HRT em 2010 – Flash

19 08 2023

A temporada de 2009 da Fórmula 1 é recordada com frequência como o ano do milagroso campeonato da Brawn GP, pelo terrível início de campeonato da Ferrari e McLaren, pela primeira vitória da Red Bull, o incrível primeiro pódio da Force India e várias outras ocorrências. Mas muitas vezes é subestimado o impacto que a política de bastidores da categoria, misturada com a crise financeira internacional, teve no desenrolar dos acontecimentos que moldariam os anos seguintes.

Um desses acontecimentos foi o conflito entre as equipas e a FIA, que culminou em numerosas ameaças de criação de uma categoria paralela. O principal motivo (mas muito longe de ser o único) foi a tentativa de Max Mosley em implementar um tecto orçamental tão reduzido que nem as pequenas equipas estavam em posição de aceitar. Procurando pressionar a posição das equipas existentes, a FIA concentrou-se em incorporar várias novas estruturas na F1 com promessas de que a “aventura” custaria muito pouco.

Os candidatos multiplicaram-se e a FIA aceitou vários, mas quando o inevitável aconteceu, e as equipas estabelecidas conseguiram a capitulação de Mosley, as equipas novas tiveram que lidar com a necessidade imprevista de angariarem fundos que nunca pensaram necessitar. Estruturas como a que estreou em 2010, sob o nome HRT.

Em plena guerra FIA – FOTA

Mesmo com as tensões atuais entre as equipas e os interessados em juntarem-se à grelha de partida nos próximos anos, nada se compara com as tensões que 2008-09 tinha no seu seio. As divisões eram claras, com as equipas e a FOM a sentirem-se ameaçadas pela maneira como a FIA de Max Mosley se tinha vindo a comportar nos anos anteriores.

Com uma crise financeira a varrer o mundo e as marcas a começaram a reequacionar o seu envolvimento na F1, Mosley, tal como já fizera antes com o tema da segurança nos anos 90, decidiu optar por soluções radicais para implementar medidas de contenção de custos. Sem negociar com os envolvidos, procurou implementar um tecto orçamental de €30 milhões quando nem as mais pequenas estruturas escapavam a ter orçamentos anuais de 100 milhões.

Quando as equipas recusaram assinar um novo Pacto de Concórdia nestes termos, Mosley abriu um concurso para novas equipas. Deixando claro que mesmo as estabelecidas estruturas teriam que concorrer, o Presidente da FIA conseguiu a proeza de alienar 8 das 10 estruturas, que se recusaram (Williams, devido a estar com a FIA na F2, e a Force India, por força de dívidas à federação, permaneceram “leais”).

Organizadas desde 2008 na FOTA (Formula One Team’s Association), procurando eliminar Mosley desde o escândalo envolvendo prostitutas do inglês, e com uma McLaren traumatizada pela multa milionária de 2007 por espionagem, as equipas juntaram-se a Bernie Ecclestone e começaram procedimentos para a formação do seu próprio campeonato.

As novas estruturas candidataram-se, várias com muito pouca seriedade (algo que a FIA ignorou, necessitando de quantidade e não qualidade), uma delas a ser a Campos. Ex-piloto de F1, Adrián Campos formara uma competente equipa de fórmulas inferiores e procurou dar o salto, formando a primeira equipa espanhola da F1. E, quando as equipas venceram o seu braço de ferro com a Federação (com o fim da conversa sobre tecto e a promessa de Mosley em não ir a eleições em 2009), foi inteligente o suficiente para perceber que a aventura iria terminar mal e procurou vender a estrutura que entretanto fora nomeada para estrear em 2010.

Com orçamentos preparados para 30 milhões, as novas equipas teriam vida negra contra até a mais fraca das equipas estabelecidas.

2010

Anunciando Bruno Senna como piloto para 2010, a equipa continuou a preparar-se mas as dúvidas sobre a presença sequer nos testes de pré-temporada. A Campos correria com chassis construídos por encomenda da Dallara e com motores Cosworth (única marca aceite pela FIA, oficiosamente). Já corria o mês de Fevereiro quando o acionista José Ramón Carabante anunciou que tomara conta da equipa, renomeou-a para Hispania Racing Team (uma das suas empresas era o Grupo Hispania), anunciou Karun Chandhok para o segundo carro (outro estreante endinheirado como Senna), contrataram Colin Kolles para gerir a estrutura e mudaram de instalações (de Madrid para Murcia).

Sem testes, a equipa chegou à primeira prova no Bahrain e correu tão bem quanto seria de esperar. O F110 deu apenas 17 voltas com Senna antes de sair de pista com uma roda solta. Chandhok nem correu, com a caixa de velocidades a não querer funcionar. Em qualificação, com 24 carros, a HRT ficou em 23ª e 24ª. Senna, o melhor dos dois, ficou a 8 segundos da pole. Chandhok ficou a 1,7 segundos do brasileiro. Na corrida duraram 18 voltas.

As outras estreantes (Lotus e Virgin) também não estavam muito à frente, provando que o processo da FIA fora muito mal conduzido (isto já nem falando da USF1, que nem estreou).

A Austrália viu um dos carros finalmente acabar e na Malásia acabaram ambos, mas o verdadeiro problema estava apenas a começar: como arranjar dinheiro para terminar a temporada. No fundo da grelha, a HRT atraiu pagantes de onde pôde, correndo em certas corridas com Senna e Chandhok em favor de Sakon Yamamoto e Christian Klien.

Ironicamente, três 14º lugares significaram que a equipa conseguiu evitar ser a última classificada: ficaram em 11º de 12 equipas, batendo uma das outras estreantes (Virgin).

O sonho espanhol e a realidade

A preparação para 2011 não correu muito melhor.

Houve direito a uma rescisão de contrato com a Dallara, que os espanhóis culpavam pelo mau carro; houve um acordo tentativo com a Toyota para fazer uso do carro nunca usado dos japoneses como base para o HRT de 2011, mas a construtora rescindiu quando devido a uma alegada falta de pagamentos; abandonou a FOTA por achar que não protegiam os interesses das pequenas equipas (mas terá sido também por não pagar as quotas)…

O resultado foi um ano em que entregaram um carro ao muito pouco cotado e inexperiente Narain Karthikeyan e outro a Vitantonio Liuzzi. O modelo de 2011 falhou a qualificação na primeira corrida mas não voltou a ter esse problema em nenhuma das restantes provas. Do Reino Unido em diante, Karthikeyan até deu lugar a Daniel Ricciardo para a estreia do australiano com dinheiro Red Bull. Tudo num carro que não só não tinha patrocinadores de relevo, como ainda tinha etiquetas a dizer “este podia ser o seu nome” nos sidepods

2012 viu a chegada da Thesan Capital de Madrid como novos danos, bem como a promessa de continuar a apostar em talento espanhol. Pedro de la Rosa foi repescado de piloto de testes da McLaren para titular do projeto, com vista a uma eventual participação como chefe de equipa quando se reformasse. Karthikeyan e o seu dinheiro indiano foram mantidos.

Mas já era demasiado tarde. A estrutura foi colocada à venda depois de ter ficado no último lugar e quando um comprador não se materializou só restou fechar as portas e liquidar os bens.

Legado

É fácil identificar os culpados pela volatilidade das 3 equipas que entraram no campeonato de F1 em 2010, e nenhum deles foi qualquer uma das equipas que se candidatou à entrada. Com um processo de enorme falta de profissionalismo para selecionar as estruturas, fruto de uma guerra aberta entre as equipas e a FIA, que quase ditou o fim da F1.

Remando contra a maré nos seus 3 anos de existência, a equipa espanhola tentou manter a cabeça à tona, conseguindo a proeza de não ser a última classificada em 2 deles (demonstrando tanto a aptidão da equipa em sobrev

sobreviver como a inaptidão total da Virgin para qualquer tarefa de automobilismo).

Segundo o seu último piloto, Pedro de la Rosa, a HRT também serviu um propósito inesperado: lançou para o mercado da categoria diversos compatriotas seus a nível de engenheiros e mecânicos, que acabaram por encontrar espaço nas outras estruturas do paddock, sendo que sem a HRT nunca teriam conseguido lá chegar.

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“Flash” anterior: Sebastian Vettel em 2017

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Fontes:
Drive to Survive \ Pedro de la Rosa





Sebastian Vettel em 2017 – Flash

11 06 2023

Desde a primeira corrida do ano que um pensamento tem percorrido a generalidade dos fãs: como se sentirá Sebastian Vettel a ver a temporada de 2023, com a mesma Aston Martin com que o alemão nem conseguiu ir além do Q3 na primeira corrida do seu ano em 2022 e que agora está regularmente na luta por pódios.

Apesar de tudo, o abandono de Vettel no final do ano passado teve a ver com muito mais do que apenas a má forma da sua equipa. Há muito que se especulava que o mais jovem quadri-campeão da história da Fórmula 1 estaria a perder o entusiasmo pela categoria, particularmente dos anos finais na Ferrari em diante.

Vettel, estreante na F1 aos 18 anos, teve uma ascensão meteórica ao serviço das marcas da Red Bull antes de procurar a sua independência na Ferrari. Poucos anos terão havido tão interessantes para estudar como a primeira luta pelo título que o piloto teve enquanto piloto Ferrari…

De crash kid até aos 4 títulos mundiais

Oriundo de uma pequena localidade alemã, Heppenheim, Vettel passou a sua juventude a ver o domínio do primeiro campeão do mundo alemão de F1, Michael Schumacher. Tendo ganho uma competição no kartódromo do campeão quando era criança (com a correspondente foto que já circulou livremente pelas redes sociais), Vettel começou bem cedo a guiar karts (3 anos) e não demorou a vencer várias provas e a chamar a atenção de uma estrutura ainda algo desconhecida: a Red Bull Junior Team em 1998.

Longe dos seus tempos presentes de talentos abundantes, Helmut Marko (manda-chuva da Red Bull Junior Team) percebeu desde bem cedo o diamante em bruto que tinha em mãos, à medida que Vettel vencia títulos de kart e Fórmula BMW. Em 2005, o alemão foi estreante do ano na F3 Europeia com um 5º lugar na classificação final, altura em que Marko chegou a pressionar o piloto por “só” ter conseguido esse resultado.

Mas as portas da F1 começavam a abrir, com a BMW Sauber a contratá-lo por “empréstimo” da Red Bull, e 2006 trouxe-lhe um vice-campeonato de F3 e a multa mais rápida de sempre da F1 quando testou o BMW em Istambul (demorou 6 segundos em pista antes de exceder a velocidade nas boxes). Em 2007 foi promovido para a Fórmula Renault 3.5, onde chegou a vencer mas não chegou a completar mais que metade da temporada porque um acidente de Robert Kubica no GP do Canadá deixou a BMW com necessidade de promover Vettel para o substituir no GP dos EUA da semana seguinte.

De babete oferecido por Mario Theissen, em referência aos 18 anos de Vettel, o piloto mostrou um nível de competência inesperado em Indianápolis, considerando a inexperiência: qualificou-se a apenas duas posições do colega Nick Heidfeld e terminou a prova em 8º para amealhar um ponto na estreia. Foi só uma ronda de BMW mas não foi preciso esperar muito para ter um lugar full time na categoria.

Agastada pela inconsistência e temperamento de Scott Speed, a Toro Rosso (segunda equipa da Red Bull) chamou Vettel para o lugar do americano (que terá até andado à pancada com Franz Tost, chefe da equipa) até ao fim do ano. O início foi algo lento, com direito a uma embaraçosa eliminação do seu carro e do Red Bull de Mark Webber na chuva atrás do Safety Car no GP do Japão. Só que na prova imediatamente a seguir, também com piso molhado, na China o alemão conseguiu um brilhante 4º lugar na frente do experiente colega Vitantonio Liuzzi. Foi o fim de Liuzzi na Red Bull e a manutenção garantida de Vettel para 2008.

Com um motor Ferrari competitivo e sem pontos relevantes do estreante Sébastien Bourdais, a Toro Rosso viu Vettel acumular pontos com uma consistência inacreditável depois da estreia do carro B, recebendo a notícia de que seria promovido à equipa principal Red Bull em 2009. Num circuito de Monza ensopado no final do ano, Vettel fez uma inacreditável pole position seguida de uma ainda mais inacreditável corrida de controlo absoluto que lhe valeu a primeira vitória na F1. Só à conta de Vettel, a Toro Rosso (pela primeira e única vez na história) terminou na frente da equipa principal.

Temia-se um desperdício dos talentos de Vettel numa Red Bull no meio da tabela, mas 2009 trouxe um regulamento totalmente diferente e a marca austríaca estava decidida a acertar em cheio com o seu design de Adrian Newey. Desde os primeiros momentos se percebeu que o RB5 era uma máquina capaz de lutar pelos lugares cimeiros. Só que o Brawn BGP001 era imbatível. Isso não impediu Vettel de voltar a brilhar em piso molhado e a vencer o GP da China (primeira vitória Red Bull), antes de aproveitar a quebra de forma da Brawn na segunda metade do ano para lançar-se numa perseguição ao título. Já era tarde demais, mas ainda deu para um vice-campeonato e mais 3 vitórias.

Depois do ano de dificuldades de McLaren e Ferrari, esperava-se que a recuperação destas equipas dificultasse a vida à Red Bull para 2010, mas os austríacos provaram estar à altura do desafio. A primeira corrida do ano parecia ser de Vettel mas problemas mecânicos viram-no cair para 4º. A primeira vitória chegaria na Malásia, mas depois algo inesperado sucedeu: pela primeira vez na carreira, um colega de equipa sobrepunha-se ao alemão. Webber, o mesmo do incidente japonês, venceu de igual para igual Vettel na Espanha e no Mónaco. No GP da Turquia, o primeiro flashpoint: os dois Red Bull bateram quando circulavam em 1º e 2º, entregando uma dobradinha de bandeja à McLaren.

Pela primeira vez com um duelo interno pelo título, a Red Bull não geriu da melhor forma o conflito. Quando Vettel partiu um de duas asa novas em Silverstone, recebeu a de Webber, perante a fúria do australiano na imprensa. Na partida, Webber foi impiedoso, dando um “chega para lá” na partida a Vettel, triunfando e deixando o alemão em 7º. Vettel tentava compôr a sua temporada, mas não foi ajudado por um erro básico no GP da Bélgica em que eliminou-se a si e a Jenson Button de prova, levando Button a apelidá-lo de “crash kid“.

O título estava cada vez mais distante, mas o piloto não desistiu. As 5 rondas finais foram fundamentais. Em Singapura terminou em 2º, sempre colado a Fernando Alonso (líder do campeonato). No Japão uma vitória imperial. Na Coreia do Sul liderava uma prova caótica quando o motor estoirou. No Brasil, nova vitória. E outra na última corrida do ano em Abu Dhabi. Depois de cruzar a linha, o engenheiro de pista pediu-lhe para esperar a chegada dos restantes. Os astros alinharam-se. Por 4 pontos, Vettel era agora o mais jovem campeão do mundo da história.

2011 não trouxe nenhuma das dificuldades de 2010, foi o domínio absoluto. Assim como em 2013. Apenas em 2012 foi necessário ver Vettel em modo de ataque máximo, lutando com Alonso até à última corrida do ano (onde foi atirado para último e recuperou até 6º, o suficiente para o título). Mas as alterações das regras de 2014 e a chegada de Daniel Ricciardo à equipa deixaram Vettel com 0 vitórias e um ano muito decepcionante. Aproveitando uma cláusula de performance do contrato com a Red Bull, o piloto optou por abandonar o casúlo da marca onde estava desde 1998 e rumou para a aventura de seguir as pisadas do herói Michael Schumacher, rumando para a Ferrari para vencer de vermelho.

2017

As primeiras duas temporadas de Vettel na Scuderia foram de sentimentos mistos. 2015 e 2016 foram anos de domínio Mercedes novamente, mas o piloto ainda teve um brilharete emocionante na Malásia 2015 quando venceu apenas a segunda prova pelos italianos. O verdadeiro teste à competência da estrutura apenas viria em 2017. Os regulamentos aerodinâmicos teriam uma alteração radical, com o aumento de tamanho das asas e a Ferrari estava a apostar tudo para regressar à disputa do título.

Na primeira qualificação do ano, até foi Lewis Hamilton quem liderou pela Mercedes mas Sebastian Vettel mostrava que a pré-temporada da Ferrari não tinha sido só um bluff. Alinhou a partir de 2º e. jogando muito bem com o momento de paragens nas boxes para passar Hamilton e inflingir à Mercedes a sua primeira derrota na prova inaugural em 3 anos.

Daí até ao GP de Espanha assistiu-se a dois multi-campeões de F1 a darem o tudo por tudo e a somarem vitórias à vez, ainda que com a ligeira impressão de que a vantagem da Mercedes ainda estaria marginalmente presente. Só que depois veio o GP do Mónaco, Hamilton teve um fim-de-semana para esquecer e Vettel venceu com uma ajuda da Ferrari, que parou o colega Kimi Räikkönen mais cedo. 25 pontos de vantagem davam uma certa margem de segurança e de potencial para um azedar de relações.

Chegou o dia do GP do Azerbaijão. Hamilton liderava Vettel durante um Safety Car, a penúltima curva aproximou-se e o Ferrari bateu na traseira do Mercedes. Os estragos nem eram grandes para nenhum dos dois, mas inesperadamente Vettel avançou para ao lado do rival e acertou-lhe roda com roda, pedindo satisfações. Vettel teve alguma sorte com o desfecho: um stop & go de 10 segundos foi-lhe dado para evitar a bandeira preta e Hamilton teve problemas com o encosto da cabeça, deixando-o atrás do alemão na corrida.

Mas era inegável que se tornara uma disputa mais pessoal. Quando um furo afetou Vettel em Silverstone, o público britânico rejubilou. E entretanto a margem no campeonato já tinha reduzido para 1 ponto.

Vettel recompôs um pouco as contas na corrida seguinte, em Budapeste, mas a maneira como a Ferrari conseguiria manter o ritmo de atualizações face à Mercedes ia ser fundamental. Chegou o GP da Bélgica, Vettel perdeu o duelo a 2 com Hamilton. Em Itália, na casa da Scuderia, foi uma dobradinha Mercedes. E depois Singapura, quando Vettel, Räikkönen e Max Verstappen tiveram um acidente perfeitamente evitável em que se eliminaram uns aos outros. Hamilton, a sair de 5º numa pista em que ultrapassar é quase impossível, estava em 1º ao fim da primeira volta e não saiu de lá. A desvantagem de 25 pontos era agora uma vantagem de 28 pontos sobre Vettel.

Era o momento de manter a calma e apostar em performance, mas foram 3 derrotas seguidas nas provas que faltavam. Vettel parecia mais inseguro e a Mercedes cada vez mais confortável. A 2 provas do fim, mesmo com (mais um) acidente entre Vettel e Hamilton, o britânico venceu o campeonato no México com um 9º lugar. Nem uma vitória de Vettel no Brasil salvou a honra.

Ainda assim, havia a esperança de que, tendo ameaçado de tal forma o domínio estabelecido da Mercedes, o ano seguinte seria o de um assalto renovado ao título.

O divórcio com a Scuderia e o refúgio temporário

E o assalto renovado veio com a força toda. Vettel triunfou nas primeiras duas provas do ano, conseguindo inclusive vencer no Canadá e no Reino Unido, geralmente territórios da Mercedes nos anos anteriores. Também houve espaço para “O” episódio mais marcante do final da carreira do alemão, quando Vettel liderava o GP da Alemanha em casa em piso molhado e perdeu o controlo do seu carro sozinho. O esmurrar de volante e gritos na rádio que se seguiram acabaram por ensombrar o ano.

Ainda houve espaço para uma vitória em luta direta com Hamilton em Spa, mas o que todos se recordam foram os múltiplos piões no final do ano que levaram a Mercedes a calmamente reconquistar ambos os títulos. A Ferrari tomou uma decisão incaracteristicamente resoluta e removeu o escudeiro Kimi Räikkönen para promover o agressivo e estreante de 2018 Charles Leclerc. Não demorou muito para se fazer sentir a pressão que Vettel sentia face aos ataques de Leclerc, ainda por cima com um novo chefe na Ferrari, Mattia Binotto, e o fim do contrato em 2020 a aproximar-se.

Foi um ano difícil. Leclerc quase venceu a sua segunda prova Ferrari, deixando Vettel para trás. Leclerc acabaria mesmo por vencer na Bélgica e, crucialmente, em Itália, enquanto Vettel venceu em Singapura com alguma ajuda da estratégia. Depois chegou o embate no Brasil, que eliminou ambos. Binotto, a braços com uma controvérsia do consumo do motor Ferrari, precisava de escolher um deles para liderar a equipa nos anos seguintes. Escolheu Leclerc, deixando o contrato de Vettel acabar até final de 2020.

Chegou-se a ponderar a saída da F1 para o 4 vezes campeão do mundo, mas foi na nova Aston Martin (ex-Force India) que ele acabou por pousar. O alemão dominou facilmente Lance Stroll e fez o primeiro pódio da marca na F1, só que, quando a Aston falhou o acerto dos novos regulamentos em 2022, e deu por si a lutar por pequenos pontos, decidiu colocar um ponto final na sua carreira F1.

Legado

Quando abandonou a Fórmula 1, é seguro dizer que o Sebastian Vettel que saiu da categoria tinha um relacionamento inteiramente diferente com os fãs. Já não era o Vettel que era assobiado depois do episódio Multi 21 em que ignorou ordens de equipa e foi assobiado nos pódios que se seguiram, nem sequer o Vettel que provocava ódios entre os fãs de Hamilton.

Ao longo dos anos, o alemão foi-se desenvolvendo enquanto piloto rapidíssimo e que era capaz de dizer exatamente aquilo que pensava, irritando a FOM com as suas demonstrações públicas de apoio a causas ambientalistas e de direitos LGBTQ+.

Saiu também como um dos maiores recordistas de vitórias, poles e pódios da história da categoria, com números que ultrapassaram os de homens como Senna e Prost. Caso tivesse optado por permanecer no casulo da Red Bull, quem sabe o que não teria sido capaz de ainda amealhar nos anos que se seguiram.

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Phil Hill em 1961 – Flash

14 05 2023

Nascido em Miami em 1927, Phil Hill foi dos campeões mais atípicos da história da Fórmula 1. Não necessariamente a nível de carreira para um piloto que competiu na F1 dos anos 60, uma vez que os seus princípios foram os de mecânico e piloto simultaneamente (e um desejo bem forte de competir com tudo o que tivesse rodas), mas sim pela mentalidade com que abordava a competição.

Sobre a maneira como lidava com o automobilismo, Hill era citado da seguinte forma:

“O automobilismo atrai o que de pior tenho em mim. Sem ele, eu não sei que tipo de pessoa me poderia ter tornado. Mas não sei se gosto da pessoa que sou agora. Correr torna-me egoísta, irritável, defensivo. Se pudesse sair deste desporto com qualquer ego, fá-lo-ia.”

Dificilmente as palavras de um intrépido aventureiro dos anos 60, mas a verdade é que Hill não se deixava intimidar. Descrito como um perfeccionista disciplinado, o americano esforçava-se por esmiuçar todos os detalhes dos carros que conduzia e acabou a sua carreira com um título de F1, 3 vitórias nas 24 Horas de Le Mans, 3 vitórias nas 12 Horas de Sebring e 1 nas 24 Horas de Daytona.

Perigos e prazeres do automobilismo

Pouco próximo dos seus pais durante a juventude e sem grande propensão para desportos, o caminho de Hill até ao automobilismo acabou por vir de um fascínio mecânico por carros. Tendo chegado a começar a tirar uma licenciatura em business administration na Universidade do Sul da Califórnia, o americano acabaria por desistir para se tornar ajudante mecânico de um piloto com garagem própria.

Conduzir ensinou confiança ao jovem Hill, que também aprendeu piano durante a sua infância, e a maneira como resolvia o seu medo de falhar era pela atenção ao detalhe. Não demorou muito para que passasse à competição, vencendo pela primeira vez em 1949 num carro desportivo.

O seu grande defeito era a tensão em que se colocava a si próprio antes das provas, preocupando os seus chefes de equipa e causando estragos físicos a si próprio (chegou a estar de forma tenso que desenvolveu úlceras e ficou 10 meses fora de competição, sob a influência de fortes analgésicos).

Mas, demonstrando que o piloto balanceava os perigos e prazeres do automobilismo como poucos, Hill começou a impressionar com Ferraris de equipas privadas, acabando por ser convidado para a marca oficial em Le Mans, onde triunfou ao lado de Olivier Gendebien em 1958 sob chuva intensa. Também triunfou em Sebring com Carroll Shelby nas 12 Horas num Ferrari, assim como em Daytona com Pedro Rodríguez nas 24 Horas (também de Ferrari).

Tudo conquistas sonantes com nomes sonantes. Mas Enzo Ferrari hesitava em colocá-lo na equipa de F1, achando-o demasiado sensível para ser bem-sucedido. Mas os falecimentos de Peter Collins e Luigi Musso forçaram-lhe a mão.

1961

Viver na Europa foi uma experiência diferente para Hill, que vivia num hotel ao lado da fábrica da Ferrari e fazia vida relativamente solitária. O americano mantinha-se em forma e explorava monumentos e castelos nas horas livres, além de manter o seu amor por música com idas à ópera. Nas pré-temporadas regressava à Califórnia para restaurar carros antigos (e pianos), mas a inatividade irritava-o.

Com alguns pódios na época de estreia na F1 (1958 em Itália e Marrocos), Hill precisou de esperar até 1960 para fazer uma temporada completa (com exceção das 500 Milhas), ano em que venceu um Grande Prémio pela primeira vez com um triunfo em Monza, bem na frente dos tiffozi. O regresso no ano seguinte acabaria por ser de tristeza.

O ano começou bem, com um 3º lugar no Mónaco e um 2º na Holanda. A vitória chegou em Spa-Francorchamps e já começava a ser claro que a luta pelo título estava confinada ao americano e ao colega de equipa Ferrari, Wolfgang von Trips. Um deslize em França não teve consequências de maior, mas von Trips foi-lhe conquistando pontos no Reino Unido e na Alemanha.

Em Monza, ia a penúltima corrida do ano na sua segunda volta quando von Trips se acidentou com o Lotus de Jim Clark e voou disparado para o público. O jovem alemão morreu, juntamente com 14 espectadores. Hill venceu a prova e o título, mas a experiência foi traumatizante (até porque viria a ser um dos carregadores do caixão de von Trips).

“Nunca experienciei nada tão profundamente triste na minha vida.”

A aventura ATS e mais vitórias em Le Mans

Com um título mal celebrado, Hill iniciou a temporada de 1962 com resultados tão bons quanto nos do ano anterior, mas foi Sol de pouca dura. O americano pontuou nas primeiras três provas do ano, mas acabou por não conseguir mais um único daí em diante. O autodiagnóstico era simples: a fome de vencer e a vontade de se arriscar por resultados desaparecera.

Isso não o impediu de acompanhar Giancarlo Baghetti quando ambos acompanharam vários engenheiros sénior para a criação da ATS (Automobili Turismo e Sport), devido a desentendimentos entre a cúpula e a mulher de Enzo Ferrari (Laura). Apesar da ambição, o projeto seria um falhanço total e em 1963 a melhor colocação foi 11º em Monza. Ainda houve tempo para Hill correr em 1964 com a Cooper e para mais um par de corridas com carros privados, mas o tempo do piloto na F1 tinha terminado (ainda que tenha gravado cenas para o filme “Grand Prix”).

Em Le Mans as participações continuaram, ao serviço de Ford e Chaparral (além de mais 2 vitórias nas 24 Horas durante a estadia na Ferrari); tal como as de carros desportivos (que lhe deram vitórias em Sebring e Daytona).

Hill tem a curiosa distinção de ter vencido a sua primeira corrida de carreira (1949) e a última (1967). Após a reforma dedicou-se ao seu hobby de restauração de veículos e foi também comentador.

Legado

Pouca ocasião terá havido em que um piloto tenha atingido um pico tão alto no automobilismo enquanto, simultaneamente, demonstrava opiniões tão negativas sobre o que correr lhe fazia à saúde mental.

Hill começou a correr como forma de desenvolver a sua confiança, permaneceu em competição apesar de ter atravessado felicidades e infelicidades em quantidades similares (e apesar dos nervos que isso lhe dava) e acabaria por dizer que o automobilismo era “um confronto com a realidade”. Para ele “muitas pessoas passam as vidas sem nunca ir a lado nenhum” e o automobilismo ajudava-o a sentir um propósito.

Tendo falecido em 1981 com Parkinson, Hill deixou para trás uma carreira de sonho, tendo passado os seus anos pós-competição como restaurador e casado com a namorada de longa data (Alma Hill), além de ter desempenhado as funções de comentador e de ter recebido a honra de ser introduzido no Hall of Fame do automobilismo norte-americano (sendo o único piloto nascido nos EUA a ser campeão de F1).

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“Flash” anterior: Audi em 2000

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Fontes:
Britannica \ Phil Hill
Esportelândia \ Phil Hill
F1 \ Phill Hill Hall of Fame
Motorsport \ Phil Hill
Race Fans \ Phil Hill
Terceiro Tempo \ Phil Hill
Wikipedia \ Phil Hill





Audi em 2000 – Flash

4 02 2023

O recente anúncio da entrada da Audi na Fórmula 1 em 2026 através de uma parceria com a equipa Sauber foi o culminar de um “namoro” de décadas da categoria com a marca automóvel alemã. Há muito que se aguardava que a construtora do grupo Volkswagen entrasse com todo o seu investimento na categoria máxima, até pela experiência que a marca já possui noutras categorias em que entrou com uma nova estrutura.

Apesar de ter sido bem-sucedida na Fórmula E até à sua saída neste ano e de um historial de peso no WRC, o melhor exemplo da competência Audi em competições FIA vem dos campeonatos de endurance. Especificamente umas inacreditáveis 13 vezes em 15 possíveis durante o período de 2000 a 2014, quando voluntariamente abandonou a competição à “irmã” Porsche.

Tal como na esmagadora maioria dos casos de sucesso no automobilismo, o segredo do sucesso dos alemães tem muito a ver com uma combinação de investimentos avultados, preparação meticulosa e profissionalismo extremo. Para além dos talentos de uma lenda de Le Mans que dá pelo nome de Tom Kristensen.

A preparação

Tendo começado a sua vida tal como a concebemos sob o nome Auto Union (a união de Audi, Horch, DKW e Wanderer, a estrutura com o seu logo de quatro anéis unidos viria a ser renomeada Audi aquando de um acordo de parceria com a NSU. Sob a égide do grupo Volkswagen, a nova empresa acabaria por fazer de carros de luxo velozes o seu segmento de mercado.

Tendo passado décadas a ver a Porsche acumular triunfos nas icónicas 24 Horas de Le Mans, a Audi sabia que queria tentar a sua sorte nos campeonatos de resistência durante a década de 90 (altura em que várias das suas concorrentes se achavam envolvidas). Em 1997, nasceu o R8R, um projeto de protótipo com que a Audi se lançaria para um assalto a Le Mans. Em 1998 foi visto em público pela primeira vez, com o seu cockpit aberto mas sem os detalhes necessários. Quando o R8R se lançou às pistas em 1999 em Sebring para as 12 Horas, com um motor V8 bi-turbo de 3,6 litros, tudo evoluíra: uma traseira mais proeminente, uma frente mais rasteira. Apesar de uma qualificação menos boa, em prova a sua consistência e durabilidade elevou-o até ao pódio. Mas faltava velocidade.

Com as devidas modificações, lançaram-nos contra as feras da BMW e Toyota em Le Mans no mesmo ano. Qualificando-se em 9º e 11º, os Audi acabaram por voltar a aguentar-se melhor que os rivais. Uns respeitáveis 3º e 4º lugares foram a recompensa, batidos apenas por um BMW e por um Toyota. Já os protótipos R8C, utilizados ao mesmo tempo, pareceram ineficazes, pelo que a marca optou por basear o seu “verdadeiro” protótipo no R8R ao preparar o seu projeto final, o R8.

Estima-se que o R8R, que ainda competiu em 2000 (na American Le Mans Series e no Silverstone 500), debitava à volta de 610 cavalos, tendo atingido os 335 km/h nas 24 Horas de 1999.

2000

À medida que a Audi ganhava cada vez mais balanço, uma prenda estava prestes a cair-lhe no colo. As rivais estavam determinadas a abandonar a endurance. A Mercedes queria dedicar-se ao DTM, a Nissan saiu por dificuldades financeiras, a Toyota e BMW preparavam-se para tentar a sua sorte com um salto rumo à F1. Sobrava a compatriota Porsche, que acabaria por desistir também (remores indicam que poderá ter sido por pressão de Ferdinand Piech que exercia funções administrativas em ambas as marcas).

Sobravam, portanto, a Panoz e a novata Cadillac na categoria principal para combater a Audi, que se apresentava na sua força total com 3 carros. O número 7 com Christian Abt, Rinaldo Capello e Michele Alboreto; o número 8 com Frank Biela, Tom Kristensen e Emanuele Pirro; e o número 9 com Laurent Aïello, Allan McNish e Stéphane Ortelli. Pilotos com experiência moderada de endurance e de campeonatos de turismo alemães e italiano (com um par de ex-pilotos F1).

A Audi não deu a mais pequena hipótese logo a partir da qualificação. Com o #9 na frente, os alemães foram a única equipa a colocar-se dentro dos 3m36s (na verdade, o Panoz em 4º só estava a fazer 3m39s…) e partiu da dianteira para a prova que começou no sábado. E aí se manteve o #9 durante grande parte do início da corrida, até precisar de trocar a caixa de velocidades e cair atrás dos dois colegas.

O Panoz #11 ainda ameaçou a retaguarda da Audi mas acabou por abandonar, e mesmo o Cadillac #3 da DAMS sofreu com um furo nos instantes finais das 24 Horas. O resultado disto foi que a Audi teve direito ao seu photo finish com os 3 carros nos 3 primeiros lugares da classificação, com a vitória a caber ao #8 pilotado por Michele Alboreto, Frank Biela e Tom Kristensen.

Os sucessores dinásticos

Kristensen acabaria por se tornar sinónimo de Audi e de Le Mans nos anos que se seguiram. Foram 6 triunfos consecutivos entre 2000 e 2005 (um foi com a Bentley em 2003, mas a marca britânica desenhara o seu Speed 8 com base em desenhos da Audi, uma vez que ambas pertenciam ao mesmo grupo automóvel), mais 2 isolados em 2008 e 2013, além de um anterior em 1997.

Após o sucesso do R8, que se manteve em ação até 2005, seguiram-se as suas evoluções do R10, R15 e R18. Todas conseguiram cruzar a linha de chegada das icónicas 24 Horas em primeiro lugar e cimentaram a marca alemã como uma das maiores vencedoras da prova, logo atrás da Porsche. Porsche essa que o grupo VW também colocou de volta à competição a meio da década de 2010, acabando por ditar o fim da aventura da Audi (não por resultados, mas para passar a marca dos quatro anéis para o foco na Fórmula E).

Na categoria elétrica, a Audi acabaria por vencer os títulos de pilotos e equipas em 2016-17 com Lucas di Grassi. O abandono da competição em 2021 acabou por se traduzir na preparação da estrutura para finalmente se aventurar na Fórmula 1, onde já anunciou que será fornecedora de motores a partir dos novos regulamentos de 2026 e dona da equipa Sauber (onde já colocou Andreas Seidl como diretor técnico).

Legado

É raro ver no automobilismo a entrada de uma marca por si só a provocar o terror nas rivais estabelecidas. Mas é precisamente isso que a Audi tem conseguido fazer sempre que anuncia os seus planos para integrar uma nova categoria. Foi assim com os rallys, foi assim com os campeonatos de endurance e foi exatamente assim que foi acolhida pelo paddock da Fórmula 1.

O domínio da Audi nas 24 Horas de Le Mans no início deste século marcou toda uma geração de pilotos para respeitar as siglas R8, R10, R15 e R18 como algumas das mais perfeitas máquinas de competição já criadas, que apenas a Peugeot conseguiu bater numa ocasião (2009).

Este historial não foi atingido pela simples força do nome: não há categoria em que a marca dos quatro anéis não se meta sem ter primeiro um plano detalhado e fundos de grande dimensão para ajudar na implementação. A assinatura de Andreas Seidl na F1 com este avanço para a aliança com a Sauber já serve de aviso para as rivais sobre o que esperar em 2026…

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“Flash” anterior: Dario Franchitti em 2007

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Fontes:
Facebook (Motorsport) \ Le Mans 2000
Racing Sports Cars \ Le Mans 2000
Trade Classics \ Audi nas 24 Horas
Wikipedia \ Audi R8R





Dario Franchitti em 2007 – Flash

11 12 2022

É rara a aparição de um piloto que não passou pela Fórmula 1 nesta rubrica, mas há ocasiões em que a amplitude de feitos mais que justifica um olhar de recordação. Dario Franchitti é um dos exemplos mais claros disto.

Nascido na Escócia e com origens italianas, Franchitti tem desempenhado ao longo dos últimos anos as funções de comentador de Fórmula E ao lado de Jack Nicholls, mas a sua ótima carreira de televisão é apenas um extra ao que foi uma brilhante carreira de piloto cortada antes de tempo.

Múltiplas vezes campeão da IndyCar, o escocês desenvolveu um domínio pouco usual da categoria de monolugares americana, o que não o impediu de tomar o gosto por maquinaria mais pesada nem de testar Fórmula 1 nas horas vagas. A sua escolha consciente pelos EUA em detrimento de uma remota possibilidade de obter o seu espaço na F1 pode ter sido uma das melhores decisões da sua vida.

A trilhar caminho em terras americanas

Tendo começado a sua carreira de piloto a vencer o título junior de karting escocês com apenas 11 anos, Franchitti foi subindo a escada das categorias de promoção britânicas uma a uma até à F3 (em 1994). Ao invés de continuar na categoria, o piloto recebeu um convite da AMG para se juntar aos alemães no campeonato nacional (DTM) e no internacional (ITC). Em 1995, chegou um 5º lugar no DTM (4 pódios) e um 3º no ITC (1 vitória e 4 pódios).

Com o fim do ITC em 1996 (na qual terminou num respeitável 4º lugar), a Mercedes procurou-lhe uma alternativa a seu gosto. Felizmente, haviam opções. Para além de um lugar na CART (uma das duas categorias de monolugares dos EUA após uma cisão da categoria única anterior), Franchitti recebeu uma oferta de piloto de testes da McLaren na F1 (já recebera da equipa o prémio McLaren Autosport de jovem promissor). Indo obrigá-lo a viagens EUA-Europa constantes, o escocês tomou a corajosa decisão de rejeitar a McLaren em favor de concentração total com a equipa Hogan Racing na CART.

Um primeiro ano de resultados modestos (o melhor foi 9º em Surfers Paradise) não conseguiu esconder o seu talento e trouxe-lhe uma oportunidade de se mudar para a mais competitiva Green Racing em 1998. Apesar de alguma inconsistência, os resultados começaram a chegar. Nas 6 provas finais chegaram 3 vitórias, deixando-o 3º no campeonato.

1999 acabou por ser um bem-sucedido mas frustrante. Empatou para o título em pontos com Juan Pablo Montoya, mas o colombiano tinha mais vitórias e o título pertenceu-lhe. Um acidente na pré-temporada de 2000 acabaria por deixá-lo com sequelas suficientes para que tivesse um ano pouco competitivo e um 2001 com apenas uma vitória. Mas 3 vitórias e 4º lugar em 2002 pareciam indicar que a regularidade nas suas performances voltara (houve também um teste de F1 com a Jaguar, que acabou com o piloto a não ficar bem-impressionado).

Com a equipa Green a ter competido na rival da CART, a IRL, para as 500 Milhas de Indianápolis em 2002, 2003 viu uma mudança permanente da estrutura para a IRL. Franchitti acompanhou, apesar de uma nova lesão (desta vez num acidente de estrada ao volante de uma mota) o ter obrigado a um programa encurtado.

Michael Andretti entretanto entrara na estrutura da Green, para formar a Andretti Green Racing, e Franchitti soube manter-se nos anos seguintes com pontuações constantes e 4 vitórias, para além das suas primeiras presenças nas 500 Milhas.

2007

Ao anunciar a sua manutenção no campeonato de IndyCar com a Andretti iniciou aquela que seria a sua temporada de consagração na categoria, mas também a que mostrou a versatilidade que possuía em diferentes categorias. O ano foi de vitória à classe 12 Horas de Sebring (LMP2) e de outras participações na Le Mans Series Americana.

Tendo começado o ano com um 7º em Homestead, Franchitti só voltaria a terminar mais baixo que isso à 13ª ronda do ano. A primeira vitória chegou, de todos os locais possíveis, nas 500 Milhas de Indianápolis encurtadas pela chuva. Nas 7 corridas seguintes, o escocês não deixou fugir o Top 4 uma única vez, liderando a temporada confortavelmente.

Não que tudo tenham sido facilidades: em Michigan capotou num incidente em que Scott Dixon passou com o carro bem perto da cabeça de Franchitti, e no Kentucky não se apercebera que a corrida terminara (levando-o a acertar com força num rival lento, incidente pelo qual assumiu a sua responsabilidade).

O título chegou na prova final por uma margem curta sobre Scott Dixon, mas o verdadeiro choque do ano seria o anúncio do piloto de que não continuaria na IndyCar para 2008, dado que iria assumir uma aventura na NASCAR ao serviço da Dodge.

NASCAR, mais títulos e outras peripécias

Não seria uma aventura muito longa para Franchitti neste campeonato americano, uma vez que falta de fundos de patrocinadores ditariam o final da campanha antes de tempo (mas não sem antes conseguir fraturar o tornozelo esquerdo num acidente). Ainda nem 2008 tinha terminado e já o piloto estava de regresso aos comandos de um IndyCar.

Agora a pilotar os monolugares da Chip Ganassi Racing, o escocês não demorou tempo nenhum a recuperar o balanço. Na segunda prova de 2009 (Long Beach) já estava a triunfar e, incrivelmente, venceu os títulos de 2009, 2010 e 2011, perfazendo um total de 4 títulos em 5 anos no habitualmente imprevisível campeonato americano. Mais duas vitórias nas 500 Milhas em 2010 e 2012 também o colocaram confortavelmente entre os maiores vencedores da prova.

Só que a juntar à sua velocidade e vitórias, Franchitti começava a acumular mazelas. Quando se acidentou com rivais em Houston em 2013 na última volta da corrida, o piloto sofreu uma fratura na coluna, no tornozelo direito e uma concussão. Os médicos avisaram-no de que corria um risco sério paralisia permanente caso continuasse a correr e o piloto fez o que poucos costumam fazer neste ramo: levou o aviso a sério e anunciou a sua reforma antecipada das pistas.

Para além de se ter tornado um diretor de competição na Chip Ganassi, Franchitti tem vindo a ganhar notoriedade como comentador de Fórmula E desde a estreia da categoria em 2014.

Legado

Quando se tem a conversa sobre que pilotos que nunca tiveram a oportunidade de deixar a sua marca na F1, Dario Franchitti é com frequência referido. O piloto escocês optou cedo na sua carreira por dizer não a uma vaga possibilidade de estrear na possibilidade de integrar a categoria máxima do automobilismo, de forma a poder construir uma carreira sólida nos EUA.

E que carreira que teve. Franchitti tornou-se sinónimo de IndyCar em terras americanas, até pela impressionante forma como acumulou 4 títulos no espaço de 5 anos ao serviço de nomes como Andretti ou Chip Ganassi. Mas também se tornou sinónimo de acidentes, frequentes e aparatosos, que acabariam por lhe ditar o final antecipado da carreira por motivos de segurança.

Geralmente afável com os fãs, o piloto reinventou-se agora como comentador televisivo após pendurar o capacete, algo que, tal como a sua aventura pelos EUA, muitos tentaram e poucos conseguiram fazer com sucesso. Em ambos os casos, Franchitti foi um sucesso instantâneo.

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“Flash” anterior: Thierry Boutsen em 1989

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Fonte:
Motorsport \ Dario Franchitti





Thierry Boutsen em 1989 – Flash

6 11 2022

Há poucas coincidências mais propícias a gerar simpatia generalizada com um perfeito desconhecido como a partilha de uma data de aniversário. Imagina-se uma irmandade instantânea com pessoas a vários milhares de quilómetros de distância, sem qualquer prova nesse sentido. Assim, o dia 13 de Julho viu nascer em anos diferentes Patrick Stewart, Harrison Ford, o autor deste post e Thierry Boutsen.

Boutsen foi um prolífico piloto que competiu nos anos 80 e 90 na categoria máxima do automobilismo, navegando a sua carreira por equipas como Benetton e Williams e chegando a triunfar em Grande Prémios (inclusive com uma das vitórias a vir com um confronto direto com o amigo Ayrton Senna).

Oriundo da Bélgica, Boutsen atribui muito do seu talento ao volante às terríveis condições climatéricas do seu país, aproveitando para treinar em pistas molhadas sempre que possível. Além da F1, o piloto também espalhou o seu talento em Le Mans (antes e após a sua estadia na F1).

A mudança atrasada para a Benetton e a promoção da sua vida

Com várias equipas de F1 interessadas nos seus préstimos para 1983, Boutsen não tinha apesar disso, tarefa fácil sem conseguir apoios financeiros. Vindo de um percurso bem apetecível nas categorias de promoção (desde um título de Fórmula Ford Belga até vice-campeonatos na F3 e F2), o piloto tinha também apanhado um valente susto nas 24 Horas de Le Mans 1981 quando uma falha de suspensão levou detritos do seu carro a ferir (mortalmente num dos casos) três comissários. Mas também tinha havido espaço para vitórias nos 1000 km de Monza e nas 24 Horas de Daytona (ambas com Porsches).

Comprando um assento na equipa Arrows F1 para 1983, Boutsen estreou-se no seu GP caseiro em Spa-Francorchamps com uma performance não muito distante da do colega Marc Surer. Com a tabaqueira Barclay a patrociná-lo, Boutsen teve que lidar com motores potentes mas com má tração nos 3 anos seguintes. O primeiro ano de parceria trouxe-lhe os primeiros pontos de carreira em 1984, seguindo-se o primeiro pódio em Imola em 1985 e depois uma terrível temporada da Arrows em 1986 (na qual não pontuou).

Tendo continuado a competir nas competições de endurance, Boutsen continuou a manter a sua cotação alta o suficiente para ser contratado pela Benetton (equipa de fábrica Ford, na altura) para 1987. O relacionamento com Teo Fabi foi algo complicado mas os carros projetados por Rory Byrne nos dois anos seguintes foram velozes o suficiente para lutar por pontos em todas as provas. Nesse primeiro ano chegaram 6 pontuações (em 9 terminadas) e um pódio na Austrália.

1988 viu a chegada do italiano Alessandro Nannini para o segundo carro, e Boutsen floresceu com 5 pódios e 10 pontuações em 16 provas, que lhe valeram o 4º lugar no campeonato, atrás dos dominantes McLaren e do Ferrari de Gerhard Berger.

1989

Fruto da sua amizade com Senna, Boutsen recebeu do amigo a novidade de que este estaria a negociar com a Ferrari, com a possibilidade do belga ser o seu colega de equipa. Em rota de colisão com o colega Alain Prost, Senna acabou por ficar na McLaren e Boutsen nunca o acompanhou. Só que a Ferrari contratou Nigel Mansell à Williams, o que abriu um espaço na equipa britânica.

Sabendo das suas capacidades enquanto piloto fiável, rápido e bom desenvolvedor de carros, Frank Williams assinou o belga para acompanhar o experiente Riccardo Patrese. As coisas não começaram da melhor forma: Boutsen teve um fortíssimo acidente de pré-temporada, ao passo que Patrese decidiu redescobrir a sua boa forma.

Sem grandes hipóteses de fazer frente aos poderosos McLaren / Honda, Boutsen tinha ao menos a sorte de ver a Williams novamente com motores de fábrica (Renault) e conseguiu aproveitar um abandono de Senna no GP do Canadá sob chuva intensa para triunfar pela primeira vez (com direito a um pião que felizmente não terminou no muro). Foi um prémio muito bem-vindo para a sua primeira metade de época, dado que terminou fora dos pontos em 6 das primeiras 9 provas.

Após o GP da Alemanha, no entanto, a sua natural consistência veio ao de cima. Uma sequência de 3º – 4º – 3º na Hungria, Bélgica e Itália ajudaram-no a subir posições no campeonato, seguindo-se um abandono duplo nas rondas ibéricas, antes de terminar em 3º no GP do Japão e depois voltar a triunfar sob chuva intensa na derradeira ronda (Austrália), uma prova em que havia chegado a protestar ser posto em prova com condições tão adversas.

Procurando um lugar ao Sol

Para 1990 chegou um nível ainda maior de consistência, com direito a uma vitória no seco no GP da Hungria, vitória que Boutsen tem em grande conta por ter sido obtida a partir de pole position e por ter tido que passar a prova inteira a aguentar grandes pressões do amigo Senna. Apesar de ter batido Patrese (e de ter 3 vitórias em 2 anos contra 1 do italiano), quando a Williams precisou de abrir espaço para o regresso de Mansell foi Boutsen o sacrificado: Frank Williams apreciava a consistência de Patrese e o facto de já ter feito dupla com Mansell.

Atirado para fora da estrutura quando já estavam a maioria dos lugares decididos, Boutsen acabou por ter que regredir para a pouco competitiva Ligier, que nunca estaria destinada a regressar ao seu melhor até porque utilizava um pesadíssimo motor Lamborghini V12. Foi um 1991 sem pontos, seguido de um 1992 melhor em que motores da Renault lhe permitiram conquistar os seus primeiros pontos pós-Williams na última prova pela Ligier.

Seriam também os últimos da sua carreira de F1, porque uma movimentação para a Jordan em 1993 acabou condenada ao fracasso. Frustrado com uma promessa não cumprida de Eddie Jordan sobre adaptar o carro à sua elevada estatura (bem mais alta que a do colega Rubens Barrichello) e sem conseguir acompanhar o ritmo do jovem Barrichello, Boutsen acabaria por ser “convidado” a usar o GP da Bélgica como prova de despedida antes da temporada terminar (na mesma pista da sua estreia na F1, por sinal). Boutsen aceitou.

Nos anos seguintes, o belga dedicou-se aos campeonatos de turismo e de endurance. Nos primeiros, o sucesso foi muito limitado (chegou a encontrar-se com o ex-colega Patrese), mas nas competições de resistência conseguiu resultados interessantes com Hans-Joachim Stuck (incluíndo uma vitória à classe em Le Mans). Estava em competição na pista francesa com um protótipo Toyota quando um acidente o levou a reequacionar as suas opções, reformando-se das pistas.

Legado

Analisando a carreira de Boutsen, é difícil dizer que tenha sido o mais talentoso piloto da sua geração, particularmente quando dividia essa geração com pilotos como Senna, Prost, Mansell, Piquet e companhia, mas a verdade é que o piloto tornou-se especialista naquilo que qualquer chefe de equipa anseia: consistência e velocidade.

Tendo tido a sorte de integrar uma estrutura como a Williams em fase de reestruturação, Boutsen acabaria por ver o regresso de Mansell impedi-lo de colher os frutos do seu trabalho de adaptação aos motores Renault, como certamente teria conseguido aproveitar.

Desde que largou as pistas, Boutsen estabeleceu uma empresa de compra e venda de jatos empresariais (Boutsen Aviation) e fundou uma equipa de competição (que competiu em Fórmula Renualt, por exemplo).

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“Flash” anterior: Ralf Schumacher em 2001

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Fontes:
Autosport PT \ Thierry Boutsen





Ralf Schumacher em 2001 – Flash

16 10 2022

Qualquer piloto que consiga vencer na Fórmula 1 matriculou-se num dos clubes mais exclusivos do mundo, sendo que muito poucos chegam sequer a correr na categoria e que apenas aproximadamente 15% triunfam. Vencer 6 vezes? Isso já demonstra uma versatilidade quase sem paralelo, entre os 50 melhores pilotos da história da categoria.

Só que Ralf Schumacher raramente surge na conversa, principalmente devido ao apelido que partilha com o irmão Michael. O mais velho dos Schumacher possui 91 vitórias ao lado do seu nome e 7 títulos mundiais para acompanhar, números que ofuscariam qualquer piloto com que se comparasse, quanto mais o próprio irmão.

Mas Ralf chegou a contar com um ascendente notável nos seus primeiros anos de F1. Em 1999 chegou a ser referido por muitos como o piloto do ano, e em 2001 chegaram inclusive as primeiras dobradinhas de irmãos da história da F1.

A promessa inicial pode não ter sido cumprida, no entanto o percurso de Ralf continua a ser interessante de acompanhar.

Rápido e inconstante

Fazendo o mesmo trajeto familiar que o irmão pelos campeonatos de karting na pista da família (Kerpen), Ralf Schumacher demonstrou rapidamente ritmo suficiente para vencer o campeonato júnior em 1992 e o vice-campeonato da categoria “normal” no ano seguinte. Navegando pelos monolugares das fórmulas de promoção entre 1994 e 1996, Schumacher acumulou resultados bem interessantes (2 Top 3 na F3 Alemã e vencedor do GP de Macau de 1995).

A sua grande rampa de lançamento acabou por ser uma ida para a Fórmula Nippon em 1996, que terminou com um título na estreia. Juntando a isto uma participação conjunta com o colega de equipa Naoki Hattori no campeonato de GT Japonês (vice-campeonato), estavam reunidas as condições para que Eddie Jordan o contratasse para a sua equipa de Fórmula 1.

Tendo chegado a testar pela McLaren antes, Schumacher chegou à Jordan na condição de piloto pagante graças à Bitburger. A ideia original era de ser colega do experiente Martin Brundle, mas o britânico acabaria por ser removido antes de 1997 para dar lugar a outro piloto jovem promissor, Giancarlo Fisichella. As primeiras 7 corridas trouxeram 6 abandonos, mas também o primeiro pódio da carreira no GP da Argentina. No final do ano Fisichella até provaria ser o mais regular dos dois, mas Schumacher fez 13 respeitáveis pontos contra os 20 do italiano e conseguiu uma sequência de 4 lugares pontuáveis a meio do ano.

O sucesso moderado desse ano garantiu-lhe o segundo, desta vez sem Fisichella (saído para a Benetton) mas com o campeão do mundo de 1996, Damon Hill. 1998 trouxe uma troca de motores Peugeot pelos Mugen-Honda e o início de época foi muito complicado: Schumacher e a Jordan só somaram os primeiros pontos do ano em Julho.

Até que chegou um extremamente confuso GP da Bélgica, em que a chuva provocou incidentes vários a ponto de os dois Jordan estarem em 1º e 2º nas voltas finais. Schumacher quis atacar Hill para vencer a sua primeira corrida mas a equipa aplicou ordens de equipa e proibiu-os de lutar. Foi o início de um relacionamento mais complicado com a equipa, que culminou com o irmão Michael a informar Eddie Jordan de que Ralf não competiria pela equipa no terceiro ano de contrato.

A “fuga” de Ralf acabaria por ser para a Williams por dois anos. A equipa britânica tinha perdido o fornecimento de motores da Renault no final de 1997 e tentava reerguer-se de um terrível 1998 com uma dupla totalmente diferente. Schumacher recebeu a companhia do campeão da CART em título (e regressado à F1), Alessandro Zanardi.

Foi um ano de duas metades da garagem completamente diferentes. Zanardi encalhou por completo e não se mostrou com competitividade suficiente para sequer pontuar, enquanto que Schumacher aceitou o desafio de liderar a estrutura com uma maturidade notável. Foram 3 pódios no total do ano e 11 pontuações em 16 tentativas. Tudo isto valeu-lhe uma extensão de 3 anos no contrato no valor de 31 milhões de dólares, com a vantagem de que em 2000 a equipa contaria com o início de uma parceria técnica com a também alemã BMW.

Produzindo aquele que ficou conhecido como um motor extremamente potente mas muito frágil, a BMW reinvigorou a motivação da Williams no primeiro ano de cooperação. Agora com o estreante Jenson Button ao seu lado, Schumacher teve mais dificuldades que no ano anterior mas voltou a sair vitorioso do duelo interno. A maioria dos abandonos do alemão foram por culpa alheia e mais 3 pódios foram acumulados.

2001

Para 2001 a BMW veio com expectativas reforçadas mas ainda cautelosas, afirmando que gostaria de conquistar a sua primeira vitória com a equipa na segunda metade do ano. Mario Theissen, líder de F1 da marca, também deu a entender que gostaria de manter o fornecimento apenas com a Williams de modo a permitir uma simbiose mais forte entre ambas as marcas (e da Michelin, nova fornecedora de pneus da categoria nesse ano).

Ao lado de Schumacher chegaria o campeão de Champ Car de 1999, Juan Pablo Montoya. Ao contrário do anterior piloto da equipa vindo das competições americanas, Montoya entrou no ritmo muito rapidamente. Lançando um tiro de aviso ao colega, o colombiano só não venceu o seu terceiro GP (Brasil) com uma ultrapassagem musculada sobre Michael Schumacher porque foi eliminado por um piloto que dobrava a meio da corrida.

A boa notícia deste desenvolvimento foi que o Williams FW23 era mais competitivo que o esperado (ainda que bastante frágil, também). Logo na corrida seguinte, o GP de San Marino, Ralf Schumacher alinhou em 3º atrás dos dois McLaren. Com uma partida rápida (quase demais, sendo investigado brevemente por saltar a partida) o piloto assumiu a frente da corrida e quase não precisou de olhar para trás daí em diante. Apenas a 8 voltas do fim teve que gerir a aproximação de David Coulthard devido a um problema com a pressão de óleo.

Chegou assim a primeira vitória da carreira do alemão, assim como da parceria Williams-BMW-Michelin. Seguiram-se três abandonos consecutivos, mas a sorte voltaria no GP do Canadá. Tendo passado a prova inteira imediatamente atrás do irmão, Ralf foi aplicando pressão ao longo da corrida na esperança de assumir a liderança. Essa liderança acabaria por lhe cair nas mãos quando Michael parou e Ralf acelerou o ritmo (com direito a ter quebrado três vezes o recorde de pista) a ponto de emergir da sua paragem à frente do Ferrari. A vitória foi a primeira dobradinha de irmãos na história da F1, sendo que o 3º classificado (Mika Häkkinen) até soltou o desabafo de que “era uma sorte não haverem 3 [Schumachers], senão teríamos um problema”.

Isso mesmo ficou provado quando os irmãos voltaram a partilhar a primeira linha da grelha uma prova depois disso, e fizeram outra dobradinha (liderada por Michael) na seguinte. Uma incrível terceira vitória no Hockenheim, em território alemão, cimentou a boa temporada que Ralf vinha a realizar. Até ao final do ano ainda chegou mais um pódio e a sua melhor classificação de sempre num campeonato (4º lugar atrás dos dois Ferrari e de Coulthard).

A renovação por 2 anos extra de contrato foi quase uma formalidade.

Salário elevado e motivação questionada

Havia uma única possível preocupação para Schumacher: Montoya, tal como Button em 2000, parecera ter um certo ascendente na fase final de 2001. Na primeira prova do ano, na Austrália, Ralf acidentou-se aparatosamente contra Barrichello enquanto que Montoya terminou em 2º atrás de Michael. Apesar de a corrida seguinte (Malásia) até ter sido uma vitória para Ralf, o tom do que seria o ano foi seguido com Montoya a receber os grandes elogios como piloto mais próximo de Michael Schumacher, que dominou por completo a temporada.

Mas 2003 foi o ano em que realmente foi possível à Williams entrar na luta pelo título, com as pequenas mudanças de regulamentos que trouxeram a Ferrari um pouco para trás. Ralf teve um sólido princípio de temporada, com 10 pontuações em 10 corridas, particularmente importantes dada a inconsistência geral dos adversários. Depois de 7 pontuações chegou o primeiro pódio (Canadá) e depois duas vitórias consecutivas (Nüburgring e Magny Cours), que o deixaram em 3º no campeonato a 11 pontos do líder Michael (sempre ele).

Só que depois Montoya voltou a dar mostras do seu talento e Ralf sofreu um acidente num teste em Monza que o deixou de fora de uma prova, obrigando-o a ter que apoiar o colega de equipa. Se isto iria promover um ambiente pior entre eles no futuro, nunca se descobriu: 2004 trouxe um carro da Williams terrível, que deixou os pilotos com resultados fracos. Juntando a isto um acidente grave em Indianápolis (quando desacelerou 78 G e sofreu uma concussão e duas fraturas na coluna) que o deixou de fora de 6 corridas, e o cenário ficava mais negro.

Entretanto estalara o verniz com a cúpula da Williams, com Patrick Head a dizer que não havia pressa em renovar com Schumacher porque “ele só tem uma oferta da Toyota!”. Pois foi precisamente para aí que rumou Ralf em 2005.

Projeto que começara em 2002, a Toyota tinha tido 3 anos de F1 em que só com dificuldade parecera capaz de pontuar, o que não augurava nada de bom para a dupla Ralf Schumacher-Jarno Trulli. Mas o projetista Mike Gascoyne ia apostar tudo nos novos regulamentos de 2005. E a Toyota foi uma das grandes beneficiadas. A equipa japonesa acumulou 2 pódios em 3 corridas mas todos pela mão de Trulli. Ralf ia somando pontos com consistência, no entanto, e, mesmo com novo incidente forte em Indianápolis, foi ganhando ritmo ao longo do ano e acabaria por fazer 2 pódios na fase final do ano com os quais passou o colega no campeonato. A Toyota terminou em 4º lugar, o melhor resultado de sempre da marca.

Só que guerras internas da equipa (que chegou a ter duas equipas internas a fazerem dois motores diferentes para tentarem provar ter a melhor solução) e uma decisão terrível de mudar de pneus Michelin para Bridgestone quando o carro estava adaptado melhor para os primeiros, levaram à realização de um 2006 medíocre só suplantado (pela negativa) por um 2007 péssimo.

Batido em toda a linha por Trulli no ano final e com um salário elevadíssimo, Ralf começou a ser vítima da piada do paddock sobre os dois Schumacher terem-se reformado em 2006, mas que só Michael se tinha lembrado de deixar de aparecer… A Toyota correu com o piloto, que ainda chegou a testar com a última classificada Force India, e Ralf abandonou a categoria máxima do automobilismo ao invés de integrar a estrutura.

O piloto competiu ainda pela HWA no DTM, onde somou 2 pódios, antes de se dedicar a gerir a carreira do filho David e aos comentários televisivos na televisão alemã (onde se tem tornado conhecido pelas suas opiniões extravagantes).

Legado

O percurso de Ralf Schumacher na Fórmula 1 começou como quase todos os dos grandes pilotos começaram: brilhos intensos nas categorias de promoção permitiram uma estreia numa equipa do meio da tabela, onde os bons resultados o tornaram um alvo apetecível das equipas de topo. Só que a partir daí é quando o talento e a dedicação chegam ao seu ponto crítico. E foi aqui que Ralf parece ter falhado o seu passo final.

A liderança da equipa foi-lhe atribuída na Williams, mas o alemão dificilmente teria podido contar com a concorrência de um piloto do calibre de Montoya, que se tornou o mais eficaz dos dois pilotos. O próprio colombiano chegou a referir-se ao ex-colega como alguém como alguém quase imbatível nos seus melhores dias, mas que quando era batido se deixava ir abaixo psicologicamente. Esta análise informa muito do que foi a carreira de Ralf, sem a auto-confiança do irmão.

Ainda assim vale a pena recordar o piloto no seu melhor, quando a sua boa forma aterrorizou Mika Häkkinen a ponto de este agradecer a inexistência de um terceiro Schumacher…

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“Flash” anterior: Arrows em 1998

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Fontes:
– SANTOS, Francisco. Fórmula 1 01/02. (2001). Edições Talento.





Arrows em 1998 – Flash

25 06 2022

Têm sido notórias as dificuldades com que Michael Andretti se tem deparado na tentativa de inscrever o projeto da sua futura equipa de F1 para 2026. O americano, que parece já ter tratado de arranjar os meios de financiamento necessários para a aventura, tem esbarrado na falta de concordância das outras equipas, que não vêem com bons olhos a divisão por 11 dos rendimentos ao invés dos atuais 10.

Nem sempre a formação de equipas foi uma tarefa difícil na F1, paradoxalmente. Múltiplas estruturas apareciam e desapareciam nos anos iniciais da categoria, muitas nem sequer como construtoras (compravam os seus chassis a equipas estabelecidas e agiam como meras privadas). Algumas destas conseguiram sobreviver vários anos na F1, mesmo em casos de sucesso limitado.

Sem uma única vitória num Grande Prémio em 3 décadas de existência, a Arrows foi um dos expoentes máximos desta tendência. Fundada por um conjunto de elementos díspares (que incluíam um ex-piloto de F1) que fizeram uso das inciais dos seus apelidos para a designar, a Arrows foi tendo que atribuladamente adaptar os seus planos ao longo dos anos.

Planos que chegaram a incluir a construção dos seus próprios motores no final dos anos 90.

Do acrónimo original à confusão completa

Os membros fundadores da Arrows em 1978 consistiam numa quinteto composto de empresários, engenheiros e ex-pilotos: Franco (A)mbrosio, Alan (R)ees, Jackie (O)liver, Dave (W)ass e Tony (S)outhgate. Todos estes tinham integrado a equipa Shadow no ano anterior e esta associação esteve na origem do primeiro problema que enfrentaram: uma acusação de desrespeito de direitos de autor relativa ao seu monolugar.

O carro que teria sido o FA1 foi banido após queixa da Shadow, obrigando a Arrows, a meros 52 dias da primeira corrida da temporada de 1978, a ter que criar um novo de raiz. Isto foi conseguido (e baptizado de A1) mas houve outros dois problemas significantes para a equipa: Ambrosio foi preso por irregularidades financeiras e um dos pilotos escolhidos, Gunnar Nilsson, foi diagnosticado com cancro testicular e teve que ser substituído.

Ainda assim, foi um primeiro ano de sucessos moderados (fazendo uso dos motores Ford Cosworth). Riccardo Patrese alinhou no GP do Brasil e terminou em 10º. Na corrida seguinte, na África do Sul, Patrese abandonou mas tinha estado a liderar a prova quando isso sucedeu. Nada mal para um carro feito em menos de 2 meses… Durante o resto do ano, foram vários os altos e baixos para Patrese, desde um 2º lugar no GP da Suécia até a uma suspensão por uma prova depois de ter estado envolvido no acidente fatal de Ronnie Peterson (do qual mais tarde foi considerado inocente, enfurecendo a equipa a chantagem de que foi alvo pelas rivais para suspender o seu piloto).

A chegada dos carros com efeito de solo obrigou a Arrows a seguir esse mesmo caminho, mas o A2 não foi bem-sucedido. Os anos 80 trouxeram alguns pódios e pontos ocasionais, um acordo para utilizar motores BMW turbo e a saída de mais fundadores, até que sobraram Oliver e Rees. Estes chegariam a contratar Ross Brawn para projetar os seus Arrows.

Uma saída de cena da BMW no final da década viu a equipa experimentar continuar a usar os propulsores sob a designação Megatron, para algumas boas temporadas (ainda que frustrantes, pelos limites crescentes impostos pela FIA a quem continuasse a utilizar tecnologia turbo).

A equipa começou assim a manifestar algum desejo por ter os seus próprios motores. Um acordo de patrocínio (e mudança de nome da equipa) com a japonesa Footwork marcou uma alteração para os anos 90, com direito a uma desastrada tentativa da Porsche em fabricar os motores da estrutura em 1992. Apesar de tudo, as dificuldades financeiras começaram a apertar a sério, culminando com a venda da equipa a Tom Walkinshaw.

1998

Tendo já tentado adquirir sem sucesso a Ligier anteriormente, Walkinshaw comprou a parte de Rees da equipa e começou de imediato a fazer alterações. Tendo uma história de sucesso em operações de endurance e carros de turismo, o britânico era na época responsável pela Holden na Austrália e pela Volvo no BTCC. E tinha um plano para tornar a Arrows uma candidata ao título.

Trazendo vários engenheiros Ligier consigo, Walkinshaw foi buscar o “desempregado” campeão do mundo de F1 Damon Hill e assinou com o piloto pagante Pedro Paulo Diniz (para conseguir cobrir o salário do primeiro), o que colocou o número 1 nos Arrows. John Judd foi contratado para preparar motores Yamaha, John Barnard para projetar o carro e a Bridgestone (que estava a entrar na categoria) forneceu-lhes os pneus.

O resultado em 1997 foi bastante mau com vários abandonos, falta de ritmo e algumas não-qualificações. O único momento alto do campeonato foi o golpe de génio da afinação para o GP da Hungria que deixou Hill 25 segundos na liderança a 3 voltas do fim, quando uma falha hidráulica o deixou em 2º lugar. No final do ano, Hill saiu para a Jordan. Era preciso um plano B.

Por questões de saúde financeira Diniz foi mantido para 1998, que contaria com um carro projetado por inteiro por Barnard. O finlandês Mika Salo foi escolhido para o segundo carro. Irritada pela falta de andamento do Yamaha em 1997, a Arrows decidiu que queria projetar o seu próprio motor em 1998 (adquirindo a Hart), para evitar os custos de comprar a terceiros. O Arrows A19 correria inclusive com uma distintiva pintura completamente preta.

O problema mais óbvio da Arrows era que seria a primeira equipa britânica em 20 anos a desenvolver o seu próprio motor. Haviam boas razões para não se fazer isto habitualmente. Com uma certa previsibilidade, numa altura em que a F1 começava a sua escalada armamentista de desenvolvimento de motores, a pequena equipa não tinha capacidade para acompanhar o ritmo de desenvolvimento das Ferraris e Mercedes da categoria.

A juntar a isto a caixa de velocidades desenvolvida gerou problemas, e Barnard andava a desenhar partes, no seu tempo livre, para a Prost. Até ao final do ano, o projetista estava fora da equipa.

Apesar de uma dupla pontuação no GP do Mónaco e de Diniz ter aproveitado o caos do GP da Bélgica para ficar em 5º, o Arrows abandonou numas incríveis 23 tentativas em 32 possíveis (onde se inclui um abandono sincronizado no GP de Espanha…). O resultado nem foi tão mau quanto podia ter sido: 7º lugar no mundial de construtores com 6 pontos.

Mike Coughlan assumiu o posto de direitor técnico e a equipa chegou a ser cotada para ser adquirida pela Zakspeed e pela Toyota, mas os acordos falharam e a Arrows foi forçada a continuar tal como estava para 1999.

Os melhores esforços de Walkinshaw

A partir daqui a Arrows entrou na sua fase final. Esta chegou mesmo a envolver um literal príncipe da Nigéria, uma vez que Malik Ado Ibrahim comprou 25% da equipa e flutuou intenções de associar a Lamborghini à aventura, sendo que funcionários da Arrows da época descrevem que nenhum dinheiro chegou aos cofres da estrutura nesse período…

O carro de 1999 era pouco mais que um upgrade do de 1998, com uma dupla nova de pilotos (Pedro de la Rosa e Toranosuke Takagi). 2000 viu chegar Jos Verstappen para o lugar de Takagi e a aventura de motor próprio da Arrows terminou, com a passagem para o uso de motores Supertec (Renaults com um ano de idade, essencialmente). Estas alterações ainda deram algum fôlego à equipa, que recebeu o patrocínio da Orange e passou a ter a sua pintura mais famosa da equipa em laranja e preto.

O regresso da Renault à F1 a título oficial levou a equipa a mudar para Asiatech (Peugeots antigos). Elementos essenciais da equipa começaram a abandonar e o ótimo de la Rosa acabou também fora para dar lugar ao estreante Enrique Bernoldi. Daqui em diante o fim chegou rapidamente.

A assinatura de Heinz-Harald Frentzen para 2002 levou ao cancelamento do contrato de Verstappen, que processou a equipa com sucesso (juntando-se a outro processo fracassado movido pela equipa contra Diniz). O próprio Frentzen iniciou litigação contra a equipa por falta de pagamentos e ambos os pilotos da Arrows receberam ordens para falhar deliberadamente a qualificação no GP de França, de modo à equipa não ter que pagar uma multa por não-comparência.

O fim chegou, mas não inteiramente a história. Ainda houve algumas tentativas de negociação para a venda da equipa (Craig Pollock e Dietrich Mateschitz, por exemplo), mas acabou por se resumir a uma mera compra de ativos da equipa pela Phoenix France. O consórtio acreditou que esta compra (e a dos ativos da Prost) lhes daria uma inscrição na temporada de 2003. A FIA rapidamente lhes retirou esta ilusão.

Legado

A história da Arrows ter durado tanto quanto durou é ainda mais improvável quando se considera a quantidade de escolhas erradas ou mal temporizadas que os seus líderes foram escolhendo durante a sua estadia.

Antes sequer de um único quilómetro ter sido corrido já a equipa tinha sido processado por quebra de direitos de autor, um dos seus fundadores estava preso e um dos seus pilotos indisponível por doença grave. A quase vitória na sua segunda corrida poderia ter modificado a história da estrutura por inteiro. Em vez disso, mais decisões erradas. O mau projeto de efeito de solo, a presença de um motor turbo quando a FIA os queria fora da F1,…

A aposta num motor próprio de modo a poupar dinheiro que teria que dispender enquanto cliente era uma ideia que várias equipas na era atual ponderaram, mas não compreender que era necessário ter um orçamento capaz de realizar um desenvolvimento capaz de competir com as construtoras mundiais foi uma enorme ausência de discernimento.

Ainda assim, em dourado Warsteiner, preto Danka ou em laranja Orange, a Arrows deixou a sua marca na imaginação colectiva dos fãs de F1.

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“Flash” anterior: GP Malásia 2009

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Fontes:
– SANTOS, Francisco. F1 98/99 (1998) Talento.
IntentsGP \ Arrows
Wikipedia \ Arrows
Wikipedia \ Arrows A19





GP Malásia em 2009 – Flash

16 04 2022

Com a saída do GP da Rússia do calendário de 2022 à última da hora, Stefano Domenicalli foi permptório a afirmar que a F1 “não teria problema nenhum” em substituir a ronda em falta. O interesse de vários circuitos em sediar um Grande Prémio tem vindo a dar à FOM muita margem para se demorar na escolha, sendo que questões como a proximidade geográfica ao Japão e a Singapura são fulcrais para garantir uma atempada expedição de materiais entre as provas consecutivas.

A escolha parece estar a pender fortemente para o Qatar, que estaria de fora dos planos deste ano originalmente devido à sua organização do Mundial de Futebol, mas a grande favorita dos fãs para o espaço era um regresso do GP da Malásia ao calendário (mesmo que apenas provisório).

O dirigente da pista de Sepang já veio a público deitar água fria nas possibilidades, o que não impediu um suspiro coletivo pelo regresso do país do Sudeste asiático à lista de GPs a disputar neste ano. Considerado como um dos melhores autódromos da categoria, o circuito de Kuala Lumpur foi um dos primeiros sacrificados do final do mandato de Bernie Ecclestone na FOM, devido à pouca vontade de continuar a pagar os elevados valores exigidos (e por ter apostado fortemente no MotoGP).

Mas Sepang permaneceu no calendário da F1 por uns expressivos 18 anos. A pista foi palco de alguns dos mais marcantes momentos de várias temporadas, com presenças tanto no início como no fim do ano, e o seu início foi precisamente o momento de viragem em que a categoria se começou a dedicar com afinco à expansão para a Ásia.

Em direção a Este, desenhada por Tilke

É difícil imaginar uma temporada de Fórmula 1 com apenas uma corrida asiática e nenhum circuito projetado por Hermann Tilke. No entanto, no final dos anos 90, era precisamente isso que acontecia. Numa tentativa de juntar o útil ao agradável, o projetista alemão (que na altura acabara de redesenhar o atual Red Bull Ring) foi incumbido da tarefa de dar à Malásia um circuito com infraestruturas modernas para a F1 visitar.

Alguns elementos interessantes de design, como as coberturas das bancadas serem desenhadas com inspiração em folhas de palmeiras locais, foram introduzidos numa pista com 15 curvas, enorme largura de traçado e escapatórias amplas. E, claro, duas grandes retas e curvas muito desafiantes, num circuito que continua a ser classificado como um dos melhores que já passou pela Fórmula 1. O uso de luzes em vez de bandeiras também foi adoptado pela primeira vez aqui.

O produto final foi do agrado da F1 e do MotoGP, com temperaturas bem elevadas a testarem a resistência física dos pilotos e o perigo de chuvas torrenciais de monção a testar as capacidades de previsão dos meteorologistas das equipas.

A primeira visita de 1999 trouxe um regresso fulgurante do lesionado Michael Schumacher à Ferrari, que culminou no domínio do alemão até ele ceder voluntariamente a vitória ao colega de equipa Eddie Irvine; enquanto que a de 2000 viu Schumacher chegar com o título no bolso e a Ferrari a triunfar no mundial de construtores em terras malaias. A terceira visita, em 2001, viu uma corrida deitada do avesso por uma chuva repentina e abundante que atirou inúmeros carros para fora de pista. Mas no final: dobradinha Ferrari comandada por Schumacher.

2002 também foi um ano de domínio Ferrari mas foi Ralf Schumacher quem triunfou ao serviço da Williams, seguindo-se a primeira vitória na F1 de Kimi Räikkönen em 2003, com a McLaren (num GP em que Jenson Button perdeu o primeiro pódio da carreira na última curva). A pista também foi palco do surgimento da Renault como equipa de topo em 2005-06 e da primeira dobradinha Alonso-Hamilton na McLaren em 2007.

2009

Com um problema bastante sério em ultrapassar, com a proeminência de apêndices em cima de apêndices a nível aerodinâmico e com uma grande vontade de acabar com o duopólio Ferrari-McLaren dos dois anos anteriores, os decisores da F1 optaram por uma das mais drásticas mudanças de regulamentos aerodinâmicos de sempre da F1 para 2009. Aumento da altura total dos monolugares e da largura das asas traseiras, encurtamento da largura da asa traseira, introdução de KERS e eliminação de quase todos os apêndices permitidos. Tudo mudou.

Tudo para que a ordem competitiva da categoria mudasse. E assim foi. Com a FIA a fazer vista grossa a uma interpretação radical do novo regulamento (permitindo o conceito de “difusor duplo”), três equipas viram-se atiradas para a frente em relação a 2008: Williams, Toyota e, acima de todas, a Brawn.

Nascida à pressa das cinzas da Honda (e do seu investimento de centenas de milhões de euros durante 2008), a Brawn apressara-se a colocar um motor Mercedes no seu monolugar e mandou os seus dois pilotos dar o seu melhor no primeiro GP do ano. O resultado foi uma dobradinha de Jenson Button e Rubens Barrichello.

A segunda prova seria a de Sepang, para o GP da Malásia de 2009.

O paddock estava com uma disposição algo tensa, depois de um momento de confusão com o Safety Car na Austrália ter terminado com Lewis Hamilton a mentir sobre a manobra, de modo a tentar desclassificar Jarno Trulli. Tudo terminou, ao invés, com a desclassificação e pedido de desculpas do inglês.

A qualificação voltou a colocar Button em pole, desta vez seguido de Trulli e de um jovem Sebastian Vettel (que apanhou uma penalização de 10 lugares pelo incidente que tinha tido com Robert Kubica no GP anterior). Já na partida foi Nico Rosberg quem brilhou, saltando de 4º para 1º na primeira curva no seu Williams.

Enquanto as primeiras voltas se desenrolavam, o céu à volta do circuito parecia cada vez mais assustadoramente negro. Kimi Räikkönen recebeu instruções para colocar pneus de chuva intensa mas era demasiado cedo e o finlandês queimou os seus pneus enquanto perdia posições. A chuva acabaria por vir, primeiro com bastante intensidade e depois acalmando antes de voltar finalmente em força. Imensos carros começaram a sair de pista e o SC acabou por ter que intervir até uma bandeira vermelha terminar a ação.

O problema acabaria por ser não a chuva, mas a falta de luz do dia na pista malaia à medida que a pausa se arrastava. Räikkönen já nem queria saber: enquanto os pilotos permaneciam dentro dos monolugares na grelha para uma eventual relargada, o piloto da Ferrari era vista já sem fato de competição a comer um gelado. Mas, de facto, foi dado como terminado, com metade dos pontos a serem atribuídos (seriam precisos 12 anos para tal voltar a acontecer).

A Brawn continuava o seu início de sonho da temporada, com Nick Heidfeld e Timo Glock no pódio, e Rosberg ficaria extremamente deciopcionado pelo meio ponto somado.

Os pedidos de modernização

Tendo começado no final das temporada de 1999 e 2000, o GP da Malásia acabaria por ter, na maioria dos casos, edições menos atabalhoadas nos anos seguintes (com a excepção de 2009). Para 2010 e 2011 tornou-se no reduto pessoal de Sebastian Vettel e Red Bull, com triunfos confortáveis a caminho dos seus dois primeiros campeonatos.

Em 2012, ocorreria uma versão novamente afetada pela chuva com uma luta muito interessante entre o Ferrari de Fernando Alonso e o Sauber do novato Sergio Pérez. Foi o início de uma grande temporada do último, que culminaria com ser escolhido para substituir Hamilton na McLaren. Já o ano seguinte seria de ordens de equipa na Red Bull, com Mark Webber a ser passado por Vettel contra as instruções da equipa e terminando com a exclamação de Webber: “pois é, Seb, Multi 21” (o código de ordens de equipa da estrutura)… 2014 foi de domínio Mercedes e Hamilton triunfou com tranquilidade, enquanto que 2015 trouxe uma Ferrari em boa forma para dar a Vettel a sua primeira vitória nas cores de Maranello.

Cada vez com menos paciência para ouvir comentários sobre a necessidade de renovações da parte de Bernie Ecclestone e com menos vontade de continuar a pagar mais e mais para sediar o seu GP, a Malásia acabaria por abandonar a mesa de negociações e a sua prova voltou nos dois anos finais de contrato a ir para o fim do ano.

2016 foi a edição que muitos fãs recordam melhor. Hamilton liderava com tranquilidade quando o seu motor rebentou com fanfarra e chamas. Uma dobradinha caiu assim no colo da Red Bull (com Daniel Ricciardo na frente de Max Verstappen), mas quem estava mais feliz era mesmo Rosberg. Em luta pelo título com o colega Mercedes, Rosberg acabava de somar uma enorme fatia de pontos que o ajudariam a gerir a margem para Hamilton bem o suficiente para ser campeão no final do ano.

Verstappen venceu a derradeira edição, antes de Sepang abandonar a F1 e se dedicar por inteiro ao MotoGP.

Legado

A julgar pela maneira como rumores de uma segunda corrida na Singapura ou uma corrida em Doha serão os substitutos do espaço em falta no calendário, a Malásia não deverá contar com um regresso em 2022. Ainda assim, tornou-se claro nos últimos anos que existe um apetite pelo regresso do circuito de Sepang. Dificilmente sucederá, até pela presença de Singapura no calendário: quando estes se preparavam para entrar na F1 em 2008 nem pediram ajuda aos vizinhos para a organização, mas antes aos australianos, tal era a inimizade entre os países…

A entrada do GP da Malásia no calendário em 1999 marcou uma nova era de F1, que dominaria os anos 2000 e 2010 da categoria, com uma importância cada vez maior da Ásia em detrimento da Europa no automobilismo mundial. Com infraestruturas feitas de raiz para corresponder às necessidades dos F1 modernos, estes novos palcos forçaram os europeus a melhorarem as suas pistas (que na sua maioria tinham origens em meras estradas regionais ou aeródromos).

Não deixa de ser irónico que a Malásia tenha saído do calendário devido a um contra-movimento desta tendência, com o foco asiático a ter mudado do Sudeste Asiático para o Médio Oriente e para mais provas na América do Norte e Central.

No geral, Sepang foi palco de brilhantes provas de automobilismo, ultrapassagens, condições variáveis e desafios físicos para os pilotos devido ao calor. Um regresso seria sempre bem-recebido.

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“Flash” anterior: Wolf em 1977
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Fontes:
Racing Circuits \ Sepang





Wolf em 1977 – Flash

2 04 2022

Perante o estatuto presente da Williams como terceira equipa mais velha da F1, pode parecer difícil imaginar a estrutura nos seus tempos iniciais de final dos anos 70. Mas mais difícil ainda poderá ser imaginar que semelhante estrutura falhou ao fim de 2 anos na sua primeira concepção e foi comprada por um magnata canadiano que foi temporariamente bem-sucedido no seu lugar.

Walter Wolf, sem qualquer relação com o omnipresente Toto Wolff dos nossos dias, tornou-se parceiro de Sir Frank Williams na equipa do histórico líder da Williams em 1976 e não demorou muito a identificar o inglês como o grande obstáculo para o sucesso da estrutura Wolf-Williams, correndo com ele da equipa.

O sucesso veio com espantosa rapidez mas também parou de soprar com igual velocidade. A Wolf tornou-se uma nota de rodapé na história da Fórmula 1, enquanto que Sir Frank recomeçou do zero para criar um dos nomes mais icónicos do automobilismo mundial. Mas o que se passou naquele ano de 1977 em que nada disto parecia provável?

A união e posterior desmembramento da Williams

Tendo começado a operar uma equipa de carros-cliente na F1 em 1969, com o seu piloto talismã Piers Courage, a Frank Williams Racing Cars alcançou pódios logo ao início da parceria. Com o que Williams dificilmente estaria a contar era com o trágico falecimento em pista do talentoso Courage. A partir daí a equipa britânica começou a tornar-se mais sinónima com pontos muito ocasionais e uma sequência de anónimos pilotos pagantes (com algumas exceções como José Carlos Pace).

Quando 1975 chegou, a stuação financeira da equipa estava cada vez menos recomendável e Frank Williams precisou de contar com um novo parceiro para o salvar. Quem se chegou à frente foi Walter Wolf, um empresário canadiano que fizera a sua fortuna no início da década com o negócio do petróleo. Wolf tratou de remendar a situação e adquiriu 60% da estrutura, deixando Frank como chefe de equipa, e passando o nome para Wolf-Williams.

A equipa continuaria em Bennett Road mas passou a utilizar o equipamento comprado à Hesketh. Incluindo o carro, que passou a ser o Williams FW05, e o engenheiro Harvey Postlethwaite. Patrick Head, próximo de Frank, permaneceu e os pilotos seriam Jacky Ickx e Michel Leclere. Os monolugares, agora pintados de preto e dourado, não foram muito competitivos e nenhum dos dois pilotos durou o ano inteiro. Nem Frank.

Wolf acreditava que era preciso cortar com o passado e começou uma reestruturação da equipa. O fundador original estaria relegado para tarefas de procura de patrocinadores. Frank Williams não aceitou, bateu com a porta e, como represália, levou Patrick Head consigo para formar a Williams Grand Prix Engineering. Na nova Wolf, Peter Warr da Lotus assumiu a chefia da estrutura.

1977

O plano para a nova temporada era relativamente simples. Postlethwaite idealizou um novo chassis, o WR1 que fez uso do motor Ford Cosworth, e um rápido mas errático Jody Scheckter foi contratado à Tyrrell para guiar o único carro da equipa.

Scheckter qualificou-se em 11º na primeira corrida do ano na Argentina. Uma mistura de carro bem nascido com a rapidez natural do sul-africano serviu bem a equipa. Melhor ainda foi uma sequência de abandonos de vários carros à sua frente (Jochen Mass com motor rebentado, James Hunt e John Watson com suspensão partida, José Carlos Pace com calor excessivo no cockpit,…) que deixou Scheckter na liderança até ao final. A primeira corrida da Wolf terminou em vitória.

Era o pior pesadelo possível para Frank Williams, que se dedicou com ainda maior afinco à nova estrutura que formava.

Com meios muito menores que os das suas rivais, a Wolf provou ser uma equipa surpreendentemente competente ao longo do ano, acumulando diversos abandonos, é certo, mas também ótimas posições quando chegava até ao fim. Scheckter ficou no lugar mais alto do pódio mais duas vezes (GPs do Mónaco e Canadá, casa de Wolf) e somou 6 pódios adicionais, para terminar o campeonato como vice-campeão atrás do Ferrari de Niki Lauda.

Mesmo com apenas um piloto ao invés de dois, estes resultados foram o suficiente para colocar a equipa de Walter Wolf em 4º lugar no mundial de construtores.

As sequelas menos bem-sucedidas

Mantendo quase tudo estável para 1978, Postlethwaite tratou de adaptar a Wolf aos novos carros de efeito solo (ainda que fosse preciso esperar até à sexta corrida do ano). Scheckter conseguiria obter 4 pódios, sendo que a equipa decidiu operar com um carro extra a certa altura, primeiro para o privado Keke Rosberg da Theodore Racing, depois para Bobby Rahal na estrutura oficial nas duas provas finais.

No final desse ano, em que a equipa terminou num respeitável 5º lugar nos construtores, aconteceu o inevitável: não foi possível segurar mais Scheckter, que rumou à Ferrari para fazer parceria com Gilles Villeneuve. O canadiano, por razões óbvias de velocidade e nacionalidade, tinha chegado a ser uma prioridade para Walter Wolf. No final, a escolha recaiu sobre James Hunt, campeão de 1976 com quem Postlethwaite e Warr já tinham trabalhado na Hesketh.

A escolha foi errada. As 3 versões do Wolf de 1979 provaram não ser competitivas e Hunt simplesmente decidiu rumar a uma reforma antecipada a meio do ano, sendo substituído por Rosberg. Nenhum dos dois conseguiu um único ponto, num carro que apenas terminou duas corridas…

Entretanto, Frank Williams, que fundara a Williams Grand Prix Engineering em 1978, viu o seu projeto de 1979 ter um final de ano fulgurante com 5 vitórias nos 7 Grande Prémios finais. Sem paciência para mais F1, Wolf vendeu o material da sua equipa a Emerson Fittipaldi e abandonou a categoria. A Williams acabaria campeã de 1980 com Alan Jones e Carlos Reutemann ao volante.

Legado

É difícil esquecer equipas que triunfam na sua primeira corrida na Fórmula 1. É por isso que até hoje todos se recordam da estreia da Brawn em 2009 e é por isso que todos se recordam dos carros pretos e dourados com a bandeira canadiana da Wolf a triunfar na sua primeira corrida de sempre em 1977 no GP da Argentina.

Mas também vale a pena recordar para além do sucesso imediato. Walter Wolf chegou à categoria máxima do automobilismo crente de que aquilo que atrapalhara a ascensão da anterior estrutura havia sido o fundador Frank Williams. Os sucessos iniciais pareceram corrobar esta asserção e quase deixaram Sir Frank à beira de uma depressão, mas o britânico perseverou.

Três anos volvidos e Walter Wolf abandonou a F1 sem ter somado um único ponto na derradeira época. Já Frank Williams recomeçara do zero e, mesmo sem saber, estava prestes a iniciar uma das mais dominantes equipas que já atravessou a F1 e que, sem o fulgor de outros tempos, permaneceu na grelha de partida da categoria até hoje.

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“Flash” anterior: Kimi Räikkönen em 2007
“Flash” seguinte: GP Malásia em 2009

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Fontes:
Autosport PT \ Wolf
Grand Prix \ Wolf
Motorsport \ Wolf
Motorsport Magazine \ Walter Wolf
Walter Wolf World \ História
Wikipedia \ Walter Wolf Racing