferrari, a McLaren seria também afetada por um ambiente de cortar à faca entre Alonso e Hamilton, que lutaram pelo título. Alegadamente, seria o núcleo espanhol responsável por entregar à FIA provas da espionagem que traria a desclassificação da equipa do campeonato e uma multa de 100 milhões de dólares.
O piloto continuou mais 2 anos a testar pela equipa, depois de rumores da estreia da equipa Prodrive (apoiada pela McLaren) com de la Rosa e Gary Paffett (o outro piloto de testes da equipa) não se terem concretizado, e foi eleito líder da GPDA (Grand Prix Driver’s Association) até 2010.
Em 2010 e no meio de uma crise global que afetou fortemente as equipas, de la Rosa aceitou o convite de Peter Sauber para integrar a equipa (que voltaria a ser independente) em Grande Prémios ao lado do rápido jovem Kamui Kobayashi. Participando em 14 das 19 corridas, de la Rosa ainda fez um 7º lugar no GP da Hungria, mas ao ser batido por Kobayashi convincentemente perdeu o lugar antes do final do ano.
Passando os meses finais de 2010 a treinar com a Pirelli (para o regresso da fornecedora de pneus no ano seguinte), reingressou na equipa de testes da McLaren em 2011. No final desse ano, comunicou a Ron Dennis que seria piloto da HRT em 2012. O inglês informou-o de que achava a decisão um disparate.
Vítimas da guerra FIA-FOTA de 2009, as 3 equipas estreantes de 2010 tinha ingressado na F1 com orçamentos demasiado baixos para fazer algo que não disputar os últimas lugares. Uma delas, a HRT, possuía sede em Espanha e tentara de la Rosa com uma proposta que envolveria alguns anos de pilotagem seguidos do papel de chefe de equipa.
2012 provou ser um ano difícil, com 4 17º lugares a serem o melhor que a pior estrutura do calendário conseguiu fazer. No final do ano, a equipa terminou a sua atividade por falta de fundos. Perguntado sobre a experiência na equipa, de la Rosa expressa ter sido uma decisão de que não se arrepende, citando a quantidade de mecânicos e engenheiros de pista espanhóis que ganharam tempo na F1 com a experiência, sendo posteriormente contratados por outras equipas do paddock.
Tendo passado os dois anos seguintes como piloto de testes da Ferrari (por influência do amigo Fernando Alonso), de la Rosa tornou-se depois consultor da equipa Techeetah na Fórmula E, onde as suas capacidades técnicas foram referidas como fulcrais para a boa adaptação da estrutura às unidades motrizes da fornecedora Renault (sendo que a equipa venceria o título durante a estadia do espanhol).
Para além de ajudar Alonso na formação da sua escola de karting (FA Racing), o espanhol também dirige a escola de condução (e equipa) Drivex, sendo frequente vê-lo colocar-se ao volante (com 50 anos) para se testar contra os jovens pilotos de agora.
Legado
Recentemente aparecido na entrevista pós-qualificação do Grande Prémio de Espanha, trocando gracejos justamente com Lewis Hamilton sobre o tempo de ambos na McLaren, Pedro de la Rosa acabou por certamente não fazer a carreira com que terá ambicionado mas a verdade é que conseguiu a rara proeza de merecer sempre elogios de quem consigo trabalhou.
Os anos iniciais em estruturas que estavam sem rumo, como a Arrows e a Jaguar, de la Rosa acabou por afinar as suas capacidades durante anos na McLaren. Na equipa britânica, o espanhol desenvolveu um bom trabalho sempre que se tornava necessário chegar-se à frente mas ficou a faltar uma verdadeira hipótese de fazer uma temporada completa, onde os resultados pudessem ser menos acompanhados de atenuantes. Quando a oportunidade chegou, já o piloto estava na sua fase descendente de carreira.
Conhecendo monolugares de competição como poucos pilotos vivos, de la Rosa continua a ser um consultor muito apetecível para equipas de automobilismo e os seus conselhos continuam a valer ouro para quem os pede, num dos raros casos em que um ótimo piloto se mistura com uma personalidade prestável. O único pódio no Hungaroring não faz jus ao homem que começou a correr com um comando na mão.
—–
“Flash” anterior: Dan Gurney em 1967
“Flash” seguinte: Peugeot em 1998
—–
Fontes:
– ASSELBERGHS, Denis. Best of 2005 Tiago Monteiro. (2005). Apach.
– Beyond the Grid \ Pedro de la Rosa
– Formula Scout \ Pedro de la Rosa at 50, an under the radar motorsport icon
– Race Fans \ Pedro de la Rosa
– Wikipedia \ Pedro de la Rosa