A temporada de 2009 da Fórmula 1 é recordada com frequência como o ano do milagroso campeonato da Brawn GP, pelo terrível início de campeonato da Ferrari e McLaren, pela primeira vitória da Red Bull, o incrível primeiro pódio da Force India e várias outras ocorrências. Mas muitas vezes é subestimado o impacto que a política de bastidores da categoria, misturada com a crise financeira internacional, teve no desenrolar dos acontecimentos que moldariam os anos seguintes.
Um desses acontecimentos foi o conflito entre as equipas e a FIA, que culminou em numerosas ameaças de criação de uma categoria paralela. O principal motivo (mas muito longe de ser o único) foi a tentativa de Max Mosley em implementar um tecto orçamental tão reduzido que nem as pequenas equipas estavam em posição de aceitar. Procurando pressionar a posição das equipas existentes, a FIA concentrou-se em incorporar várias novas estruturas na F1 com promessas de que a “aventura” custaria muito pouco.
Os candidatos multiplicaram-se e a FIA aceitou vários, mas quando o inevitável aconteceu, e as equipas estabelecidas conseguiram a capitulação de Mosley, as equipas novas tiveram que lidar com a necessidade imprevista de angariarem fundos que nunca pensaram necessitar. Estruturas como a que estreou em 2010, sob o nome HRT.
Em plena guerra FIA – FOTA
Mesmo com as tensões atuais entre as equipas e os interessados em juntarem-se à grelha de partida nos próximos anos, nada se compara com as tensões que 2008-09 tinha no seu seio. As divisões eram claras, com as equipas e a FOM a sentirem-se ameaçadas pela maneira como a FIA de Max Mosley se tinha vindo a comportar nos anos anteriores.
Com uma crise financeira a varrer o mundo e as marcas a começaram a reequacionar o seu envolvimento na F1, Mosley, tal como já fizera antes com o tema da segurança nos anos 90, decidiu optar por soluções radicais para implementar medidas de contenção de custos. Sem negociar com os envolvidos, procurou implementar um tecto orçamental de €30 milhões quando nem as mais pequenas estruturas escapavam a ter orçamentos anuais de 100 milhões.
Quando as equipas recusaram assinar um novo Pacto de Concórdia nestes termos, Mosley abriu um concurso para novas equipas. Deixando claro que mesmo as estabelecidas estruturas teriam que concorrer, o Presidente da FIA conseguiu a proeza de alienar 8 das 10 estruturas, que se recusaram (Williams, devido a estar com a FIA na F2, e a Force India, por força de dívidas à federação, permaneceram “leais”).
Organizadas desde 2008 na FOTA (Formula One Team’s Association), procurando eliminar Mosley desde o escândalo envolvendo prostitutas do inglês, e com uma McLaren traumatizada pela multa milionária de 2007 por espionagem, as equipas juntaram-se a Bernie Ecclestone e começaram procedimentos para a formação do seu próprio campeonato.
As novas estruturas candidataram-se, várias com muito pouca seriedade (algo que a FIA ignorou, necessitando de quantidade e não qualidade), uma delas a ser a Campos. Ex-piloto de F1, Adrián Campos formara uma competente equipa de fórmulas inferiores e procurou dar o salto, formando a primeira equipa espanhola da F1. E, quando as equipas venceram o seu braço de ferro com a Federação (com o fim da conversa sobre tecto e a promessa de Mosley em não ir a eleições em 2009), foi inteligente o suficiente para perceber que a aventura iria terminar mal e procurou vender a estrutura que entretanto fora nomeada para estrear em 2010.
Com orçamentos preparados para 30 milhões, as novas equipas teriam vida negra contra até a mais fraca das equipas estabelecidas.
2010
Anunciando Bruno Senna como piloto para 2010, a equipa continuou a preparar-se mas as dúvidas sobre a presença sequer nos testes de pré-temporada. A Campos correria com chassis construídos por encomenda da Dallara e com motores Cosworth (única marca aceite pela FIA, oficiosamente). Já corria o mês de Fevereiro quando o acionista José Ramón Carabante anunciou que tomara conta da equipa, renomeou-a para Hispania Racing Team (uma das suas empresas era o Grupo Hispania), anunciou Karun Chandhok para o segundo carro (outro estreante endinheirado como Senna), contrataram Colin Kolles para gerir a estrutura e mudaram de instalações (de Madrid para Murcia).
Sem testes, a equipa chegou à primeira prova no Bahrain e correu tão bem quanto seria de esperar. O F110 deu apenas 17 voltas com Senna antes de sair de pista com uma roda solta. Chandhok nem correu, com a caixa de velocidades a não querer funcionar. Em qualificação, com 24 carros, a HRT ficou em 23ª e 24ª. Senna, o melhor dos dois, ficou a 8 segundos da pole. Chandhok ficou a 1,7 segundos do brasileiro. Na corrida duraram 18 voltas.
As outras estreantes (Lotus e Virgin) também não estavam muito à frente, provando que o processo da FIA fora muito mal conduzido (isto já nem falando da USF1, que nem estreou).
A Austrália viu um dos carros finalmente acabar e na Malásia acabaram ambos, mas o verdadeiro problema estava apenas a começar: como arranjar dinheiro para terminar a temporada. No fundo da grelha, a HRT atraiu pagantes de onde pôde, correndo em certas corridas com Senna e Chandhok em favor de Sakon Yamamoto e Christian Klien.
Ironicamente, três 14º lugares significaram que a equipa conseguiu evitar ser a última classificada: ficaram em 11º de 12 equipas, batendo uma das outras estreantes (Virgin).
O sonho espanhol e a realidade
A preparação para 2011 não correu muito melhor.
Houve direito a uma rescisão de contrato com a Dallara, que os espanhóis culpavam pelo mau carro; houve um acordo tentativo com a Toyota para fazer uso do carro nunca usado dos japoneses como base para o HRT de 2011, mas a construtora rescindiu quando devido a uma alegada falta de pagamentos; abandonou a FOTA por achar que não protegiam os interesses das pequenas equipas (mas terá sido também por não pagar as quotas)…
O resultado foi um ano em que entregaram um carro ao muito pouco cotado e inexperiente Narain Karthikeyan e outro a Vitantonio Liuzzi. O modelo de 2011 falhou a qualificação na primeira corrida mas não voltou a ter esse problema em nenhuma das restantes provas. Do Reino Unido em diante, Karthikeyan até deu lugar a Daniel Ricciardo para a estreia do australiano com dinheiro Red Bull. Tudo num carro que não só não tinha patrocinadores de relevo, como ainda tinha etiquetas a dizer “este podia ser o seu nome” nos sidepods…
2012 viu a chegada da Thesan Capital de Madrid como novos danos, bem como a promessa de continuar a apostar em talento espanhol. Pedro de la Rosa foi repescado de piloto de testes da McLaren para titular do projeto, com vista a uma eventual participação como chefe de equipa quando se reformasse. Karthikeyan e o seu dinheiro indiano foram mantidos.
Mas já era demasiado tarde. A estrutura foi colocada à venda depois de ter ficado no último lugar e quando um comprador não se materializou só restou fechar as portas e liquidar os bens.
Legado
É fácil identificar os culpados pela volatilidade das 3 equipas que entraram no campeonato de F1 em 2010, e nenhum deles foi qualquer uma das equipas que se candidatou à entrada. Com um processo de enorme falta de profissionalismo para selecionar as estruturas, fruto de uma guerra aberta entre as equipas e a FIA, que quase ditou o fim da F1.
Remando contra a maré nos seus 3 anos de existência, a equipa espanhola tentou manter a cabeça à tona, conseguindo a proeza de não ser a última classificada em 2 deles (demonstrando tanto a aptidão da equipa em sobrev
sobreviver como a inaptidão total da Virgin para qualquer tarefa de automobilismo).
Segundo o seu último piloto, Pedro de la Rosa, a HRT também serviu um propósito inesperado: lançou para o mercado da categoria diversos compatriotas seus a nível de engenheiros e mecânicos, que acabaram por encontrar espaço nas outras estruturas do paddock, sendo que sem a HRT nunca teriam conseguido lá chegar.
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“Flash” anterior: Sebastian Vettel em 2017
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Fontes:
– Drive to Survive \ Pedro de la Rosa