Phil Hill em 1961 – Flash

14 05 2023

Nascido em Miami em 1927, Phil Hill foi dos campeões mais atípicos da história da Fórmula 1. Não necessariamente a nível de carreira para um piloto que competiu na F1 dos anos 60, uma vez que os seus princípios foram os de mecânico e piloto simultaneamente (e um desejo bem forte de competir com tudo o que tivesse rodas), mas sim pela mentalidade com que abordava a competição.

Sobre a maneira como lidava com o automobilismo, Hill era citado da seguinte forma:

“O automobilismo atrai o que de pior tenho em mim. Sem ele, eu não sei que tipo de pessoa me poderia ter tornado. Mas não sei se gosto da pessoa que sou agora. Correr torna-me egoísta, irritável, defensivo. Se pudesse sair deste desporto com qualquer ego, fá-lo-ia.”

Dificilmente as palavras de um intrépido aventureiro dos anos 60, mas a verdade é que Hill não se deixava intimidar. Descrito como um perfeccionista disciplinado, o americano esforçava-se por esmiuçar todos os detalhes dos carros que conduzia e acabou a sua carreira com um título de F1, 3 vitórias nas 24 Horas de Le Mans, 3 vitórias nas 12 Horas de Sebring e 1 nas 24 Horas de Daytona.

Perigos e prazeres do automobilismo

Pouco próximo dos seus pais durante a juventude e sem grande propensão para desportos, o caminho de Hill até ao automobilismo acabou por vir de um fascínio mecânico por carros. Tendo chegado a começar a tirar uma licenciatura em business administration na Universidade do Sul da Califórnia, o americano acabaria por desistir para se tornar ajudante mecânico de um piloto com garagem própria.

Conduzir ensinou confiança ao jovem Hill, que também aprendeu piano durante a sua infância, e a maneira como resolvia o seu medo de falhar era pela atenção ao detalhe. Não demorou muito para que passasse à competição, vencendo pela primeira vez em 1949 num carro desportivo.

O seu grande defeito era a tensão em que se colocava a si próprio antes das provas, preocupando os seus chefes de equipa e causando estragos físicos a si próprio (chegou a estar de forma tenso que desenvolveu úlceras e ficou 10 meses fora de competição, sob a influência de fortes analgésicos).

Mas, demonstrando que o piloto balanceava os perigos e prazeres do automobilismo como poucos, Hill começou a impressionar com Ferraris de equipas privadas, acabando por ser convidado para a marca oficial em Le Mans, onde triunfou ao lado de Olivier Gendebien em 1958 sob chuva intensa. Também triunfou em Sebring com Carroll Shelby nas 12 Horas num Ferrari, assim como em Daytona com Pedro Rodríguez nas 24 Horas (também de Ferrari).

Tudo conquistas sonantes com nomes sonantes. Mas Enzo Ferrari hesitava em colocá-lo na equipa de F1, achando-o demasiado sensível para ser bem-sucedido. Mas os falecimentos de Peter Collins e Luigi Musso forçaram-lhe a mão.

1961

Viver na Europa foi uma experiência diferente para Hill, que vivia num hotel ao lado da fábrica da Ferrari e fazia vida relativamente solitária. O americano mantinha-se em forma e explorava monumentos e castelos nas horas livres, além de manter o seu amor por música com idas à ópera. Nas pré-temporadas regressava à Califórnia para restaurar carros antigos (e pianos), mas a inatividade irritava-o.

Com alguns pódios na época de estreia na F1 (1958 em Itália e Marrocos), Hill precisou de esperar até 1960 para fazer uma temporada completa (com exceção das 500 Milhas), ano em que venceu um Grande Prémio pela primeira vez com um triunfo em Monza, bem na frente dos tiffozi. O regresso no ano seguinte acabaria por ser de tristeza.

O ano começou bem, com um 3º lugar no Mónaco e um 2º na Holanda. A vitória chegou em Spa-Francorchamps e já começava a ser claro que a luta pelo título estava confinada ao americano e ao colega de equipa Ferrari, Wolfgang von Trips. Um deslize em França não teve consequências de maior, mas von Trips foi-lhe conquistando pontos no Reino Unido e na Alemanha.

Em Monza, ia a penúltima corrida do ano na sua segunda volta quando von Trips se acidentou com o Lotus de Jim Clark e voou disparado para o público. O jovem alemão morreu, juntamente com 14 espectadores. Hill venceu a prova e o título, mas a experiência foi traumatizante (até porque viria a ser um dos carregadores do caixão de von Trips).

“Nunca experienciei nada tão profundamente triste na minha vida.”

A aventura ATS e mais vitórias em Le Mans

Com um título mal celebrado, Hill iniciou a temporada de 1962 com resultados tão bons quanto nos do ano anterior, mas foi Sol de pouca dura. O americano pontuou nas primeiras três provas do ano, mas acabou por não conseguir mais um único daí em diante. O autodiagnóstico era simples: a fome de vencer e a vontade de se arriscar por resultados desaparecera.

Isso não o impediu de acompanhar Giancarlo Baghetti quando ambos acompanharam vários engenheiros sénior para a criação da ATS (Automobili Turismo e Sport), devido a desentendimentos entre a cúpula e a mulher de Enzo Ferrari (Laura). Apesar da ambição, o projeto seria um falhanço total e em 1963 a melhor colocação foi 11º em Monza. Ainda houve tempo para Hill correr em 1964 com a Cooper e para mais um par de corridas com carros privados, mas o tempo do piloto na F1 tinha terminado (ainda que tenha gravado cenas para o filme “Grand Prix”).

Em Le Mans as participações continuaram, ao serviço de Ford e Chaparral (além de mais 2 vitórias nas 24 Horas durante a estadia na Ferrari); tal como as de carros desportivos (que lhe deram vitórias em Sebring e Daytona).

Hill tem a curiosa distinção de ter vencido a sua primeira corrida de carreira (1949) e a última (1967). Após a reforma dedicou-se ao seu hobby de restauração de veículos e foi também comentador.

Legado

Pouca ocasião terá havido em que um piloto tenha atingido um pico tão alto no automobilismo enquanto, simultaneamente, demonstrava opiniões tão negativas sobre o que correr lhe fazia à saúde mental.

Hill começou a correr como forma de desenvolver a sua confiança, permaneceu em competição apesar de ter atravessado felicidades e infelicidades em quantidades similares (e apesar dos nervos que isso lhe dava) e acabaria por dizer que o automobilismo era “um confronto com a realidade”. Para ele “muitas pessoas passam as vidas sem nunca ir a lado nenhum” e o automobilismo ajudava-o a sentir um propósito.

Tendo falecido em 1981 com Parkinson, Hill deixou para trás uma carreira de sonho, tendo passado os seus anos pós-competição como restaurador e casado com a namorada de longa data (Alma Hill), além de ter desempenhado as funções de comentador e de ter recebido a honra de ser introduzido no Hall of Fame do automobilismo norte-americano (sendo o único piloto nascido nos EUA a ser campeão de F1).

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“Flash” anterior: Audi em 2000

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Fontes:
Britannica \ Phil Hill
Esportelândia \ Phil Hill
F1 \ Phill Hill Hall of Fame
Motorsport \ Phil Hill
Race Fans \ Phil Hill
Terceiro Tempo \ Phil Hill
Wikipedia \ Phil Hill





Audi em 2000 – Flash

4 02 2023

O recente anúncio da entrada da Audi na Fórmula 1 em 2026 através de uma parceria com a equipa Sauber foi o culminar de um “namoro” de décadas da categoria com a marca automóvel alemã. Há muito que se aguardava que a construtora do grupo Volkswagen entrasse com todo o seu investimento na categoria máxima, até pela experiência que a marca já possui noutras categorias em que entrou com uma nova estrutura.

Apesar de ter sido bem-sucedida na Fórmula E até à sua saída neste ano e de um historial de peso no WRC, o melhor exemplo da competência Audi em competições FIA vem dos campeonatos de endurance. Especificamente umas inacreditáveis 13 vezes em 15 possíveis durante o período de 2000 a 2014, quando voluntariamente abandonou a competição à “irmã” Porsche.

Tal como na esmagadora maioria dos casos de sucesso no automobilismo, o segredo do sucesso dos alemães tem muito a ver com uma combinação de investimentos avultados, preparação meticulosa e profissionalismo extremo. Para além dos talentos de uma lenda de Le Mans que dá pelo nome de Tom Kristensen.

A preparação

Tendo começado a sua vida tal como a concebemos sob o nome Auto Union (a união de Audi, Horch, DKW e Wanderer, a estrutura com o seu logo de quatro anéis unidos viria a ser renomeada Audi aquando de um acordo de parceria com a NSU. Sob a égide do grupo Volkswagen, a nova empresa acabaria por fazer de carros de luxo velozes o seu segmento de mercado.

Tendo passado décadas a ver a Porsche acumular triunfos nas icónicas 24 Horas de Le Mans, a Audi sabia que queria tentar a sua sorte nos campeonatos de resistência durante a década de 90 (altura em que várias das suas concorrentes se achavam envolvidas). Em 1997, nasceu o R8R, um projeto de protótipo com que a Audi se lançaria para um assalto a Le Mans. Em 1998 foi visto em público pela primeira vez, com o seu cockpit aberto mas sem os detalhes necessários. Quando o R8R se lançou às pistas em 1999 em Sebring para as 12 Horas, com um motor V8 bi-turbo de 3,6 litros, tudo evoluíra: uma traseira mais proeminente, uma frente mais rasteira. Apesar de uma qualificação menos boa, em prova a sua consistência e durabilidade elevou-o até ao pódio. Mas faltava velocidade.

Com as devidas modificações, lançaram-nos contra as feras da BMW e Toyota em Le Mans no mesmo ano. Qualificando-se em 9º e 11º, os Audi acabaram por voltar a aguentar-se melhor que os rivais. Uns respeitáveis 3º e 4º lugares foram a recompensa, batidos apenas por um BMW e por um Toyota. Já os protótipos R8C, utilizados ao mesmo tempo, pareceram ineficazes, pelo que a marca optou por basear o seu “verdadeiro” protótipo no R8R ao preparar o seu projeto final, o R8.

Estima-se que o R8R, que ainda competiu em 2000 (na American Le Mans Series e no Silverstone 500), debitava à volta de 610 cavalos, tendo atingido os 335 km/h nas 24 Horas de 1999.

2000

À medida que a Audi ganhava cada vez mais balanço, uma prenda estava prestes a cair-lhe no colo. As rivais estavam determinadas a abandonar a endurance. A Mercedes queria dedicar-se ao DTM, a Nissan saiu por dificuldades financeiras, a Toyota e BMW preparavam-se para tentar a sua sorte com um salto rumo à F1. Sobrava a compatriota Porsche, que acabaria por desistir também (remores indicam que poderá ter sido por pressão de Ferdinand Piech que exercia funções administrativas em ambas as marcas).

Sobravam, portanto, a Panoz e a novata Cadillac na categoria principal para combater a Audi, que se apresentava na sua força total com 3 carros. O número 7 com Christian Abt, Rinaldo Capello e Michele Alboreto; o número 8 com Frank Biela, Tom Kristensen e Emanuele Pirro; e o número 9 com Laurent Aïello, Allan McNish e Stéphane Ortelli. Pilotos com experiência moderada de endurance e de campeonatos de turismo alemães e italiano (com um par de ex-pilotos F1).

A Audi não deu a mais pequena hipótese logo a partir da qualificação. Com o #9 na frente, os alemães foram a única equipa a colocar-se dentro dos 3m36s (na verdade, o Panoz em 4º só estava a fazer 3m39s…) e partiu da dianteira para a prova que começou no sábado. E aí se manteve o #9 durante grande parte do início da corrida, até precisar de trocar a caixa de velocidades e cair atrás dos dois colegas.

O Panoz #11 ainda ameaçou a retaguarda da Audi mas acabou por abandonar, e mesmo o Cadillac #3 da DAMS sofreu com um furo nos instantes finais das 24 Horas. O resultado disto foi que a Audi teve direito ao seu photo finish com os 3 carros nos 3 primeiros lugares da classificação, com a vitória a caber ao #8 pilotado por Michele Alboreto, Frank Biela e Tom Kristensen.

Os sucessores dinásticos

Kristensen acabaria por se tornar sinónimo de Audi e de Le Mans nos anos que se seguiram. Foram 6 triunfos consecutivos entre 2000 e 2005 (um foi com a Bentley em 2003, mas a marca britânica desenhara o seu Speed 8 com base em desenhos da Audi, uma vez que ambas pertenciam ao mesmo grupo automóvel), mais 2 isolados em 2008 e 2013, além de um anterior em 1997.

Após o sucesso do R8, que se manteve em ação até 2005, seguiram-se as suas evoluções do R10, R15 e R18. Todas conseguiram cruzar a linha de chegada das icónicas 24 Horas em primeiro lugar e cimentaram a marca alemã como uma das maiores vencedoras da prova, logo atrás da Porsche. Porsche essa que o grupo VW também colocou de volta à competição a meio da década de 2010, acabando por ditar o fim da aventura da Audi (não por resultados, mas para passar a marca dos quatro anéis para o foco na Fórmula E).

Na categoria elétrica, a Audi acabaria por vencer os títulos de pilotos e equipas em 2016-17 com Lucas di Grassi. O abandono da competição em 2021 acabou por se traduzir na preparação da estrutura para finalmente se aventurar na Fórmula 1, onde já anunciou que será fornecedora de motores a partir dos novos regulamentos de 2026 e dona da equipa Sauber (onde já colocou Andreas Seidl como diretor técnico).

Legado

É raro ver no automobilismo a entrada de uma marca por si só a provocar o terror nas rivais estabelecidas. Mas é precisamente isso que a Audi tem conseguido fazer sempre que anuncia os seus planos para integrar uma nova categoria. Foi assim com os rallys, foi assim com os campeonatos de endurance e foi exatamente assim que foi acolhida pelo paddock da Fórmula 1.

O domínio da Audi nas 24 Horas de Le Mans no início deste século marcou toda uma geração de pilotos para respeitar as siglas R8, R10, R15 e R18 como algumas das mais perfeitas máquinas de competição já criadas, que apenas a Peugeot conseguiu bater numa ocasião (2009).

Este historial não foi atingido pela simples força do nome: não há categoria em que a marca dos quatro anéis não se meta sem ter primeiro um plano detalhado e fundos de grande dimensão para ajudar na implementação. A assinatura de Andreas Seidl na F1 com este avanço para a aliança com a Sauber já serve de aviso para as rivais sobre o que esperar em 2026…

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“Flash” anterior: Dario Franchitti em 2007

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Fontes:
Facebook (Motorsport) \ Le Mans 2000
Racing Sports Cars \ Le Mans 2000
Trade Classics \ Audi nas 24 Horas
Wikipedia \ Audi R8R





Dario Franchitti em 2007 – Flash

11 12 2022

É rara a aparição de um piloto que não passou pela Fórmula 1 nesta rubrica, mas há ocasiões em que a amplitude de feitos mais que justifica um olhar de recordação. Dario Franchitti é um dos exemplos mais claros disto.

Nascido na Escócia e com origens italianas, Franchitti tem desempenhado ao longo dos últimos anos as funções de comentador de Fórmula E ao lado de Jack Nicholls, mas a sua ótima carreira de televisão é apenas um extra ao que foi uma brilhante carreira de piloto cortada antes de tempo.

Múltiplas vezes campeão da IndyCar, o escocês desenvolveu um domínio pouco usual da categoria de monolugares americana, o que não o impediu de tomar o gosto por maquinaria mais pesada nem de testar Fórmula 1 nas horas vagas. A sua escolha consciente pelos EUA em detrimento de uma remota possibilidade de obter o seu espaço na F1 pode ter sido uma das melhores decisões da sua vida.

A trilhar caminho em terras americanas

Tendo começado a sua carreira de piloto a vencer o título junior de karting escocês com apenas 11 anos, Franchitti foi subindo a escada das categorias de promoção britânicas uma a uma até à F3 (em 1994). Ao invés de continuar na categoria, o piloto recebeu um convite da AMG para se juntar aos alemães no campeonato nacional (DTM) e no internacional (ITC). Em 1995, chegou um 5º lugar no DTM (4 pódios) e um 3º no ITC (1 vitória e 4 pódios).

Com o fim do ITC em 1996 (na qual terminou num respeitável 4º lugar), a Mercedes procurou-lhe uma alternativa a seu gosto. Felizmente, haviam opções. Para além de um lugar na CART (uma das duas categorias de monolugares dos EUA após uma cisão da categoria única anterior), Franchitti recebeu uma oferta de piloto de testes da McLaren na F1 (já recebera da equipa o prémio McLaren Autosport de jovem promissor). Indo obrigá-lo a viagens EUA-Europa constantes, o escocês tomou a corajosa decisão de rejeitar a McLaren em favor de concentração total com a equipa Hogan Racing na CART.

Um primeiro ano de resultados modestos (o melhor foi 9º em Surfers Paradise) não conseguiu esconder o seu talento e trouxe-lhe uma oportunidade de se mudar para a mais competitiva Green Racing em 1998. Apesar de alguma inconsistência, os resultados começaram a chegar. Nas 6 provas finais chegaram 3 vitórias, deixando-o 3º no campeonato.

1999 acabou por ser um bem-sucedido mas frustrante. Empatou para o título em pontos com Juan Pablo Montoya, mas o colombiano tinha mais vitórias e o título pertenceu-lhe. Um acidente na pré-temporada de 2000 acabaria por deixá-lo com sequelas suficientes para que tivesse um ano pouco competitivo e um 2001 com apenas uma vitória. Mas 3 vitórias e 4º lugar em 2002 pareciam indicar que a regularidade nas suas performances voltara (houve também um teste de F1 com a Jaguar, que acabou com o piloto a não ficar bem-impressionado).

Com a equipa Green a ter competido na rival da CART, a IRL, para as 500 Milhas de Indianápolis em 2002, 2003 viu uma mudança permanente da estrutura para a IRL. Franchitti acompanhou, apesar de uma nova lesão (desta vez num acidente de estrada ao volante de uma mota) o ter obrigado a um programa encurtado.

Michael Andretti entretanto entrara na estrutura da Green, para formar a Andretti Green Racing, e Franchitti soube manter-se nos anos seguintes com pontuações constantes e 4 vitórias, para além das suas primeiras presenças nas 500 Milhas.

2007

Ao anunciar a sua manutenção no campeonato de IndyCar com a Andretti iniciou aquela que seria a sua temporada de consagração na categoria, mas também a que mostrou a versatilidade que possuía em diferentes categorias. O ano foi de vitória à classe 12 Horas de Sebring (LMP2) e de outras participações na Le Mans Series Americana.

Tendo começado o ano com um 7º em Homestead, Franchitti só voltaria a terminar mais baixo que isso à 13ª ronda do ano. A primeira vitória chegou, de todos os locais possíveis, nas 500 Milhas de Indianápolis encurtadas pela chuva. Nas 7 corridas seguintes, o escocês não deixou fugir o Top 4 uma única vez, liderando a temporada confortavelmente.

Não que tudo tenham sido facilidades: em Michigan capotou num incidente em que Scott Dixon passou com o carro bem perto da cabeça de Franchitti, e no Kentucky não se apercebera que a corrida terminara (levando-o a acertar com força num rival lento, incidente pelo qual assumiu a sua responsabilidade).

O título chegou na prova final por uma margem curta sobre Scott Dixon, mas o verdadeiro choque do ano seria o anúncio do piloto de que não continuaria na IndyCar para 2008, dado que iria assumir uma aventura na NASCAR ao serviço da Dodge.

NASCAR, mais títulos e outras peripécias

Não seria uma aventura muito longa para Franchitti neste campeonato americano, uma vez que falta de fundos de patrocinadores ditariam o final da campanha antes de tempo (mas não sem antes conseguir fraturar o tornozelo esquerdo num acidente). Ainda nem 2008 tinha terminado e já o piloto estava de regresso aos comandos de um IndyCar.

Agora a pilotar os monolugares da Chip Ganassi Racing, o escocês não demorou tempo nenhum a recuperar o balanço. Na segunda prova de 2009 (Long Beach) já estava a triunfar e, incrivelmente, venceu os títulos de 2009, 2010 e 2011, perfazendo um total de 4 títulos em 5 anos no habitualmente imprevisível campeonato americano. Mais duas vitórias nas 500 Milhas em 2010 e 2012 também o colocaram confortavelmente entre os maiores vencedores da prova.

Só que a juntar à sua velocidade e vitórias, Franchitti começava a acumular mazelas. Quando se acidentou com rivais em Houston em 2013 na última volta da corrida, o piloto sofreu uma fratura na coluna, no tornozelo direito e uma concussão. Os médicos avisaram-no de que corria um risco sério paralisia permanente caso continuasse a correr e o piloto fez o que poucos costumam fazer neste ramo: levou o aviso a sério e anunciou a sua reforma antecipada das pistas.

Para além de se ter tornado um diretor de competição na Chip Ganassi, Franchitti tem vindo a ganhar notoriedade como comentador de Fórmula E desde a estreia da categoria em 2014.

Legado

Quando se tem a conversa sobre que pilotos que nunca tiveram a oportunidade de deixar a sua marca na F1, Dario Franchitti é com frequência referido. O piloto escocês optou cedo na sua carreira por dizer não a uma vaga possibilidade de estrear na possibilidade de integrar a categoria máxima do automobilismo, de forma a poder construir uma carreira sólida nos EUA.

E que carreira que teve. Franchitti tornou-se sinónimo de IndyCar em terras americanas, até pela impressionante forma como acumulou 4 títulos no espaço de 5 anos ao serviço de nomes como Andretti ou Chip Ganassi. Mas também se tornou sinónimo de acidentes, frequentes e aparatosos, que acabariam por lhe ditar o final antecipado da carreira por motivos de segurança.

Geralmente afável com os fãs, o piloto reinventou-se agora como comentador televisivo após pendurar o capacete, algo que, tal como a sua aventura pelos EUA, muitos tentaram e poucos conseguiram fazer com sucesso. Em ambos os casos, Franchitti foi um sucesso instantâneo.

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“Flash” anterior: Thierry Boutsen em 1989

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Fonte:
Motorsport \ Dario Franchitti





Thierry Boutsen em 1989 – Flash

6 11 2022

Há poucas coincidências mais propícias a gerar simpatia generalizada com um perfeito desconhecido como a partilha de uma data de aniversário. Imagina-se uma irmandade instantânea com pessoas a vários milhares de quilómetros de distância, sem qualquer prova nesse sentido. Assim, o dia 13 de Julho viu nascer em anos diferentes Patrick Stewart, Harrison Ford, o autor deste post e Thierry Boutsen.

Boutsen foi um prolífico piloto que competiu nos anos 80 e 90 na categoria máxima do automobilismo, navegando a sua carreira por equipas como Benetton e Williams e chegando a triunfar em Grande Prémios (inclusive com uma das vitórias a vir com um confronto direto com o amigo Ayrton Senna).

Oriundo da Bélgica, Boutsen atribui muito do seu talento ao volante às terríveis condições climatéricas do seu país, aproveitando para treinar em pistas molhadas sempre que possível. Além da F1, o piloto também espalhou o seu talento em Le Mans (antes e após a sua estadia na F1).

A mudança atrasada para a Benetton e a promoção da sua vida

Com várias equipas de F1 interessadas nos seus préstimos para 1983, Boutsen não tinha apesar disso, tarefa fácil sem conseguir apoios financeiros. Vindo de um percurso bem apetecível nas categorias de promoção (desde um título de Fórmula Ford Belga até vice-campeonatos na F3 e F2), o piloto tinha também apanhado um valente susto nas 24 Horas de Le Mans 1981 quando uma falha de suspensão levou detritos do seu carro a ferir (mortalmente num dos casos) três comissários. Mas também tinha havido espaço para vitórias nos 1000 km de Monza e nas 24 Horas de Daytona (ambas com Porsches).

Comprando um assento na equipa Arrows F1 para 1983, Boutsen estreou-se no seu GP caseiro em Spa-Francorchamps com uma performance não muito distante da do colega Marc Surer. Com a tabaqueira Barclay a patrociná-lo, Boutsen teve que lidar com motores potentes mas com má tração nos 3 anos seguintes. O primeiro ano de parceria trouxe-lhe os primeiros pontos de carreira em 1984, seguindo-se o primeiro pódio em Imola em 1985 e depois uma terrível temporada da Arrows em 1986 (na qual não pontuou).

Tendo continuado a competir nas competições de endurance, Boutsen continuou a manter a sua cotação alta o suficiente para ser contratado pela Benetton (equipa de fábrica Ford, na altura) para 1987. O relacionamento com Teo Fabi foi algo complicado mas os carros projetados por Rory Byrne nos dois anos seguintes foram velozes o suficiente para lutar por pontos em todas as provas. Nesse primeiro ano chegaram 6 pontuações (em 9 terminadas) e um pódio na Austrália.

1988 viu a chegada do italiano Alessandro Nannini para o segundo carro, e Boutsen floresceu com 5 pódios e 10 pontuações em 16 provas, que lhe valeram o 4º lugar no campeonato, atrás dos dominantes McLaren e do Ferrari de Gerhard Berger.

1989

Fruto da sua amizade com Senna, Boutsen recebeu do amigo a novidade de que este estaria a negociar com a Ferrari, com a possibilidade do belga ser o seu colega de equipa. Em rota de colisão com o colega Alain Prost, Senna acabou por ficar na McLaren e Boutsen nunca o acompanhou. Só que a Ferrari contratou Nigel Mansell à Williams, o que abriu um espaço na equipa britânica.

Sabendo das suas capacidades enquanto piloto fiável, rápido e bom desenvolvedor de carros, Frank Williams assinou o belga para acompanhar o experiente Riccardo Patrese. As coisas não começaram da melhor forma: Boutsen teve um fortíssimo acidente de pré-temporada, ao passo que Patrese decidiu redescobrir a sua boa forma.

Sem grandes hipóteses de fazer frente aos poderosos McLaren / Honda, Boutsen tinha ao menos a sorte de ver a Williams novamente com motores de fábrica (Renault) e conseguiu aproveitar um abandono de Senna no GP do Canadá sob chuva intensa para triunfar pela primeira vez (com direito a um pião que felizmente não terminou no muro). Foi um prémio muito bem-vindo para a sua primeira metade de época, dado que terminou fora dos pontos em 6 das primeiras 9 provas.

Após o GP da Alemanha, no entanto, a sua natural consistência veio ao de cima. Uma sequência de 3º – 4º – 3º na Hungria, Bélgica e Itália ajudaram-no a subir posições no campeonato, seguindo-se um abandono duplo nas rondas ibéricas, antes de terminar em 3º no GP do Japão e depois voltar a triunfar sob chuva intensa na derradeira ronda (Austrália), uma prova em que havia chegado a protestar ser posto em prova com condições tão adversas.

Procurando um lugar ao Sol

Para 1990 chegou um nível ainda maior de consistência, com direito a uma vitória no seco no GP da Hungria, vitória que Boutsen tem em grande conta por ter sido obtida a partir de pole position e por ter tido que passar a prova inteira a aguentar grandes pressões do amigo Senna. Apesar de ter batido Patrese (e de ter 3 vitórias em 2 anos contra 1 do italiano), quando a Williams precisou de abrir espaço para o regresso de Mansell foi Boutsen o sacrificado: Frank Williams apreciava a consistência de Patrese e o facto de já ter feito dupla com Mansell.

Atirado para fora da estrutura quando já estavam a maioria dos lugares decididos, Boutsen acabou por ter que regredir para a pouco competitiva Ligier, que nunca estaria destinada a regressar ao seu melhor até porque utilizava um pesadíssimo motor Lamborghini V12. Foi um 1991 sem pontos, seguido de um 1992 melhor em que motores da Renault lhe permitiram conquistar os seus primeiros pontos pós-Williams na última prova pela Ligier.

Seriam também os últimos da sua carreira de F1, porque uma movimentação para a Jordan em 1993 acabou condenada ao fracasso. Frustrado com uma promessa não cumprida de Eddie Jordan sobre adaptar o carro à sua elevada estatura (bem mais alta que a do colega Rubens Barrichello) e sem conseguir acompanhar o ritmo do jovem Barrichello, Boutsen acabaria por ser “convidado” a usar o GP da Bélgica como prova de despedida antes da temporada terminar (na mesma pista da sua estreia na F1, por sinal). Boutsen aceitou.

Nos anos seguintes, o belga dedicou-se aos campeonatos de turismo e de endurance. Nos primeiros, o sucesso foi muito limitado (chegou a encontrar-se com o ex-colega Patrese), mas nas competições de resistência conseguiu resultados interessantes com Hans-Joachim Stuck (incluíndo uma vitória à classe em Le Mans). Estava em competição na pista francesa com um protótipo Toyota quando um acidente o levou a reequacionar as suas opções, reformando-se das pistas.

Legado

Analisando a carreira de Boutsen, é difícil dizer que tenha sido o mais talentoso piloto da sua geração, particularmente quando dividia essa geração com pilotos como Senna, Prost, Mansell, Piquet e companhia, mas a verdade é que o piloto tornou-se especialista naquilo que qualquer chefe de equipa anseia: consistência e velocidade.

Tendo tido a sorte de integrar uma estrutura como a Williams em fase de reestruturação, Boutsen acabaria por ver o regresso de Mansell impedi-lo de colher os frutos do seu trabalho de adaptação aos motores Renault, como certamente teria conseguido aproveitar.

Desde que largou as pistas, Boutsen estabeleceu uma empresa de compra e venda de jatos empresariais (Boutsen Aviation) e fundou uma equipa de competição (que competiu em Fórmula Renualt, por exemplo).

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“Flash” anterior: Ralf Schumacher em 2001

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Fontes:
Autosport PT \ Thierry Boutsen





Ralf Schumacher em 2001 – Flash

16 10 2022

Qualquer piloto que consiga vencer na Fórmula 1 matriculou-se num dos clubes mais exclusivos do mundo, sendo que muito poucos chegam sequer a correr na categoria e que apenas aproximadamente 15% triunfam. Vencer 6 vezes? Isso já demonstra uma versatilidade quase sem paralelo, entre os 50 melhores pilotos da história da categoria.

Só que Ralf Schumacher raramente surge na conversa, principalmente devido ao apelido que partilha com o irmão Michael. O mais velho dos Schumacher possui 91 vitórias ao lado do seu nome e 7 títulos mundiais para acompanhar, números que ofuscariam qualquer piloto com que se comparasse, quanto mais o próprio irmão.

Mas Ralf chegou a contar com um ascendente notável nos seus primeiros anos de F1. Em 1999 chegou a ser referido por muitos como o piloto do ano, e em 2001 chegaram inclusive as primeiras dobradinhas de irmãos da história da F1.

A promessa inicial pode não ter sido cumprida, no entanto o percurso de Ralf continua a ser interessante de acompanhar.

Rápido e inconstante

Fazendo o mesmo trajeto familiar que o irmão pelos campeonatos de karting na pista da família (Kerpen), Ralf Schumacher demonstrou rapidamente ritmo suficiente para vencer o campeonato júnior em 1992 e o vice-campeonato da categoria “normal” no ano seguinte. Navegando pelos monolugares das fórmulas de promoção entre 1994 e 1996, Schumacher acumulou resultados bem interessantes (2 Top 3 na F3 Alemã e vencedor do GP de Macau de 1995).

A sua grande rampa de lançamento acabou por ser uma ida para a Fórmula Nippon em 1996, que terminou com um título na estreia. Juntando a isto uma participação conjunta com o colega de equipa Naoki Hattori no campeonato de GT Japonês (vice-campeonato), estavam reunidas as condições para que Eddie Jordan o contratasse para a sua equipa de Fórmula 1.

Tendo chegado a testar pela McLaren antes, Schumacher chegou à Jordan na condição de piloto pagante graças à Bitburger. A ideia original era de ser colega do experiente Martin Brundle, mas o britânico acabaria por ser removido antes de 1997 para dar lugar a outro piloto jovem promissor, Giancarlo Fisichella. As primeiras 7 corridas trouxeram 6 abandonos, mas também o primeiro pódio da carreira no GP da Argentina. No final do ano Fisichella até provaria ser o mais regular dos dois, mas Schumacher fez 13 respeitáveis pontos contra os 20 do italiano e conseguiu uma sequência de 4 lugares pontuáveis a meio do ano.

O sucesso moderado desse ano garantiu-lhe o segundo, desta vez sem Fisichella (saído para a Benetton) mas com o campeão do mundo de 1996, Damon Hill. 1998 trouxe uma troca de motores Peugeot pelos Mugen-Honda e o início de época foi muito complicado: Schumacher e a Jordan só somaram os primeiros pontos do ano em Julho.

Até que chegou um extremamente confuso GP da Bélgica, em que a chuva provocou incidentes vários a ponto de os dois Jordan estarem em 1º e 2º nas voltas finais. Schumacher quis atacar Hill para vencer a sua primeira corrida mas a equipa aplicou ordens de equipa e proibiu-os de lutar. Foi o início de um relacionamento mais complicado com a equipa, que culminou com o irmão Michael a informar Eddie Jordan de que Ralf não competiria pela equipa no terceiro ano de contrato.

A “fuga” de Ralf acabaria por ser para a Williams por dois anos. A equipa britânica tinha perdido o fornecimento de motores da Renault no final de 1997 e tentava reerguer-se de um terrível 1998 com uma dupla totalmente diferente. Schumacher recebeu a companhia do campeão da CART em título (e regressado à F1), Alessandro Zanardi.

Foi um ano de duas metades da garagem completamente diferentes. Zanardi encalhou por completo e não se mostrou com competitividade suficiente para sequer pontuar, enquanto que Schumacher aceitou o desafio de liderar a estrutura com uma maturidade notável. Foram 3 pódios no total do ano e 11 pontuações em 16 tentativas. Tudo isto valeu-lhe uma extensão de 3 anos no contrato no valor de 31 milhões de dólares, com a vantagem de que em 2000 a equipa contaria com o início de uma parceria técnica com a também alemã BMW.

Produzindo aquele que ficou conhecido como um motor extremamente potente mas muito frágil, a BMW reinvigorou a motivação da Williams no primeiro ano de cooperação. Agora com o estreante Jenson Button ao seu lado, Schumacher teve mais dificuldades que no ano anterior mas voltou a sair vitorioso do duelo interno. A maioria dos abandonos do alemão foram por culpa alheia e mais 3 pódios foram acumulados.

2001

Para 2001 a BMW veio com expectativas reforçadas mas ainda cautelosas, afirmando que gostaria de conquistar a sua primeira vitória com a equipa na segunda metade do ano. Mario Theissen, líder de F1 da marca, também deu a entender que gostaria de manter o fornecimento apenas com a Williams de modo a permitir uma simbiose mais forte entre ambas as marcas (e da Michelin, nova fornecedora de pneus da categoria nesse ano).

Ao lado de Schumacher chegaria o campeão de Champ Car de 1999, Juan Pablo Montoya. Ao contrário do anterior piloto da equipa vindo das competições americanas, Montoya entrou no ritmo muito rapidamente. Lançando um tiro de aviso ao colega, o colombiano só não venceu o seu terceiro GP (Brasil) com uma ultrapassagem musculada sobre Michael Schumacher porque foi eliminado por um piloto que dobrava a meio da corrida.

A boa notícia deste desenvolvimento foi que o Williams FW23 era mais competitivo que o esperado (ainda que bastante frágil, também). Logo na corrida seguinte, o GP de San Marino, Ralf Schumacher alinhou em 3º atrás dos dois McLaren. Com uma partida rápida (quase demais, sendo investigado brevemente por saltar a partida) o piloto assumiu a frente da corrida e quase não precisou de olhar para trás daí em diante. Apenas a 8 voltas do fim teve que gerir a aproximação de David Coulthard devido a um problema com a pressão de óleo.

Chegou assim a primeira vitória da carreira do alemão, assim como da parceria Williams-BMW-Michelin. Seguiram-se três abandonos consecutivos, mas a sorte voltaria no GP do Canadá. Tendo passado a prova inteira imediatamente atrás do irmão, Ralf foi aplicando pressão ao longo da corrida na esperança de assumir a liderança. Essa liderança acabaria por lhe cair nas mãos quando Michael parou e Ralf acelerou o ritmo (com direito a ter quebrado três vezes o recorde de pista) a ponto de emergir da sua paragem à frente do Ferrari. A vitória foi a primeira dobradinha de irmãos na história da F1, sendo que o 3º classificado (Mika Häkkinen) até soltou o desabafo de que “era uma sorte não haverem 3 [Schumachers], senão teríamos um problema”.

Isso mesmo ficou provado quando os irmãos voltaram a partilhar a primeira linha da grelha uma prova depois disso, e fizeram outra dobradinha (liderada por Michael) na seguinte. Uma incrível terceira vitória no Hockenheim, em território alemão, cimentou a boa temporada que Ralf vinha a realizar. Até ao final do ano ainda chegou mais um pódio e a sua melhor classificação de sempre num campeonato (4º lugar atrás dos dois Ferrari e de Coulthard).

A renovação por 2 anos extra de contrato foi quase uma formalidade.

Salário elevado e motivação questionada

Havia uma única possível preocupação para Schumacher: Montoya, tal como Button em 2000, parecera ter um certo ascendente na fase final de 2001. Na primeira prova do ano, na Austrália, Ralf acidentou-se aparatosamente contra Barrichello enquanto que Montoya terminou em 2º atrás de Michael. Apesar de a corrida seguinte (Malásia) até ter sido uma vitória para Ralf, o tom do que seria o ano foi seguido com Montoya a receber os grandes elogios como piloto mais próximo de Michael Schumacher, que dominou por completo a temporada.

Mas 2003 foi o ano em que realmente foi possível à Williams entrar na luta pelo título, com as pequenas mudanças de regulamentos que trouxeram a Ferrari um pouco para trás. Ralf teve um sólido princípio de temporada, com 10 pontuações em 10 corridas, particularmente importantes dada a inconsistência geral dos adversários. Depois de 7 pontuações chegou o primeiro pódio (Canadá) e depois duas vitórias consecutivas (Nüburgring e Magny Cours), que o deixaram em 3º no campeonato a 11 pontos do líder Michael (sempre ele).

Só que depois Montoya voltou a dar mostras do seu talento e Ralf sofreu um acidente num teste em Monza que o deixou de fora de uma prova, obrigando-o a ter que apoiar o colega de equipa. Se isto iria promover um ambiente pior entre eles no futuro, nunca se descobriu: 2004 trouxe um carro da Williams terrível, que deixou os pilotos com resultados fracos. Juntando a isto um acidente grave em Indianápolis (quando desacelerou 78 G e sofreu uma concussão e duas fraturas na coluna) que o deixou de fora de 6 corridas, e o cenário ficava mais negro.

Entretanto estalara o verniz com a cúpula da Williams, com Patrick Head a dizer que não havia pressa em renovar com Schumacher porque “ele só tem uma oferta da Toyota!”. Pois foi precisamente para aí que rumou Ralf em 2005.

Projeto que começara em 2002, a Toyota tinha tido 3 anos de F1 em que só com dificuldade parecera capaz de pontuar, o que não augurava nada de bom para a dupla Ralf Schumacher-Jarno Trulli. Mas o projetista Mike Gascoyne ia apostar tudo nos novos regulamentos de 2005. E a Toyota foi uma das grandes beneficiadas. A equipa japonesa acumulou 2 pódios em 3 corridas mas todos pela mão de Trulli. Ralf ia somando pontos com consistência, no entanto, e, mesmo com novo incidente forte em Indianápolis, foi ganhando ritmo ao longo do ano e acabaria por fazer 2 pódios na fase final do ano com os quais passou o colega no campeonato. A Toyota terminou em 4º lugar, o melhor resultado de sempre da marca.

Só que guerras internas da equipa (que chegou a ter duas equipas internas a fazerem dois motores diferentes para tentarem provar ter a melhor solução) e uma decisão terrível de mudar de pneus Michelin para Bridgestone quando o carro estava adaptado melhor para os primeiros, levaram à realização de um 2006 medíocre só suplantado (pela negativa) por um 2007 péssimo.

Batido em toda a linha por Trulli no ano final e com um salário elevadíssimo, Ralf começou a ser vítima da piada do paddock sobre os dois Schumacher terem-se reformado em 2006, mas que só Michael se tinha lembrado de deixar de aparecer… A Toyota correu com o piloto, que ainda chegou a testar com a última classificada Force India, e Ralf abandonou a categoria máxima do automobilismo ao invés de integrar a estrutura.

O piloto competiu ainda pela HWA no DTM, onde somou 2 pódios, antes de se dedicar a gerir a carreira do filho David e aos comentários televisivos na televisão alemã (onde se tem tornado conhecido pelas suas opiniões extravagantes).

Legado

O percurso de Ralf Schumacher na Fórmula 1 começou como quase todos os dos grandes pilotos começaram: brilhos intensos nas categorias de promoção permitiram uma estreia numa equipa do meio da tabela, onde os bons resultados o tornaram um alvo apetecível das equipas de topo. Só que a partir daí é quando o talento e a dedicação chegam ao seu ponto crítico. E foi aqui que Ralf parece ter falhado o seu passo final.

A liderança da equipa foi-lhe atribuída na Williams, mas o alemão dificilmente teria podido contar com a concorrência de um piloto do calibre de Montoya, que se tornou o mais eficaz dos dois pilotos. O próprio colombiano chegou a referir-se ao ex-colega como alguém como alguém quase imbatível nos seus melhores dias, mas que quando era batido se deixava ir abaixo psicologicamente. Esta análise informa muito do que foi a carreira de Ralf, sem a auto-confiança do irmão.

Ainda assim vale a pena recordar o piloto no seu melhor, quando a sua boa forma aterrorizou Mika Häkkinen a ponto de este agradecer a inexistência de um terceiro Schumacher…

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“Flash” anterior: Arrows em 1998

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Fontes:
– SANTOS, Francisco. Fórmula 1 01/02. (2001). Edições Talento.





Arrows em 1998 – Flash

25 06 2022

Têm sido notórias as dificuldades com que Michael Andretti se tem deparado na tentativa de inscrever o projeto da sua futura equipa de F1 para 2026. O americano, que parece já ter tratado de arranjar os meios de financiamento necessários para a aventura, tem esbarrado na falta de concordância das outras equipas, que não vêem com bons olhos a divisão por 11 dos rendimentos ao invés dos atuais 10.

Nem sempre a formação de equipas foi uma tarefa difícil na F1, paradoxalmente. Múltiplas estruturas apareciam e desapareciam nos anos iniciais da categoria, muitas nem sequer como construtoras (compravam os seus chassis a equipas estabelecidas e agiam como meras privadas). Algumas destas conseguiram sobreviver vários anos na F1, mesmo em casos de sucesso limitado.

Sem uma única vitória num Grande Prémio em 3 décadas de existência, a Arrows foi um dos expoentes máximos desta tendência. Fundada por um conjunto de elementos díspares (que incluíam um ex-piloto de F1) que fizeram uso das inciais dos seus apelidos para a designar, a Arrows foi tendo que atribuladamente adaptar os seus planos ao longo dos anos.

Planos que chegaram a incluir a construção dos seus próprios motores no final dos anos 90.

Do acrónimo original à confusão completa

Os membros fundadores da Arrows em 1978 consistiam numa quinteto composto de empresários, engenheiros e ex-pilotos: Franco (A)mbrosio, Alan (R)ees, Jackie (O)liver, Dave (W)ass e Tony (S)outhgate. Todos estes tinham integrado a equipa Shadow no ano anterior e esta associação esteve na origem do primeiro problema que enfrentaram: uma acusação de desrespeito de direitos de autor relativa ao seu monolugar.

O carro que teria sido o FA1 foi banido após queixa da Shadow, obrigando a Arrows, a meros 52 dias da primeira corrida da temporada de 1978, a ter que criar um novo de raiz. Isto foi conseguido (e baptizado de A1) mas houve outros dois problemas significantes para a equipa: Ambrosio foi preso por irregularidades financeiras e um dos pilotos escolhidos, Gunnar Nilsson, foi diagnosticado com cancro testicular e teve que ser substituído.

Ainda assim, foi um primeiro ano de sucessos moderados (fazendo uso dos motores Ford Cosworth). Riccardo Patrese alinhou no GP do Brasil e terminou em 10º. Na corrida seguinte, na África do Sul, Patrese abandonou mas tinha estado a liderar a prova quando isso sucedeu. Nada mal para um carro feito em menos de 2 meses… Durante o resto do ano, foram vários os altos e baixos para Patrese, desde um 2º lugar no GP da Suécia até a uma suspensão por uma prova depois de ter estado envolvido no acidente fatal de Ronnie Peterson (do qual mais tarde foi considerado inocente, enfurecendo a equipa a chantagem de que foi alvo pelas rivais para suspender o seu piloto).

A chegada dos carros com efeito de solo obrigou a Arrows a seguir esse mesmo caminho, mas o A2 não foi bem-sucedido. Os anos 80 trouxeram alguns pódios e pontos ocasionais, um acordo para utilizar motores BMW turbo e a saída de mais fundadores, até que sobraram Oliver e Rees. Estes chegariam a contratar Ross Brawn para projetar os seus Arrows.

Uma saída de cena da BMW no final da década viu a equipa experimentar continuar a usar os propulsores sob a designação Megatron, para algumas boas temporadas (ainda que frustrantes, pelos limites crescentes impostos pela FIA a quem continuasse a utilizar tecnologia turbo).

A equipa começou assim a manifestar algum desejo por ter os seus próprios motores. Um acordo de patrocínio (e mudança de nome da equipa) com a japonesa Footwork marcou uma alteração para os anos 90, com direito a uma desastrada tentativa da Porsche em fabricar os motores da estrutura em 1992. Apesar de tudo, as dificuldades financeiras começaram a apertar a sério, culminando com a venda da equipa a Tom Walkinshaw.

1998

Tendo já tentado adquirir sem sucesso a Ligier anteriormente, Walkinshaw comprou a parte de Rees da equipa e começou de imediato a fazer alterações. Tendo uma história de sucesso em operações de endurance e carros de turismo, o britânico era na época responsável pela Holden na Austrália e pela Volvo no BTCC. E tinha um plano para tornar a Arrows uma candidata ao título.

Trazendo vários engenheiros Ligier consigo, Walkinshaw foi buscar o “desempregado” campeão do mundo de F1 Damon Hill e assinou com o piloto pagante Pedro Paulo Diniz (para conseguir cobrir o salário do primeiro), o que colocou o número 1 nos Arrows. John Judd foi contratado para preparar motores Yamaha, John Barnard para projetar o carro e a Bridgestone (que estava a entrar na categoria) forneceu-lhes os pneus.

O resultado em 1997 foi bastante mau com vários abandonos, falta de ritmo e algumas não-qualificações. O único momento alto do campeonato foi o golpe de génio da afinação para o GP da Hungria que deixou Hill 25 segundos na liderança a 3 voltas do fim, quando uma falha hidráulica o deixou em 2º lugar. No final do ano, Hill saiu para a Jordan. Era preciso um plano B.

Por questões de saúde financeira Diniz foi mantido para 1998, que contaria com um carro projetado por inteiro por Barnard. O finlandês Mika Salo foi escolhido para o segundo carro. Irritada pela falta de andamento do Yamaha em 1997, a Arrows decidiu que queria projetar o seu próprio motor em 1998 (adquirindo a Hart), para evitar os custos de comprar a terceiros. O Arrows A19 correria inclusive com uma distintiva pintura completamente preta.

O problema mais óbvio da Arrows era que seria a primeira equipa britânica em 20 anos a desenvolver o seu próprio motor. Haviam boas razões para não se fazer isto habitualmente. Com uma certa previsibilidade, numa altura em que a F1 começava a sua escalada armamentista de desenvolvimento de motores, a pequena equipa não tinha capacidade para acompanhar o ritmo de desenvolvimento das Ferraris e Mercedes da categoria.

A juntar a isto a caixa de velocidades desenvolvida gerou problemas, e Barnard andava a desenhar partes, no seu tempo livre, para a Prost. Até ao final do ano, o projetista estava fora da equipa.

Apesar de uma dupla pontuação no GP do Mónaco e de Diniz ter aproveitado o caos do GP da Bélgica para ficar em 5º, o Arrows abandonou numas incríveis 23 tentativas em 32 possíveis (onde se inclui um abandono sincronizado no GP de Espanha…). O resultado nem foi tão mau quanto podia ter sido: 7º lugar no mundial de construtores com 6 pontos.

Mike Coughlan assumiu o posto de direitor técnico e a equipa chegou a ser cotada para ser adquirida pela Zakspeed e pela Toyota, mas os acordos falharam e a Arrows foi forçada a continuar tal como estava para 1999.

Os melhores esforços de Walkinshaw

A partir daqui a Arrows entrou na sua fase final. Esta chegou mesmo a envolver um literal príncipe da Nigéria, uma vez que Malik Ado Ibrahim comprou 25% da equipa e flutuou intenções de associar a Lamborghini à aventura, sendo que funcionários da Arrows da época descrevem que nenhum dinheiro chegou aos cofres da estrutura nesse período…

O carro de 1999 era pouco mais que um upgrade do de 1998, com uma dupla nova de pilotos (Pedro de la Rosa e Toranosuke Takagi). 2000 viu chegar Jos Verstappen para o lugar de Takagi e a aventura de motor próprio da Arrows terminou, com a passagem para o uso de motores Supertec (Renaults com um ano de idade, essencialmente). Estas alterações ainda deram algum fôlego à equipa, que recebeu o patrocínio da Orange e passou a ter a sua pintura mais famosa da equipa em laranja e preto.

O regresso da Renault à F1 a título oficial levou a equipa a mudar para Asiatech (Peugeots antigos). Elementos essenciais da equipa começaram a abandonar e o ótimo de la Rosa acabou também fora para dar lugar ao estreante Enrique Bernoldi. Daqui em diante o fim chegou rapidamente.

A assinatura de Heinz-Harald Frentzen para 2002 levou ao cancelamento do contrato de Verstappen, que processou a equipa com sucesso (juntando-se a outro processo fracassado movido pela equipa contra Diniz). O próprio Frentzen iniciou litigação contra a equipa por falta de pagamentos e ambos os pilotos da Arrows receberam ordens para falhar deliberadamente a qualificação no GP de França, de modo à equipa não ter que pagar uma multa por não-comparência.

O fim chegou, mas não inteiramente a história. Ainda houve algumas tentativas de negociação para a venda da equipa (Craig Pollock e Dietrich Mateschitz, por exemplo), mas acabou por se resumir a uma mera compra de ativos da equipa pela Phoenix France. O consórtio acreditou que esta compra (e a dos ativos da Prost) lhes daria uma inscrição na temporada de 2003. A FIA rapidamente lhes retirou esta ilusão.

Legado

A história da Arrows ter durado tanto quanto durou é ainda mais improvável quando se considera a quantidade de escolhas erradas ou mal temporizadas que os seus líderes foram escolhendo durante a sua estadia.

Antes sequer de um único quilómetro ter sido corrido já a equipa tinha sido processado por quebra de direitos de autor, um dos seus fundadores estava preso e um dos seus pilotos indisponível por doença grave. A quase vitória na sua segunda corrida poderia ter modificado a história da estrutura por inteiro. Em vez disso, mais decisões erradas. O mau projeto de efeito de solo, a presença de um motor turbo quando a FIA os queria fora da F1,…

A aposta num motor próprio de modo a poupar dinheiro que teria que dispender enquanto cliente era uma ideia que várias equipas na era atual ponderaram, mas não compreender que era necessário ter um orçamento capaz de realizar um desenvolvimento capaz de competir com as construtoras mundiais foi uma enorme ausência de discernimento.

Ainda assim, em dourado Warsteiner, preto Danka ou em laranja Orange, a Arrows deixou a sua marca na imaginação colectiva dos fãs de F1.

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“Flash” anterior: GP Malásia 2009

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Fontes:
– SANTOS, Francisco. F1 98/99 (1998) Talento.
IntentsGP \ Arrows
Wikipedia \ Arrows
Wikipedia \ Arrows A19





GP Malásia em 2009 – Flash

16 04 2022

Com a saída do GP da Rússia do calendário de 2022 à última da hora, Stefano Domenicalli foi permptório a afirmar que a F1 “não teria problema nenhum” em substituir a ronda em falta. O interesse de vários circuitos em sediar um Grande Prémio tem vindo a dar à FOM muita margem para se demorar na escolha, sendo que questões como a proximidade geográfica ao Japão e a Singapura são fulcrais para garantir uma atempada expedição de materiais entre as provas consecutivas.

A escolha parece estar a pender fortemente para o Qatar, que estaria de fora dos planos deste ano originalmente devido à sua organização do Mundial de Futebol, mas a grande favorita dos fãs para o espaço era um regresso do GP da Malásia ao calendário (mesmo que apenas provisório).

O dirigente da pista de Sepang já veio a público deitar água fria nas possibilidades, o que não impediu um suspiro coletivo pelo regresso do país do Sudeste asiático à lista de GPs a disputar neste ano. Considerado como um dos melhores autódromos da categoria, o circuito de Kuala Lumpur foi um dos primeiros sacrificados do final do mandato de Bernie Ecclestone na FOM, devido à pouca vontade de continuar a pagar os elevados valores exigidos (e por ter apostado fortemente no MotoGP).

Mas Sepang permaneceu no calendário da F1 por uns expressivos 18 anos. A pista foi palco de alguns dos mais marcantes momentos de várias temporadas, com presenças tanto no início como no fim do ano, e o seu início foi precisamente o momento de viragem em que a categoria se começou a dedicar com afinco à expansão para a Ásia.

Em direção a Este, desenhada por Tilke

É difícil imaginar uma temporada de Fórmula 1 com apenas uma corrida asiática e nenhum circuito projetado por Hermann Tilke. No entanto, no final dos anos 90, era precisamente isso que acontecia. Numa tentativa de juntar o útil ao agradável, o projetista alemão (que na altura acabara de redesenhar o atual Red Bull Ring) foi incumbido da tarefa de dar à Malásia um circuito com infraestruturas modernas para a F1 visitar.

Alguns elementos interessantes de design, como as coberturas das bancadas serem desenhadas com inspiração em folhas de palmeiras locais, foram introduzidos numa pista com 15 curvas, enorme largura de traçado e escapatórias amplas. E, claro, duas grandes retas e curvas muito desafiantes, num circuito que continua a ser classificado como um dos melhores que já passou pela Fórmula 1. O uso de luzes em vez de bandeiras também foi adoptado pela primeira vez aqui.

O produto final foi do agrado da F1 e do MotoGP, com temperaturas bem elevadas a testarem a resistência física dos pilotos e o perigo de chuvas torrenciais de monção a testar as capacidades de previsão dos meteorologistas das equipas.

A primeira visita de 1999 trouxe um regresso fulgurante do lesionado Michael Schumacher à Ferrari, que culminou no domínio do alemão até ele ceder voluntariamente a vitória ao colega de equipa Eddie Irvine; enquanto que a de 2000 viu Schumacher chegar com o título no bolso e a Ferrari a triunfar no mundial de construtores em terras malaias. A terceira visita, em 2001, viu uma corrida deitada do avesso por uma chuva repentina e abundante que atirou inúmeros carros para fora de pista. Mas no final: dobradinha Ferrari comandada por Schumacher.

2002 também foi um ano de domínio Ferrari mas foi Ralf Schumacher quem triunfou ao serviço da Williams, seguindo-se a primeira vitória na F1 de Kimi Räikkönen em 2003, com a McLaren (num GP em que Jenson Button perdeu o primeiro pódio da carreira na última curva). A pista também foi palco do surgimento da Renault como equipa de topo em 2005-06 e da primeira dobradinha Alonso-Hamilton na McLaren em 2007.

2009

Com um problema bastante sério em ultrapassar, com a proeminência de apêndices em cima de apêndices a nível aerodinâmico e com uma grande vontade de acabar com o duopólio Ferrari-McLaren dos dois anos anteriores, os decisores da F1 optaram por uma das mais drásticas mudanças de regulamentos aerodinâmicos de sempre da F1 para 2009. Aumento da altura total dos monolugares e da largura das asas traseiras, encurtamento da largura da asa traseira, introdução de KERS e eliminação de quase todos os apêndices permitidos. Tudo mudou.

Tudo para que a ordem competitiva da categoria mudasse. E assim foi. Com a FIA a fazer vista grossa a uma interpretação radical do novo regulamento (permitindo o conceito de “difusor duplo”), três equipas viram-se atiradas para a frente em relação a 2008: Williams, Toyota e, acima de todas, a Brawn.

Nascida à pressa das cinzas da Honda (e do seu investimento de centenas de milhões de euros durante 2008), a Brawn apressara-se a colocar um motor Mercedes no seu monolugar e mandou os seus dois pilotos dar o seu melhor no primeiro GP do ano. O resultado foi uma dobradinha de Jenson Button e Rubens Barrichello.

A segunda prova seria a de Sepang, para o GP da Malásia de 2009.

O paddock estava com uma disposição algo tensa, depois de um momento de confusão com o Safety Car na Austrália ter terminado com Lewis Hamilton a mentir sobre a manobra, de modo a tentar desclassificar Jarno Trulli. Tudo terminou, ao invés, com a desclassificação e pedido de desculpas do inglês.

A qualificação voltou a colocar Button em pole, desta vez seguido de Trulli e de um jovem Sebastian Vettel (que apanhou uma penalização de 10 lugares pelo incidente que tinha tido com Robert Kubica no GP anterior). Já na partida foi Nico Rosberg quem brilhou, saltando de 4º para 1º na primeira curva no seu Williams.

Enquanto as primeiras voltas se desenrolavam, o céu à volta do circuito parecia cada vez mais assustadoramente negro. Kimi Räikkönen recebeu instruções para colocar pneus de chuva intensa mas era demasiado cedo e o finlandês queimou os seus pneus enquanto perdia posições. A chuva acabaria por vir, primeiro com bastante intensidade e depois acalmando antes de voltar finalmente em força. Imensos carros começaram a sair de pista e o SC acabou por ter que intervir até uma bandeira vermelha terminar a ação.

O problema acabaria por ser não a chuva, mas a falta de luz do dia na pista malaia à medida que a pausa se arrastava. Räikkönen já nem queria saber: enquanto os pilotos permaneciam dentro dos monolugares na grelha para uma eventual relargada, o piloto da Ferrari era vista já sem fato de competição a comer um gelado. Mas, de facto, foi dado como terminado, com metade dos pontos a serem atribuídos (seriam precisos 12 anos para tal voltar a acontecer).

A Brawn continuava o seu início de sonho da temporada, com Nick Heidfeld e Timo Glock no pódio, e Rosberg ficaria extremamente deciopcionado pelo meio ponto somado.

Os pedidos de modernização

Tendo começado no final das temporada de 1999 e 2000, o GP da Malásia acabaria por ter, na maioria dos casos, edições menos atabalhoadas nos anos seguintes (com a excepção de 2009). Para 2010 e 2011 tornou-se no reduto pessoal de Sebastian Vettel e Red Bull, com triunfos confortáveis a caminho dos seus dois primeiros campeonatos.

Em 2012, ocorreria uma versão novamente afetada pela chuva com uma luta muito interessante entre o Ferrari de Fernando Alonso e o Sauber do novato Sergio Pérez. Foi o início de uma grande temporada do último, que culminaria com ser escolhido para substituir Hamilton na McLaren. Já o ano seguinte seria de ordens de equipa na Red Bull, com Mark Webber a ser passado por Vettel contra as instruções da equipa e terminando com a exclamação de Webber: “pois é, Seb, Multi 21” (o código de ordens de equipa da estrutura)… 2014 foi de domínio Mercedes e Hamilton triunfou com tranquilidade, enquanto que 2015 trouxe uma Ferrari em boa forma para dar a Vettel a sua primeira vitória nas cores de Maranello.

Cada vez com menos paciência para ouvir comentários sobre a necessidade de renovações da parte de Bernie Ecclestone e com menos vontade de continuar a pagar mais e mais para sediar o seu GP, a Malásia acabaria por abandonar a mesa de negociações e a sua prova voltou nos dois anos finais de contrato a ir para o fim do ano.

2016 foi a edição que muitos fãs recordam melhor. Hamilton liderava com tranquilidade quando o seu motor rebentou com fanfarra e chamas. Uma dobradinha caiu assim no colo da Red Bull (com Daniel Ricciardo na frente de Max Verstappen), mas quem estava mais feliz era mesmo Rosberg. Em luta pelo título com o colega Mercedes, Rosberg acabava de somar uma enorme fatia de pontos que o ajudariam a gerir a margem para Hamilton bem o suficiente para ser campeão no final do ano.

Verstappen venceu a derradeira edição, antes de Sepang abandonar a F1 e se dedicar por inteiro ao MotoGP.

Legado

A julgar pela maneira como rumores de uma segunda corrida na Singapura ou uma corrida em Doha serão os substitutos do espaço em falta no calendário, a Malásia não deverá contar com um regresso em 2022. Ainda assim, tornou-se claro nos últimos anos que existe um apetite pelo regresso do circuito de Sepang. Dificilmente sucederá, até pela presença de Singapura no calendário: quando estes se preparavam para entrar na F1 em 2008 nem pediram ajuda aos vizinhos para a organização, mas antes aos australianos, tal era a inimizade entre os países…

A entrada do GP da Malásia no calendário em 1999 marcou uma nova era de F1, que dominaria os anos 2000 e 2010 da categoria, com uma importância cada vez maior da Ásia em detrimento da Europa no automobilismo mundial. Com infraestruturas feitas de raiz para corresponder às necessidades dos F1 modernos, estes novos palcos forçaram os europeus a melhorarem as suas pistas (que na sua maioria tinham origens em meras estradas regionais ou aeródromos).

Não deixa de ser irónico que a Malásia tenha saído do calendário devido a um contra-movimento desta tendência, com o foco asiático a ter mudado do Sudeste Asiático para o Médio Oriente e para mais provas na América do Norte e Central.

No geral, Sepang foi palco de brilhantes provas de automobilismo, ultrapassagens, condições variáveis e desafios físicos para os pilotos devido ao calor. Um regresso seria sempre bem-recebido.

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“Flash” anterior: Wolf em 1977
“Flash” seguinte: Arrows em 1998

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Fontes:
Racing Circuits \ Sepang





Wolf em 1977 – Flash

2 04 2022

Perante o estatuto presente da Williams como terceira equipa mais velha da F1, pode parecer difícil imaginar a estrutura nos seus tempos iniciais de final dos anos 70. Mas mais difícil ainda poderá ser imaginar que semelhante estrutura falhou ao fim de 2 anos na sua primeira concepção e foi comprada por um magnata canadiano que foi temporariamente bem-sucedido no seu lugar.

Walter Wolf, sem qualquer relação com o omnipresente Toto Wolff dos nossos dias, tornou-se parceiro de Sir Frank Williams na equipa do histórico líder da Williams em 1976 e não demorou muito a identificar o inglês como o grande obstáculo para o sucesso da estrutura Wolf-Williams, correndo com ele da equipa.

O sucesso veio com espantosa rapidez mas também parou de soprar com igual velocidade. A Wolf tornou-se uma nota de rodapé na história da Fórmula 1, enquanto que Sir Frank recomeçou do zero para criar um dos nomes mais icónicos do automobilismo mundial. Mas o que se passou naquele ano de 1977 em que nada disto parecia provável?

A união e posterior desmembramento da Williams

Tendo começado a operar uma equipa de carros-cliente na F1 em 1969, com o seu piloto talismã Piers Courage, a Frank Williams Racing Cars alcançou pódios logo ao início da parceria. Com o que Williams dificilmente estaria a contar era com o trágico falecimento em pista do talentoso Courage. A partir daí a equipa britânica começou a tornar-se mais sinónima com pontos muito ocasionais e uma sequência de anónimos pilotos pagantes (com algumas exceções como José Carlos Pace).

Quando 1975 chegou, a stuação financeira da equipa estava cada vez menos recomendável e Frank Williams precisou de contar com um novo parceiro para o salvar. Quem se chegou à frente foi Walter Wolf, um empresário canadiano que fizera a sua fortuna no início da década com o negócio do petróleo. Wolf tratou de remendar a situação e adquiriu 60% da estrutura, deixando Frank como chefe de equipa, e passando o nome para Wolf-Williams.

A equipa continuaria em Bennett Road mas passou a utilizar o equipamento comprado à Hesketh. Incluindo o carro, que passou a ser o Williams FW05, e o engenheiro Harvey Postlethwaite. Patrick Head, próximo de Frank, permaneceu e os pilotos seriam Jacky Ickx e Michel Leclere. Os monolugares, agora pintados de preto e dourado, não foram muito competitivos e nenhum dos dois pilotos durou o ano inteiro. Nem Frank.

Wolf acreditava que era preciso cortar com o passado e começou uma reestruturação da equipa. O fundador original estaria relegado para tarefas de procura de patrocinadores. Frank Williams não aceitou, bateu com a porta e, como represália, levou Patrick Head consigo para formar a Williams Grand Prix Engineering. Na nova Wolf, Peter Warr da Lotus assumiu a chefia da estrutura.

1977

O plano para a nova temporada era relativamente simples. Postlethwaite idealizou um novo chassis, o WR1 que fez uso do motor Ford Cosworth, e um rápido mas errático Jody Scheckter foi contratado à Tyrrell para guiar o único carro da equipa.

Scheckter qualificou-se em 11º na primeira corrida do ano na Argentina. Uma mistura de carro bem nascido com a rapidez natural do sul-africano serviu bem a equipa. Melhor ainda foi uma sequência de abandonos de vários carros à sua frente (Jochen Mass com motor rebentado, James Hunt e John Watson com suspensão partida, José Carlos Pace com calor excessivo no cockpit,…) que deixou Scheckter na liderança até ao final. A primeira corrida da Wolf terminou em vitória.

Era o pior pesadelo possível para Frank Williams, que se dedicou com ainda maior afinco à nova estrutura que formava.

Com meios muito menores que os das suas rivais, a Wolf provou ser uma equipa surpreendentemente competente ao longo do ano, acumulando diversos abandonos, é certo, mas também ótimas posições quando chegava até ao fim. Scheckter ficou no lugar mais alto do pódio mais duas vezes (GPs do Mónaco e Canadá, casa de Wolf) e somou 6 pódios adicionais, para terminar o campeonato como vice-campeão atrás do Ferrari de Niki Lauda.

Mesmo com apenas um piloto ao invés de dois, estes resultados foram o suficiente para colocar a equipa de Walter Wolf em 4º lugar no mundial de construtores.

As sequelas menos bem-sucedidas

Mantendo quase tudo estável para 1978, Postlethwaite tratou de adaptar a Wolf aos novos carros de efeito solo (ainda que fosse preciso esperar até à sexta corrida do ano). Scheckter conseguiria obter 4 pódios, sendo que a equipa decidiu operar com um carro extra a certa altura, primeiro para o privado Keke Rosberg da Theodore Racing, depois para Bobby Rahal na estrutura oficial nas duas provas finais.

No final desse ano, em que a equipa terminou num respeitável 5º lugar nos construtores, aconteceu o inevitável: não foi possível segurar mais Scheckter, que rumou à Ferrari para fazer parceria com Gilles Villeneuve. O canadiano, por razões óbvias de velocidade e nacionalidade, tinha chegado a ser uma prioridade para Walter Wolf. No final, a escolha recaiu sobre James Hunt, campeão de 1976 com quem Postlethwaite e Warr já tinham trabalhado na Hesketh.

A escolha foi errada. As 3 versões do Wolf de 1979 provaram não ser competitivas e Hunt simplesmente decidiu rumar a uma reforma antecipada a meio do ano, sendo substituído por Rosberg. Nenhum dos dois conseguiu um único ponto, num carro que apenas terminou duas corridas…

Entretanto, Frank Williams, que fundara a Williams Grand Prix Engineering em 1978, viu o seu projeto de 1979 ter um final de ano fulgurante com 5 vitórias nos 7 Grande Prémios finais. Sem paciência para mais F1, Wolf vendeu o material da sua equipa a Emerson Fittipaldi e abandonou a categoria. A Williams acabaria campeã de 1980 com Alan Jones e Carlos Reutemann ao volante.

Legado

É difícil esquecer equipas que triunfam na sua primeira corrida na Fórmula 1. É por isso que até hoje todos se recordam da estreia da Brawn em 2009 e é por isso que todos se recordam dos carros pretos e dourados com a bandeira canadiana da Wolf a triunfar na sua primeira corrida de sempre em 1977 no GP da Argentina.

Mas também vale a pena recordar para além do sucesso imediato. Walter Wolf chegou à categoria máxima do automobilismo crente de que aquilo que atrapalhara a ascensão da anterior estrutura havia sido o fundador Frank Williams. Os sucessos iniciais pareceram corrobar esta asserção e quase deixaram Sir Frank à beira de uma depressão, mas o britânico perseverou.

Três anos volvidos e Walter Wolf abandonou a F1 sem ter somado um único ponto na derradeira época. Já Frank Williams recomeçara do zero e, mesmo sem saber, estava prestes a iniciar uma das mais dominantes equipas que já atravessou a F1 e que, sem o fulgor de outros tempos, permaneceu na grelha de partida da categoria até hoje.

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Fontes:
Autosport PT \ Wolf
Grand Prix \ Wolf
Motorsport \ Wolf
Motorsport Magazine \ Walter Wolf
Walter Wolf World \ História
Wikipedia \ Walter Wolf Racing





Kimi Räikkönen em 2007 – Flash

5 02 2022

Já tinha havido um abandono da Fórmula 1 de Kimi Räikkönen antes, mas havia uma expectativa de um regresso futuro (que se confirmou) do finlandês. Com 42 anos neste abandono, fica claro que já teremos assistido no passado mês de Dezembro ao último Grande Prémio de Räikkönen na principal categoria do automobilismo, aparentemente sem que o piloto tenha demonstrado desejo de prosseguir para outro futuro que não o de vida pacata.

Afastado dos lugares cimeiros da grelha nos 3 anos mais recentes, Räikkönen deixa para trás um legado para além do seu título mundial ao serviço da Ferrari (à data, o último conquistado pela Scuderia) que inclui uma imagem de antipatia por vezes justificada (e muitas vezes cultivada pelo próprio), de adorador do automobilismo na sua forma mais pura e de muita velocidade.

Ser objetivo no que toca a Räikkönen é-me impossível. Comecei a seguir Fórmula 1 “a sério” (vendo todas as corridas) em 2005, o primeiro ano em que Michael Schumacher deixou de ser campeão, por isso a lógica ditaria que fosse fã de Fernando Alonso. Mas as minhas memórias da época vão sempre para o carro prateado da McLaren, com o qual Kimi venceu magistralmente no GP do Mónaco. O título ficaria com Alonso mas as minhas memórias do MP4-20, rápido e frágil em quantidades extremas, capaz de vitórias e de falhas de motor em igual proporção, ficou para sempre na memória.

Felizmente para Räikkönen, o desejado título não ficou por conquistar. O percurso de carreira do finlandês após a conquista foi ainda mais interessante que aquele que percorrera para atingir o título. Uma boa dose de obstinação levou-o a permanecer num monolugar até bem mais tarde que vários dos seus contemporâneos (com a exceção de Alonso), com velocidade suficiente para não se ver em maus lençóis contra os seus mais recentes adversários.

Estreia antecipada e promoção imediata

À semelhança de vários outros pilotos, Kimi Räikkönen começou a competir no karting desde os 10 anos de idade. Aquilo que o distinguiu destes foi a quantidade risivelmente minúscula de corridas em monolugares que disputou até à estreia na Fórmula 1. Räikkönen participara em 4 corridas do campeonato de Inverno da Fórmula Renault Britânica em 1999 e vencera as 4. No ano seguinte participou em 10 no campeonato inteiro com a Manor, triunfou em 7 e sagrou-se campeão. Também na Fórmula Renault 2000 Eurocup também fez o pleno nas 2 provas em que participou.

Estas demonstrações de velocidade e um teste em que terá andado meio segundo mais rápido que um dos seus pilotos oficiais, levou Peter Sauber da equipa Sauber de F1 a batalhar por conseguir dar ao finlandês uma superlicença para que este fosse seu piloto em 2001. A FIA hesitou, incerta sobre se Räikkönen estaria preparado para saltar para um monolugar muito mais poderoso. A superlicença apenas veio condicionalmente: se o piloto mostrasse estar mal-prepaparado seria revogada.

Sauber aceitou. Tinha boas razões para o fazer. As proezas de Räikkönen, como ter levantado o kart à mão no Mónaco depois de um acidente e continuado até ao 3º lugar ou ainda ter demonstrado à sua equipa que tinha um volante partido ao acenar com ele na mão enquanto acelerava na reta. Na primeira prova do ano, na Austrália, Räikkönen completou uma pontuação dupla da Sauber ao terminar num impressionante 6º lugar.

Foi um excelente ano para a Sauber. Kimi fazia dupla com um jovem alemão apoiado pela McLaren / Mercedes, Nick Heidfeld, e a equipa tinha no C20 um carro em que podia confiar. Heidfeld conseguiu 12 pontos e um pódio, enquanto que Räikkönen fez 9 pontos. Quando no final do ano Mika Häkkinen, compatriota de Kimi e bi-campeão mundial, anunciou que abandonaria a F1 fazia mais sentido assinar Heidfeld (até pelas ligações Mercedes). Mas Ron Dennis, líder da equipa, optou por apostar em Räikkönen com as palavras de conselho de Häkkinen em mente: if you want to win, sign a Finn (“se queres vencer contrata um finlandês”).

2002 seria um ano difícil para todas as equipas que não fossem a Ferrari. Os italianos dominaram por completo a temporada e as sobras foram poucas. Mas Räikkönen foi um dos que aproveitou. Novamente na Austrália, o piloto soube aproveitar a confusão da primeira volta para fazer o primeiro pódio da carreira. Foi um de quatro que o finlandês somou em 2002 (incluíndo um que soube bem amargo porque chegou a liderar a prova antes de cometer um erro que deixou passar Michael Schumacher) no meio de inúmeros abandonos por problemas de motor.

Apesar de ter ficado atrás do colega experiente David Coulthard, Räikkönen mostrara potencial e 2003 seria um ano decisivo para a sua imagem de futuro campeão. A McLaren projetara um chassis arrojado, o MP4-18, que acabaria por não correr devido à equipa simplesmente não o conseguir fazer funcionar em testes. Assim, Coulthard e Räikkönen tiveram que usar uma versão modificada do carro de 2002, o MP4-17D.

A Ferrari, para surpresa geral, não demonstrou o domínio do ano anterior, apesar de continuar muito rápida. Nas duas primeiras corridas do ano, duas vitórias McLaren (Coulthard na Austrália e Räikkönen com o primeiro triunfo da carreira na Malásia). Apesar de os ingleses não o saberem, foram as únicas vitórias do ano. E no entanto lutaram pelo título mundial. A chave do sucesso foi simples: enquanto Williams e Ferrari dominaram fases da temporada, Räikkönen arrumou Coulthard a um canto e percebeu que consistência absoluta seria a chave para o triunfo. O jovem acumulou sete 2º lugares e falhou os pontos em apenas duas ocasiões para chegar ao GP do Japão com hipóteses de título. Em Suzuka, Rubens Barrichello daria um triunfo vital à Ferrari com Räikkönen em 2º. Schumacher ficou em 8º e levou o 6º título por 2 pontos sobre Räikkönen.

Para tornar a situação mais difícil, o MP4-19 de 2004 era um McLaren que aliava à falta de fiabilidade a falta de velocidade. Nas primeiras 7 corridas do ano, apenas 1 ponto. A estreia da versão B a meio do ano ajudou, dando a Kimi o segundo triunfo da carreira no GP da Bélgica e mais 3 pódios, mas a equipa apostou as suas fichas para 2005.

Os novos regulamentos atiraram a Ferrari para o meio da tabela, mas não foi a McLaren quem melhor aproveitou a brecha. A Renault e Fernando Alonso somaram 5 vitórias nos 7 primeiros GP. Durante o resto do ano, Räikkönen e a McLaren demonstraram ter um pacote melhor, indo à caça do espanhol. Vitórias em Espanha e Mónaco foram ofuscadas por uma falha de pneu a uma volta do fim do GP da Europa quando era líder. Alonso venceu.

O novo colega de equipa do finlandês, Juan-Pablo Montoya, era extremamente cotado mas não foi grande ajuda na primeira metade do ano. Montoya falhou duas corridas por uma lesão a jogar ténis e pareceu não ser capaz de acompanhar o ritmo de Räikkönen depois de regressar, para além de ser inconsistente. Além disso, o motor Mercedes provou ter constantes falhas, a ponto de uma imagem de marca ser Räikkönen a fazer pole mas a partir de 11º devido aos 10 lugares de penalização por troca de motor… Entretanto, Alonso fazia o mesmo que o rival fizera em 2003: pontuar consistentemente no pódio.

O título escaparia novamente, apesar de Räikkönen ter somado 7 vitórias tal como Alonso. Houve ainda mais uma demonstração do ritmo diabólico do finlandês no GP do Japão. Partindo de 17º devido à chuva da qualificação, Kimi fez ultrapassagem a atrás de ultrapassagem com o seu McLaren rapidíssimo e na última volta apanhou o Renault do líder Giancarlo Fisichella. Fisichella defendeu-se, Räikkönen foi para o exterior e passou por fora na primeira curva para triunfar no Grande Prémio.

O ressurgimento da Ferrari para 2006 não augurava nada de bom para a McLaren. Terceira força da temporada inteira, os ingleses acabaram por fazer vários pódios ao longo do ano mas Räikkönen falhou a grande oportunidade que teve de vencer durante o ano, num ensopado Hungaroring, quando chocou com um retardatário.

Com interesse da equipa que sempre quisera representar, a Ferrari, Räikkönen pareceu ter acreditado que se fosse para ser campeão com a McLaren já teria acontecido e assinou pela Ferrari para 2007 por 3 anos com opção de mais um. Quando Schumacher anunciou a sua reforma no GP de Itália, o finlandês inclusive ficou a saber que nem teria que dividir a equipa com o campeão do mundo no ano seguinte.

2007

Sem Schumacher mas a herdar um projeto que quase conquistara os títulos mundiais no ano anterior, Räikkönen carregava grandes expectativas sobre o que a Scuderia poderia fazer, até porque o campeão em título Alonso mudou de equipa para uma McLaren que não fora competitiva em 2006 (e com direito a um estreante como colega de equipa). E na primeira corrida do ano as expectativas foram cumpridas. O piloto finlandês fez pole position, volta mais rápida e dominou a corrida para terminar confortavelmente na frente dos dois McLaren.

Bastou chegar à segunda prova para que o cenário da temporada se complicasse.

No GP da Malásia os McLaren mostraram mais ritmo que na corrida anterior e Alonso colocou-se entre o pole Massa e o terceiro Räikkönen. Pior ainda, os dois McLaren de Alonso e do estreante Lewis Hamilton partiram melhor e colocaram-se nas duas primeiras posições. Massa caçou-os mas começou a impacientar-se. Uma saída de pista do brasileiro deixou Räikkönen em 3º no final de uma corrida em que não teve hipóteses contra os carros prateados.

Seguiram-se dois Grande Prémios em que o colega de equipa, cotado como seu segundo piloto, conseguiu a proeza de dominar e triunfar, sendo que num deles o fez com uma ultrapassagem musculada sobre o bi-campeão Alonso no GP caseiro do espanhol. Räikkönen ainda limitou os estragos com um pódio no primeiro mas abandonou com problemas elétricos no segundo. Hamilton liderava agora o campeonato, mesmo sem vitórias.

Um 16º lugar na qualificação de Monte-Carlo deixou Räikkönen em apuros para a corrida, apesar de uma recuperação até ao ponto final em 8º. Os três rivais ficaram no pódio. Uma corrida caótica seguiu-se no Canadá e na outra prova da América do Norte ocorreu a terceira dobradinha McLaren do ano, com Massa em 3º na frente do colega. Räikkönen, numa temporada em que parecia finalmente fadado a vencer, via-se a com 32 pontos contra os 58 do líder do campeonato (Hamilton na antiga equipa do finlandês). Seriam precisas três corridas sem o rival pontuar para que Räikkönen conseguisse assumir a liderança.

De qualquer forma, era preciso começar a vencer outra vez. Qualificado em 3º para o GP de França, Räikkönen passou Hamilton na primeira curva e começou a perseguir Massa, conseguindo (ao parar duas voltas mais tarde) assumir a liderança que não voltaria a largar. Segunda vitória do ano conquistado, com a terceira ao virar da esquina com mais uma boa decisão de estratégia da Ferrari a ditar o triunfo, desta vez sobre Hamilton. Räikkönen era novamente o melhor Ferrari do campeonato, a 18 pontos de Hamilton.

No GP da Europa do Nürburgring a chuva fez das suas, deixando Räikkonen e Hamilton sem pontos. Dois segundos lugares seguidos na Hungria e Turquia foram conseguidos nas duas provas seguintes, e depois chegou o GP caseiro da Ferrari em Monza, onde Räikkönen ficou em 3º lugar a ver os dois McLaren fazerem uma dobradinha. 18 pontos separavam outra vez o piloto da liderança.

Depois veio o Grande Prémio da Bélgica, onde Räikkönen sempre fora dominante. Uma dobradinha Ferrari com o finlandês na frente deu ânimo à equipa italiana, mas a estreia do circuito de Fuji no calendário duas semanas depois trouxe uma vitória de Hamilton em condições de chuva muito intensa, com Räikkönen a limitar os estragos com o seu 3º lugar.

A matemática do título era agora essencialmente impossível. Com 20 pontos em jogo para as duas corridas finais, o piloto finlandês era o único Ferrari com hipóteses mas a 17 pontos. Na prática, era preciso que os McLaren implodissem (até porque Alonso estava a 12 do colega estreante). A única vantagem do piloto da Ferrari era que o ambiente McLaren estava de cortar à faca: Alonso nunca gostou de ver um rookie a lutar com ele e os dois pilotos tinham acumulado muitos momentos azedos ao longo do ano; e mais importante ainda, a McLaren fora multada em 100 milhões de dólares e desclassificada do mundial de equipas por Mike Coughlan ter sido apanhado em posse de propriedade intelectual do carro da Ferrari desse ano.

A primeira parte do milagre foi conseguida no GP da China. Em condições de pneus intermédios, Räikkönen partiu de 2º à caça de Hamilton em 1º. O finlandês conseguiu passar o rival quando este saiu largo devido ao desgaste dos seus pneus. Depois Hamilton entrou na via das boxes para a sua paragem. E saiu largo, indo para a gravilha de onde não conseguiu retirar o carro. A vitória confortável de Kimi com Alonso em 2º deixou o título a 3 para a última corrida. Mas continuavam a ser 7 pontos de desvantagem em 10 possíveis.

No GP do Brasil a qualificação trouxe uma ordem de partida Massa-Hamilton-Räikkönen-Alonso. O líder do campeonato começou a perder posições, culminando com uma travagem queimada numa disputa com Alonso, que o atirou para 8º. Estava a recuperar posições quando o seu carro ficou inoperacional durante 30 segundos, recusando-se a engatar mudanças. Um reset de Hamilton no volante resolveu o problema mas nessa altura já caíra para 18º. Uma recuperação de prova inteira deixou-o em 7º no final. Apenas uma vitória de Räikkönen ou um 2º de Alonso lhe roubariam o título.

Alonso apenas chegou em 3º, incapaz de dar luta aos Ferrari. Massa liderou o GP de casa com autoridade, mas a Ferrari inverteu os seus carros nas boxes. Vitória no GP do Brasil para Räikkönen que venceu o seu primeiro título mundial de F1 por 1 ponto de vantagem sobre Alonso e Hamilton. 3 vitórias nas 4 corridas finais deram-lhe a improvável matemática necessária para a conquista.

Abandono, regresso, abandono e tudo mais

Com o título conquistado em 2007 e 2 vitórias nas 4 primeiras corridas de 2008, Räikkönen parecia destinado a iniciar uma nova dinastia de Ferrari no campeonato do mundo. Mas daí em diante começou a ficar difícil manter os resultados. Depois do seu título parecia faltar algo à motivação do finlandês, como se a multiplicação de conquistas não fosse por si só suficiente para manter o foco. O colega Massa foi o líder da Ferrari nesse ano, lutando pelo título contra o McLaren de Hamilton. Räikkönen ainda deu um ar de sua graça em Spa-Francorchamps quando lutou taco a taco contra Hamilton mas a prova acabou no muro, e daí em diante foi a vez de Kimi ser segundo piloto.

O título fugiria das mãos de Massa por 1 ponto e 2009 trazia novos regulamentos para o piloto recuperar a inciativa. Só que o Ferrari F60 foi terrível sob todos os prismas e os 3 primeiros GPs nem pontos renderam. Räikkönen fez o primeiro pódio da equipa no Mónaco e viu-se promovido a líder da equipa quando Massa teve um acidente grave na Hungria (que o deixou de fora até ao final do ano). Ainda deu para um triunfo, na Bélgica. Com a Ferrari interessada nos serviços de Alonso para 2010 e Massa com uma boa cotação, Räikkönen via-se empurrado para fora da estrutura apesar de ter mais um ano de contrato.

Não querendo ficar onde não era desejado e não tendo chegado a acordo com a McLaren para um regresso, como colega de equipa de Hamilton, o piloto fez algo de inesperado pelo paddock: aceitou uma indemnização da Scuderia e assinou com a Junior Team da Citroën para 2010. Um primeiro ano ao lado de uma futura lenda do campeonato de rally (Sébastien Ogier) não o ajudou mas ainda conseguiu pontuar e vencer uma etapa (primeiro piloto de F1 a fazê-lo). Em 2011 continuou com um Citroën de entrada privada, pontuando com frequência mas nunca conseguindo parecer dosear bem os riscos. 5º lugar no Rally da Turquia 2010 foi o seu melhor resultado.

Só que faltava algo para a motivação de Räikkönen. Luta em pista. Depois de uma brevíssima incursão na NASCAR em 2011, Räikkönen deu ordens claras aos seus empresários: arranjarem um lugar no grid de 2012 da F1. Negociações foram conduzidas com Lotus e Williams e no final, Kimi assinou com os primeiros por 2 anos.

Com os seus detractores a questionarem a readaptação à F1, o finlandês fez pleno uso do seu talento para regressar aos pódios logo na sua quarta corrida de volta (em que perseguiu o campeão Sebastian Vettel), que foi acompanhado por outro na prova seguinte (o GP de Espanha, circulando o rumor de que estivera em festas durante a maioria das horas entre os dois GP). A Lotus acabaria o ano no 4º lugar dos construtores, com Räikkönen em 3º no de pilotos e a fazer 7 pódios e 1 vitória (em que exclamara “sei o que estou a fazer, deixem-me em paz” quando a equipa tentara dar-lhe informações pelo rádio).

2013 trouxe novo triunfo na primeira prova do ano e a equipa da dupla Räikkönen-Grosjean esteve forte (mais 7 pódios de Kimi), mas haviam problemas graves nos bastidores. Com um salário base baixo mas grandes prémios por pontos, o piloto agravara as contas da equipa em 19 milhões de euros. Isto misturou-se com outros problemas financeiros a ponto de a estrutura correr o risco de falir e Räikkönen ficou com salários em atraso, aumentando as tensões com a equipa.

Luca di Montezemolo, presidente da Fiat que rescindira com Räikkönen em 2009, engoliu o orgulho e propôs um contrato ao finlandês, para substituir o cada vez mais inconsistente Massa. Sem opções de maior relevo, Räikkönen aceitou.

O ano de 2014 seria o de nova alteração dos regulamentos falhada pela equipa italiana e os dois pilotos (Kimi e Alonso) sofreriam com o carro, sem vitórias. Alonso bateu com a porta no final desse ano, sendo substituído pelo 4 vezes campeão Sebastian Vettel. A parceria de Vettel com Räikkönen foi serena, até porque os dois se davam bem desde antes de ser colegas de equipa, mas coincidiu com uma certa perda de velocidade de Räikkönen. Ou, pelo menos, uma demonstração de que já não tinha a idade para não se preparar de acordo com os novos padrões físicos e técnicos da Fórmula 1 (que Vettel cumpria religiosamente).

O resultado foi ter sido sempre o segundo piloto de Vettel durante o período entre 2015 e 2018, procurando ajudar o alemão nas lutas pelo título contra a Mercedes de Hamilton. Em nenhum dos anos foi possível destroná-los e a equipa acabaria por optar por trocar o finlandês pelo novo jovem talento Charles Leclerc, vindo da Sauber. Räikkönen faria a viagem inversa para integrar a sua primeira equipa de F1 nos anos finais de carreira, despedindo-se da Ferrari com uma vitória no GP dos EUA de 2018 (o período de 2013 a 2018 representou a maior distância entre vitórias de um piloto na história da categoria).

Na Sauber (que passou a utilizar o nome Alfa Romeo desde 2019), Räikkönen teve a companhia do estreante Antonio Giovinazzi e a dupla procurou fazer o seu melhor com chassis que simplesmente não estavam à altura. No primeiro ano o finlandês pontuou bem mais do que o italiano (43 contra 14), no segundo empataram (4 contra 4) e neste último ano de 2021 saiu nova vitória interna do finlandês (10 contra 3).

No pelotão do fim, e apenas com material para mostrar o seu talento em certas ocasiões (como no GP de Portugal de 2020 em que passou em pista húmida mais de 10 carros na partida), Räikkönen anunciou a sua reforma, deixando claro que não saía, para já, para ingressar noutras categorias. Queria alguma paz e sossego com a família.

Legado

A mística em redor de Räikkönen excedeu em muito os seus feitos de piloto. Quantos outros campeões de 1 único título mundial podem gozar dos níveis de popularidade do finlandês? Desde a alcunha “Iceman” tatuada no braço até à sua maneira monocórdica de falar (que até os seus compatriotas parecem achar difícil de compreender em certas ocasiões), tudo em Kimi se tornou em imagem de marca.

Isto não impede que se faça um retrato menos risonho. As poucas palavras por vezes não eram mais do que antipatia, a recusa em facultar mais informações (desrespeitosa dadas as funções necessárias a um piloto de competição) e certos episódios da primeira metade da carreira (como não ajudar uma criança fã que caíra) denotam algum mau gosto.

Mas Räikkönen também deixou muito no seu legado da categoria. De 17º a 1º em Suzuka 2005. As pole positions dos GP do Mónaco 2017 e Itália 2018, quando a maioria já lhe apontava falta de motivação ou velocidade. A maneira como correu bem mais do que o carro durante os anos Lotus. A longa estadia na Ferrari, famosa trituradora de pilotos.

No momento de saída Räikkönen parecia aliviado. Foram 19 temporadas de F1 em 21 anos para o piloto que se estreara na F1 como o mais inexperiente estreante da história (Max Verstappen entretanto bateu essa estatística), tornando-o o homem com mais Grande Prémios disputados da categoria (350 GP). Pelo meio houve espaço para 1 título mundial, 21 vitórias, 18 poles, 46 voltas mais rápidas e 103 pódios. E tornar-se uma lenda viva da Fórmula 1.

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Lotus em 1968 – Flash

30 10 2021

Simplifique e torne-o mais leve.

A filosofia de Colin Chapman quanto ao que um carro de competição deveria ser tornou-se uma religião para a marca que o inglês fundou em 1952, a Lotus Engineering Company. À época, a Fórmula 1 era dominada pelas marcas italianas. Só que em 1958, ano em que a Lotus se aventurou pela primeira vez na F1, a situação começou a mudar. Nasciam pelo grid várias estruturas britânicas que, procuravam perturbar o equilíbrio de forças.

O desdém destas não se fez esperar. Pelo facto de geralmente não terem motores próprios, contratando outras marcas para o seu fornecimento, Enzo Ferrari foi quem acabou por deixar a alcunha mais conhecida, garagistas, por não no seu entender estas equipas não passarem de meros mecânicos de garagem em vez de verdadeiros construtores.

Só que Chapman compreendeu muito bem qual a estratégia a utilizar para compensar esta caraterística. Se não era possível desenvolver motores tão potentes quanto os das grandes construtoras, a solução era simples: reduzir drasticamente o peso dos carros (e a sua distribuição) de maneira a baterem-se de igual para igual em cavalos por tonelada. A receita, nascidada de necessidade, provaria ser uma arma poderosa que levou a Lotus a atingir o estrelato do automobilismo mundial, particularmente nos anos 60 e 70.

A grande garagista

Quem acompanhasse de perto a carreira de Colin Chapman poderia observar o seu génio inventivo desde os primeiros passos. Modificando um Austin 7 em 1948, com o qual correu, Chapman fez das dificuldades financeiras inspiração para modificar o seu motor com tal eficácia que as competições em que se inscrevia modificaram as regras para o travar. Na sua 7ª iteração, o “Lotus” (como por razões sem confirmação Chapman chamou à sua marca) fez tanto sucesso que a Caterham ainda hoje fabrica variações suas.

Tendo-se aventurado numa única corrida de F1 como piloto em 1956 com espalhafato (acidentou-se com o colega de equipa Mike Hawthorn num Vanwall), Chapman optou por dedicar as suas atenções à criação de uma equipa de F1 a partir de 1958. Sem resultados acima de 4º lugares com o Lotus 16, Chapman introduziu o 18, que já obteve pódios em 1960, e o 21, que trouxe o primeiro triunfo pelas mãos de Innes Ireland no GP dos EUA 1961.

E foi então que chegou o Lotus 25. Primeiro carro da história da categoria a incorporar o conceito de um chassis monocoque, e pilotado por um jovem escocês filho de pastores chamado Jim Clark, o 25 varreu tudo à sua frente. Se em 1962 alguma natural falta de fiabilidade deixou a equipa com o vice-campeonato, 1963 trouxe 7 vitórias em 10 corridas, dando a Clark o título de pilotos e o de construtores a Chapman. Sem título em 1964, quando a equipa fazia a transição para o Lotus 33, Clark e Chapman voltaram a partilhar momentos de glória em 1965 quando os dois conseguiram somar mais títulos de F1 em conjunção com um triunfo fenomenal nas 500 milhas de Indianápolis.

Tal como a maioria dos domínios da Fórmula 1 também este chegou ao fim com a introdução de novas regras de motor. 1966 foi um ano difícil com os motores da Climax e BRM, mas mesmo assim Clark fez uma vitória. Mas era necessário algo mais para fazer frente aos dominadores Brabham.

1968

A preparação para o 1968 da Lotus começou verdadeiramente em 1967. Antes da temporada começar, Chapman criou um plano de ação para compensar o terreno perdido com os novos motores de 3 litros.

Criando um acordo com a divisão britânica da Ford (que forneceu umas míseras 100 mil libras), a Cosworth foi contratada para pegar num protótipo de um motor de 1,5 litros e 4 cilindros e duplicá-lo, de modo a que fosse transformado num V8 de 3 litros com o nome Ford Cosworth. Do lado do carro propriamente dito, o novo Lotus 49 seria o primeiro F1 com o motor absolutamente integrado no chassis (a ponto de a suspensão, com dois braços [uma invenção Lotus de anos anteriores], estar presa ao próprio motor em vez do carro).

Jim Clark receberia agora a companhia do campeão do mundo de 1962, Graham Hill (atraída da BRM pelo projeto inovador). 1967 foi algo penoso para a equipa, com a natural falta de fiabilidade do novo 49 a testar a paciência de todos os envolvidos. Hill que o diga. com 8 abandonos em 11 tentativas. Clark safou-se melhor: 4 vitórias provaram ser insuficientes para melhor que 3º no campeonato, quando o carro claramente tinha um ritmo excelente mas com numerosas falhas (várias vitórias perdidas em locais como Spa ou Monza, por exemplo).

Mas para 1968 a conversa era outra. Na primeira prova, o GP da África do Sul, a Lotus ficou com uma dobradinha em mãos, com vitória de Clark e Hill a segui-lo. O triunfo tornou Clark, na época, o piloto com mais vitórias na história da F1 (25). Deveria ter sido o ano de consagração completa do escocês. Mas uma participação numa prova de F2 em Hockenheim acabou com Clark a sair de pista e em direção à floresta, provocando-lhe ferimentos mortais.

A Lotus dependia agora de Hill para caçar o título, tendo perdido a sua grande referência. Foi o final de uma era também por motivos menos trágicos: tendo corrido, tal como a tradição de automobilismo o mandava, com as cores de competição do seu país (verde) a equipa aceitou um patrocínio da tabaqueira Gold Leaf a partir da segunda corrida do ano. Os carros passaram a correr com o vermelho da Gold Leaf, numa decisão que ditou o início dos grandes patrocinadores tabagistas na F1.

Hill começou bem a sua nova campanha, com vitórias nos GPs seguintes em Espanha e Mónaco. O substituto de Clark, Jackie Oliver, não estava ainda familiarizado com o monolugar e acabaria por não ser de tão grande ajuda ao colega de equipa. Hill teve de seguida 4 corridas consecutivas sem pontuar enquanto um novo talento acumulava pontos e vitórias: Jackie Stewart ao volante de um Matra. No GP do Reino Unido foi um Lotus a vencer, só que de uma equipa cliente (a Rob Walker com Jo Siffert ao volante).

A pontuação ainda se aproximou entre Hill e Stewart, mas o motor de Stewart cederia na corrida final no México, o que deixou a vitória e o título nas mãos de um magistral Hill, que triunfou. A parceria Lotus-Ford funcionara, mas na temporada de 1969 acabava a exclusividade contratual da equipa: alguns anos depois, o Ford Cosworth era tão universalmente adorado pela sua potência e baixo custo, que o todo o grid com exceção da Ferrari os tinha.

Da pintura JPS até aos remakes baratos

Chapman não era projetista para se sentar na sombra dos seus feitos. O Lotus 49 fora o primeiro F1 a testar seriamente os apêndices aerodinâmicos que dominariam as atenções da categoria nas décadas seguintes. Infelizmente, a equipa começou a ganhar a reputação de produzir carros rápidos mas muito frágeis ao perseguir performance pura. Não por acaso, Jochen Rindt tornou-se um campeão do mundo pela equipa em 1970 a título póstumo (o seu domínio fora tal que Jacky Ickx da Ferrari não o conseguira apanhar nas 3 provas que faltavam).

No final dos anos 70 a Lotus foi a pioneira do “efeito solo”, uma técnica de aerodinâmica idealizada por Chapman que fazia uso de diferenças de pressão para tornar os seus carros bem colados ao chão nas curvas rápidas, o que valeu um título dominador em 1978 com Mario Andretti. Mais uma vez, os perigos de falta de segurança das “saias” (que mantinham a pressão) acabaram por ditar a sua proibição. A última grande inovação de Chapman foi com o Lotus 88 em 1981, quando o britânico idealizou um carro com dois chassis (de modo a permitir menos desgaste ao piloto, que ficava no chassis mais “suave”; e mantendo a necessário rigidez para as peças aerodinâmicas funcionarem convenientemente no outro). O 88 chegou a passar verificações técnicas mas nunca correu: as outras equipas protestaram e foi banido.

A morte do carismático Chapman por ataque cardíaco com apenas 54 anos em 1982 ditou o início do fim de um ciclo. Até ao final dos anos 80 a equipa, agora com uma pintura preta e dourada de outra tabaqueira, a JPS, triunfou com grandes nomes da história da categoria (Elio de Angelis, Nigel Mansell, Ayrton Senna,…). Entre 1988 e 1994, o último ano de atividade, a equipa acabaria por definhar até ser reduzida a uma mera estrutura que aceitava qualquer piloto pagante.

Quando em 2010 a FIA abriu um processo de entrada de novas equipas no campeonato, uma estrutura malaia do empresário Tony Fernandes candidatou-se e adquiriu os direitos do antigo nome da estrutura (Team Lotus) e correu sob essa designação em 2010 e 2011, altura em que entrou em litígio com a Lotus Cars (construtora automóvel criada por Chapman que sobrevivera até aos nossos dias) sobre a utilização do nome Lotus. Para piorar a situação, a Lotus Cars adquiriu participações na equipa de F1 da Renault e patrocinou-a, criando o insólito episódio de duas Lotus no grid

Acabaria por ser a Lotus Cars a manter o nome (a outra equipa passou a usar o nome Caterham), mas na verdade nenhuma das duas tinha mais pequena ligação à estrutura que galvanizara a F1 nos anos 60 e 70. Aliás, a Lotus que durou entre 2012 e 2015 (quando a Renault recomprou a estrutura) nem parecia saber em que legado se apoiar: em vez de 7 estrelas pelos títulos Lotus, tinha 3 a adornar o carro porque se referia aos títulos da estrutura de Enstone (que triunfara no campeonato nos seus tempos de Benetton e Renault)…

Legado

Tentar traçar uma reputação à Lotus no automobilismo pode parecer fácil. Basta pensar em Jim Clark a conduzir de forma brilhante os seus monolugares até vitória após vitória. Mas também significa recordar a forma triste como este faleceu a pilotar um dos chassis da marca britânica. Significa recordar Jochen Rindt, tanto pelo seu domínio em 1970 como pela insistência de Chapman em que o austríaco guiasse sem asas naquele fatídico Grande Prémio de Itália de 1970.

Há também as memórias amargas dos anos finais de vida de Chapman, envolvido em sérios problemas legais pela sua aventura de negócios com John DeLorean (a ponto de o juiz ter opinado que poderia ter apanhado 10 anos de prisão) e com caricatos rumores de que meramente fingira a sua morte para fugir para o Brasil.

Um facto permanece: durante décadas a Lotus foi detentora de numerosos recordes de Fórmula 1 e, mesmo nos dias de hoje, apenas as antiquíssimas Ferrari, McLaren e Williams a bateram nesse quesito (acompanhadas agora, graças ao seu domínio da década de 2010, pela Mercedes). De verde e amarelo, vermelho e branco, ou de preto e dourado, a Lotus tornou-se sinónima de sucesso nos anos iniciais da história da categoria, não sendo por acaso que se assista até tempos recentes de lutas pelos direitos de utilização do seu nome.

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“Flash” anterior: GP Suécia em 1978

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Fontes:
– HILL, Tim; THOMAS, Gareth. The Encyclopedia of Formula 1. Parragon (2012).
– LAMBDEN, Chris. Formula 1 Flashpoints. Wilkinson (2014).
Classic Team Lotus \ Anos 60
Lotus Cars \ Filosofia Lotus
Motorsport \ Jim Clark
TCCT \ Colin Chapman
Wikipedia \ Colin Chapman