Kimi Räikkönen em 2007 – Flash

5 02 2022

Já tinha havido um abandono da Fórmula 1 de Kimi Räikkönen antes, mas havia uma expectativa de um regresso futuro (que se confirmou) do finlandês. Com 42 anos neste abandono, fica claro que já teremos assistido no passado mês de Dezembro ao último Grande Prémio de Räikkönen na principal categoria do automobilismo, aparentemente sem que o piloto tenha demonstrado desejo de prosseguir para outro futuro que não o de vida pacata.

Afastado dos lugares cimeiros da grelha nos 3 anos mais recentes, Räikkönen deixa para trás um legado para além do seu título mundial ao serviço da Ferrari (à data, o último conquistado pela Scuderia) que inclui uma imagem de antipatia por vezes justificada (e muitas vezes cultivada pelo próprio), de adorador do automobilismo na sua forma mais pura e de muita velocidade.

Ser objetivo no que toca a Räikkönen é-me impossível. Comecei a seguir Fórmula 1 “a sério” (vendo todas as corridas) em 2005, o primeiro ano em que Michael Schumacher deixou de ser campeão, por isso a lógica ditaria que fosse fã de Fernando Alonso. Mas as minhas memórias da época vão sempre para o carro prateado da McLaren, com o qual Kimi venceu magistralmente no GP do Mónaco. O título ficaria com Alonso mas as minhas memórias do MP4-20, rápido e frágil em quantidades extremas, capaz de vitórias e de falhas de motor em igual proporção, ficou para sempre na memória.

Felizmente para Räikkönen, o desejado título não ficou por conquistar. O percurso de carreira do finlandês após a conquista foi ainda mais interessante que aquele que percorrera para atingir o título. Uma boa dose de obstinação levou-o a permanecer num monolugar até bem mais tarde que vários dos seus contemporâneos (com a exceção de Alonso), com velocidade suficiente para não se ver em maus lençóis contra os seus mais recentes adversários.

Estreia antecipada e promoção imediata

À semelhança de vários outros pilotos, Kimi Räikkönen começou a competir no karting desde os 10 anos de idade. Aquilo que o distinguiu destes foi a quantidade risivelmente minúscula de corridas em monolugares que disputou até à estreia na Fórmula 1. Räikkönen participara em 4 corridas do campeonato de Inverno da Fórmula Renault Britânica em 1999 e vencera as 4. No ano seguinte participou em 10 no campeonato inteiro com a Manor, triunfou em 7 e sagrou-se campeão. Também na Fórmula Renault 2000 Eurocup também fez o pleno nas 2 provas em que participou.

Estas demonstrações de velocidade e um teste em que terá andado meio segundo mais rápido que um dos seus pilotos oficiais, levou Peter Sauber da equipa Sauber de F1 a batalhar por conseguir dar ao finlandês uma superlicença para que este fosse seu piloto em 2001. A FIA hesitou, incerta sobre se Räikkönen estaria preparado para saltar para um monolugar muito mais poderoso. A superlicença apenas veio condicionalmente: se o piloto mostrasse estar mal-prepaparado seria revogada.

Sauber aceitou. Tinha boas razões para o fazer. As proezas de Räikkönen, como ter levantado o kart à mão no Mónaco depois de um acidente e continuado até ao 3º lugar ou ainda ter demonstrado à sua equipa que tinha um volante partido ao acenar com ele na mão enquanto acelerava na reta. Na primeira prova do ano, na Austrália, Räikkönen completou uma pontuação dupla da Sauber ao terminar num impressionante 6º lugar.

Foi um excelente ano para a Sauber. Kimi fazia dupla com um jovem alemão apoiado pela McLaren / Mercedes, Nick Heidfeld, e a equipa tinha no C20 um carro em que podia confiar. Heidfeld conseguiu 12 pontos e um pódio, enquanto que Räikkönen fez 9 pontos. Quando no final do ano Mika Häkkinen, compatriota de Kimi e bi-campeão mundial, anunciou que abandonaria a F1 fazia mais sentido assinar Heidfeld (até pelas ligações Mercedes). Mas Ron Dennis, líder da equipa, optou por apostar em Räikkönen com as palavras de conselho de Häkkinen em mente: if you want to win, sign a Finn (“se queres vencer contrata um finlandês”).

2002 seria um ano difícil para todas as equipas que não fossem a Ferrari. Os italianos dominaram por completo a temporada e as sobras foram poucas. Mas Räikkönen foi um dos que aproveitou. Novamente na Austrália, o piloto soube aproveitar a confusão da primeira volta para fazer o primeiro pódio da carreira. Foi um de quatro que o finlandês somou em 2002 (incluíndo um que soube bem amargo porque chegou a liderar a prova antes de cometer um erro que deixou passar Michael Schumacher) no meio de inúmeros abandonos por problemas de motor.

Apesar de ter ficado atrás do colega experiente David Coulthard, Räikkönen mostrara potencial e 2003 seria um ano decisivo para a sua imagem de futuro campeão. A McLaren projetara um chassis arrojado, o MP4-18, que acabaria por não correr devido à equipa simplesmente não o conseguir fazer funcionar em testes. Assim, Coulthard e Räikkönen tiveram que usar uma versão modificada do carro de 2002, o MP4-17D.

A Ferrari, para surpresa geral, não demonstrou o domínio do ano anterior, apesar de continuar muito rápida. Nas duas primeiras corridas do ano, duas vitórias McLaren (Coulthard na Austrália e Räikkönen com o primeiro triunfo da carreira na Malásia). Apesar de os ingleses não o saberem, foram as únicas vitórias do ano. E no entanto lutaram pelo título mundial. A chave do sucesso foi simples: enquanto Williams e Ferrari dominaram fases da temporada, Räikkönen arrumou Coulthard a um canto e percebeu que consistência absoluta seria a chave para o triunfo. O jovem acumulou sete 2º lugares e falhou os pontos em apenas duas ocasiões para chegar ao GP do Japão com hipóteses de título. Em Suzuka, Rubens Barrichello daria um triunfo vital à Ferrari com Räikkönen em 2º. Schumacher ficou em 8º e levou o 6º título por 2 pontos sobre Räikkönen.

Para tornar a situação mais difícil, o MP4-19 de 2004 era um McLaren que aliava à falta de fiabilidade a falta de velocidade. Nas primeiras 7 corridas do ano, apenas 1 ponto. A estreia da versão B a meio do ano ajudou, dando a Kimi o segundo triunfo da carreira no GP da Bélgica e mais 3 pódios, mas a equipa apostou as suas fichas para 2005.

Os novos regulamentos atiraram a Ferrari para o meio da tabela, mas não foi a McLaren quem melhor aproveitou a brecha. A Renault e Fernando Alonso somaram 5 vitórias nos 7 primeiros GP. Durante o resto do ano, Räikkönen e a McLaren demonstraram ter um pacote melhor, indo à caça do espanhol. Vitórias em Espanha e Mónaco foram ofuscadas por uma falha de pneu a uma volta do fim do GP da Europa quando era líder. Alonso venceu.

O novo colega de equipa do finlandês, Juan-Pablo Montoya, era extremamente cotado mas não foi grande ajuda na primeira metade do ano. Montoya falhou duas corridas por uma lesão a jogar ténis e pareceu não ser capaz de acompanhar o ritmo de Räikkönen depois de regressar, para além de ser inconsistente. Além disso, o motor Mercedes provou ter constantes falhas, a ponto de uma imagem de marca ser Räikkönen a fazer pole mas a partir de 11º devido aos 10 lugares de penalização por troca de motor… Entretanto, Alonso fazia o mesmo que o rival fizera em 2003: pontuar consistentemente no pódio.

O título escaparia novamente, apesar de Räikkönen ter somado 7 vitórias tal como Alonso. Houve ainda mais uma demonstração do ritmo diabólico do finlandês no GP do Japão. Partindo de 17º devido à chuva da qualificação, Kimi fez ultrapassagem a atrás de ultrapassagem com o seu McLaren rapidíssimo e na última volta apanhou o Renault do líder Giancarlo Fisichella. Fisichella defendeu-se, Räikkönen foi para o exterior e passou por fora na primeira curva para triunfar no Grande Prémio.

O ressurgimento da Ferrari para 2006 não augurava nada de bom para a McLaren. Terceira força da temporada inteira, os ingleses acabaram por fazer vários pódios ao longo do ano mas Räikkönen falhou a grande oportunidade que teve de vencer durante o ano, num ensopado Hungaroring, quando chocou com um retardatário.

Com interesse da equipa que sempre quisera representar, a Ferrari, Räikkönen pareceu ter acreditado que se fosse para ser campeão com a McLaren já teria acontecido e assinou pela Ferrari para 2007 por 3 anos com opção de mais um. Quando Schumacher anunciou a sua reforma no GP de Itália, o finlandês inclusive ficou a saber que nem teria que dividir a equipa com o campeão do mundo no ano seguinte.

2007

Sem Schumacher mas a herdar um projeto que quase conquistara os títulos mundiais no ano anterior, Räikkönen carregava grandes expectativas sobre o que a Scuderia poderia fazer, até porque o campeão em título Alonso mudou de equipa para uma McLaren que não fora competitiva em 2006 (e com direito a um estreante como colega de equipa). E na primeira corrida do ano as expectativas foram cumpridas. O piloto finlandês fez pole position, volta mais rápida e dominou a corrida para terminar confortavelmente na frente dos dois McLaren.

Bastou chegar à segunda prova para que o cenário da temporada se complicasse.

No GP da Malásia os McLaren mostraram mais ritmo que na corrida anterior e Alonso colocou-se entre o pole Massa e o terceiro Räikkönen. Pior ainda, os dois McLaren de Alonso e do estreante Lewis Hamilton partiram melhor e colocaram-se nas duas primeiras posições. Massa caçou-os mas começou a impacientar-se. Uma saída de pista do brasileiro deixou Räikkönen em 3º no final de uma corrida em que não teve hipóteses contra os carros prateados.

Seguiram-se dois Grande Prémios em que o colega de equipa, cotado como seu segundo piloto, conseguiu a proeza de dominar e triunfar, sendo que num deles o fez com uma ultrapassagem musculada sobre o bi-campeão Alonso no GP caseiro do espanhol. Räikkönen ainda limitou os estragos com um pódio no primeiro mas abandonou com problemas elétricos no segundo. Hamilton liderava agora o campeonato, mesmo sem vitórias.

Um 16º lugar na qualificação de Monte-Carlo deixou Räikkönen em apuros para a corrida, apesar de uma recuperação até ao ponto final em 8º. Os três rivais ficaram no pódio. Uma corrida caótica seguiu-se no Canadá e na outra prova da América do Norte ocorreu a terceira dobradinha McLaren do ano, com Massa em 3º na frente do colega. Räikkönen, numa temporada em que parecia finalmente fadado a vencer, via-se a com 32 pontos contra os 58 do líder do campeonato (Hamilton na antiga equipa do finlandês). Seriam precisas três corridas sem o rival pontuar para que Räikkönen conseguisse assumir a liderança.

De qualquer forma, era preciso começar a vencer outra vez. Qualificado em 3º para o GP de França, Räikkönen passou Hamilton na primeira curva e começou a perseguir Massa, conseguindo (ao parar duas voltas mais tarde) assumir a liderança que não voltaria a largar. Segunda vitória do ano conquistado, com a terceira ao virar da esquina com mais uma boa decisão de estratégia da Ferrari a ditar o triunfo, desta vez sobre Hamilton. Räikkönen era novamente o melhor Ferrari do campeonato, a 18 pontos de Hamilton.

No GP da Europa do Nürburgring a chuva fez das suas, deixando Räikkonen e Hamilton sem pontos. Dois segundos lugares seguidos na Hungria e Turquia foram conseguidos nas duas provas seguintes, e depois chegou o GP caseiro da Ferrari em Monza, onde Räikkönen ficou em 3º lugar a ver os dois McLaren fazerem uma dobradinha. 18 pontos separavam outra vez o piloto da liderança.

Depois veio o Grande Prémio da Bélgica, onde Räikkönen sempre fora dominante. Uma dobradinha Ferrari com o finlandês na frente deu ânimo à equipa italiana, mas a estreia do circuito de Fuji no calendário duas semanas depois trouxe uma vitória de Hamilton em condições de chuva muito intensa, com Räikkönen a limitar os estragos com o seu 3º lugar.

A matemática do título era agora essencialmente impossível. Com 20 pontos em jogo para as duas corridas finais, o piloto finlandês era o único Ferrari com hipóteses mas a 17 pontos. Na prática, era preciso que os McLaren implodissem (até porque Alonso estava a 12 do colega estreante). A única vantagem do piloto da Ferrari era que o ambiente McLaren estava de cortar à faca: Alonso nunca gostou de ver um rookie a lutar com ele e os dois pilotos tinham acumulado muitos momentos azedos ao longo do ano; e mais importante ainda, a McLaren fora multada em 100 milhões de dólares e desclassificada do mundial de equipas por Mike Coughlan ter sido apanhado em posse de propriedade intelectual do carro da Ferrari desse ano.

A primeira parte do milagre foi conseguida no GP da China. Em condições de pneus intermédios, Räikkönen partiu de 2º à caça de Hamilton em 1º. O finlandês conseguiu passar o rival quando este saiu largo devido ao desgaste dos seus pneus. Depois Hamilton entrou na via das boxes para a sua paragem. E saiu largo, indo para a gravilha de onde não conseguiu retirar o carro. A vitória confortável de Kimi com Alonso em 2º deixou o título a 3 para a última corrida. Mas continuavam a ser 7 pontos de desvantagem em 10 possíveis.

No GP do Brasil a qualificação trouxe uma ordem de partida Massa-Hamilton-Räikkönen-Alonso. O líder do campeonato começou a perder posições, culminando com uma travagem queimada numa disputa com Alonso, que o atirou para 8º. Estava a recuperar posições quando o seu carro ficou inoperacional durante 30 segundos, recusando-se a engatar mudanças. Um reset de Hamilton no volante resolveu o problema mas nessa altura já caíra para 18º. Uma recuperação de prova inteira deixou-o em 7º no final. Apenas uma vitória de Räikkönen ou um 2º de Alonso lhe roubariam o título.

Alonso apenas chegou em 3º, incapaz de dar luta aos Ferrari. Massa liderou o GP de casa com autoridade, mas a Ferrari inverteu os seus carros nas boxes. Vitória no GP do Brasil para Räikkönen que venceu o seu primeiro título mundial de F1 por 1 ponto de vantagem sobre Alonso e Hamilton. 3 vitórias nas 4 corridas finais deram-lhe a improvável matemática necessária para a conquista.

Abandono, regresso, abandono e tudo mais

Com o título conquistado em 2007 e 2 vitórias nas 4 primeiras corridas de 2008, Räikkönen parecia destinado a iniciar uma nova dinastia de Ferrari no campeonato do mundo. Mas daí em diante começou a ficar difícil manter os resultados. Depois do seu título parecia faltar algo à motivação do finlandês, como se a multiplicação de conquistas não fosse por si só suficiente para manter o foco. O colega Massa foi o líder da Ferrari nesse ano, lutando pelo título contra o McLaren de Hamilton. Räikkönen ainda deu um ar de sua graça em Spa-Francorchamps quando lutou taco a taco contra Hamilton mas a prova acabou no muro, e daí em diante foi a vez de Kimi ser segundo piloto.

O título fugiria das mãos de Massa por 1 ponto e 2009 trazia novos regulamentos para o piloto recuperar a inciativa. Só que o Ferrari F60 foi terrível sob todos os prismas e os 3 primeiros GPs nem pontos renderam. Räikkönen fez o primeiro pódio da equipa no Mónaco e viu-se promovido a líder da equipa quando Massa teve um acidente grave na Hungria (que o deixou de fora até ao final do ano). Ainda deu para um triunfo, na Bélgica. Com a Ferrari interessada nos serviços de Alonso para 2010 e Massa com uma boa cotação, Räikkönen via-se empurrado para fora da estrutura apesar de ter mais um ano de contrato.

Não querendo ficar onde não era desejado e não tendo chegado a acordo com a McLaren para um regresso, como colega de equipa de Hamilton, o piloto fez algo de inesperado pelo paddock: aceitou uma indemnização da Scuderia e assinou com a Junior Team da Citroën para 2010. Um primeiro ano ao lado de uma futura lenda do campeonato de rally (Sébastien Ogier) não o ajudou mas ainda conseguiu pontuar e vencer uma etapa (primeiro piloto de F1 a fazê-lo). Em 2011 continuou com um Citroën de entrada privada, pontuando com frequência mas nunca conseguindo parecer dosear bem os riscos. 5º lugar no Rally da Turquia 2010 foi o seu melhor resultado.

Só que faltava algo para a motivação de Räikkönen. Luta em pista. Depois de uma brevíssima incursão na NASCAR em 2011, Räikkönen deu ordens claras aos seus empresários: arranjarem um lugar no grid de 2012 da F1. Negociações foram conduzidas com Lotus e Williams e no final, Kimi assinou com os primeiros por 2 anos.

Com os seus detractores a questionarem a readaptação à F1, o finlandês fez pleno uso do seu talento para regressar aos pódios logo na sua quarta corrida de volta (em que perseguiu o campeão Sebastian Vettel), que foi acompanhado por outro na prova seguinte (o GP de Espanha, circulando o rumor de que estivera em festas durante a maioria das horas entre os dois GP). A Lotus acabaria o ano no 4º lugar dos construtores, com Räikkönen em 3º no de pilotos e a fazer 7 pódios e 1 vitória (em que exclamara “sei o que estou a fazer, deixem-me em paz” quando a equipa tentara dar-lhe informações pelo rádio).

2013 trouxe novo triunfo na primeira prova do ano e a equipa da dupla Räikkönen-Grosjean esteve forte (mais 7 pódios de Kimi), mas haviam problemas graves nos bastidores. Com um salário base baixo mas grandes prémios por pontos, o piloto agravara as contas da equipa em 19 milhões de euros. Isto misturou-se com outros problemas financeiros a ponto de a estrutura correr o risco de falir e Räikkönen ficou com salários em atraso, aumentando as tensões com a equipa.

Luca di Montezemolo, presidente da Fiat que rescindira com Räikkönen em 2009, engoliu o orgulho e propôs um contrato ao finlandês, para substituir o cada vez mais inconsistente Massa. Sem opções de maior relevo, Räikkönen aceitou.

O ano de 2014 seria o de nova alteração dos regulamentos falhada pela equipa italiana e os dois pilotos (Kimi e Alonso) sofreriam com o carro, sem vitórias. Alonso bateu com a porta no final desse ano, sendo substituído pelo 4 vezes campeão Sebastian Vettel. A parceria de Vettel com Räikkönen foi serena, até porque os dois se davam bem desde antes de ser colegas de equipa, mas coincidiu com uma certa perda de velocidade de Räikkönen. Ou, pelo menos, uma demonstração de que já não tinha a idade para não se preparar de acordo com os novos padrões físicos e técnicos da Fórmula 1 (que Vettel cumpria religiosamente).

O resultado foi ter sido sempre o segundo piloto de Vettel durante o período entre 2015 e 2018, procurando ajudar o alemão nas lutas pelo título contra a Mercedes de Hamilton. Em nenhum dos anos foi possível destroná-los e a equipa acabaria por optar por trocar o finlandês pelo novo jovem talento Charles Leclerc, vindo da Sauber. Räikkönen faria a viagem inversa para integrar a sua primeira equipa de F1 nos anos finais de carreira, despedindo-se da Ferrari com uma vitória no GP dos EUA de 2018 (o período de 2013 a 2018 representou a maior distância entre vitórias de um piloto na história da categoria).

Na Sauber (que passou a utilizar o nome Alfa Romeo desde 2019), Räikkönen teve a companhia do estreante Antonio Giovinazzi e a dupla procurou fazer o seu melhor com chassis que simplesmente não estavam à altura. No primeiro ano o finlandês pontuou bem mais do que o italiano (43 contra 14), no segundo empataram (4 contra 4) e neste último ano de 2021 saiu nova vitória interna do finlandês (10 contra 3).

No pelotão do fim, e apenas com material para mostrar o seu talento em certas ocasiões (como no GP de Portugal de 2020 em que passou em pista húmida mais de 10 carros na partida), Räikkönen anunciou a sua reforma, deixando claro que não saía, para já, para ingressar noutras categorias. Queria alguma paz e sossego com a família.

Legado

A mística em redor de Räikkönen excedeu em muito os seus feitos de piloto. Quantos outros campeões de 1 único título mundial podem gozar dos níveis de popularidade do finlandês? Desde a alcunha “Iceman” tatuada no braço até à sua maneira monocórdica de falar (que até os seus compatriotas parecem achar difícil de compreender em certas ocasiões), tudo em Kimi se tornou em imagem de marca.

Isto não impede que se faça um retrato menos risonho. As poucas palavras por vezes não eram mais do que antipatia, a recusa em facultar mais informações (desrespeitosa dadas as funções necessárias a um piloto de competição) e certos episódios da primeira metade da carreira (como não ajudar uma criança fã que caíra) denotam algum mau gosto.

Mas Räikkönen também deixou muito no seu legado da categoria. De 17º a 1º em Suzuka 2005. As pole positions dos GP do Mónaco 2017 e Itália 2018, quando a maioria já lhe apontava falta de motivação ou velocidade. A maneira como correu bem mais do que o carro durante os anos Lotus. A longa estadia na Ferrari, famosa trituradora de pilotos.

No momento de saída Räikkönen parecia aliviado. Foram 19 temporadas de F1 em 21 anos para o piloto que se estreara na F1 como o mais inexperiente estreante da história (Max Verstappen entretanto bateu essa estatística), tornando-o o homem com mais Grande Prémios disputados da categoria (350 GP). Pelo meio houve espaço para 1 título mundial, 21 vitórias, 18 poles, 46 voltas mais rápidas e 103 pódios. E tornar-se uma lenda viva da Fórmula 1.

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Lancia em 1956 – Flash

8 01 2022

Poucos nomes conseguem a proeza de conjugar em doses tão generosas a excentricidade de não serem grandes construtoras automóveis com o palmarés de numerosas vitórias no automobilismo tão bem quanto a Lancia.

A marca italiana, fundada em 1906 pelo piloto e mecânico Vicenzo Lancia, passou por várias fazes de desenvolvimento ao longo do seu centenário de experiência e, para desapontamento de muitos fãs de automobilismo, tem sido relegada pelo grupo Stellantis a um papel para além de secundário. A sua única tarefa, depois de ter colocado os seus logótipos em Chryslers para vender na Europa durante alguns anos, reside na venda do modelo Ypsilon na Itália.

Nem sempre foi este o estado natural da marca, no entanto. Mesmo décadas e décadas depois, a Lancia continua a ser recordista de títulos mundiais de rális com 10 triunfos no campeonato. Os seus modelos tornaram-se lendários e sinónimos de nostalgia pura (modelos como o Stratos, 037 e Delta).

Menos conhecido, e não reconhecido nos recordes de F1, está o D50 com que Juan Manuel Fangio conquistou o seu 4º título mundial.

De Vicenzo Lancia à aventura cortada a meio na F1

O fundador da Lancia, tal como em vários casos do automobilismo dos anos 50, era um dos carismáticos pilotos / mecânicos que quis experimentar aventurar-se em ser chefe de equipa. Vicenzo Lancia, aprendiz dos irmãos Ceirano (que fundariam a Fiat) e piloto de testes foi quem decidiu fundar a nova construtora automóvel em 1906, mas continuou a correr ao serviço da Fiat.

Após a sua morte, o filho Gianni tomou controlo da marca e no período pós-Segunda Guerra Mundial decidiu que se queria imiscuir no mundo dos Grande Prémios em 1954. Contratando um projetista de renome (Vittorio Jano), a Lancia tinha uma montanha enorme para escalar dado o domínio dos Mercedes W196. Assim começou o projeto D50.

Com um motor posicionado diagonalmente no chassis, o carro evitava a presença de um eixo longitudinal debaixo do assento do piloto (melhorando o comportamento em pista), tinha um motor V8 de 2,5 litros, caixa de velocidades montada na traseira e os líquidos (combustível e óleo) eram mantidos dentro dos eixos de modo a evitar efeitos nocivos na condução à medida que o volume destes diminuía. Tudo isto fabricado com precisão milimétrica e cuidado extremo, a ponto de provocar dívidas enormes à Lancia.

Com os seus 620 kg, que o tornavam um dos mais leves concorrentes, o Lancia D50 foi colocado em pista pela primeira vez no Grande Prémio de Espanha de 1954 e dominou a concorrência nas voltas em que funcionou (9) com Alberto Ascari. Mas 1955 seria o ano para verdadeiramente testar o novo carro com o mencionado Ascari, Luigi Villoresi, Eugenio Castellotti e Louis Chiron. No Mónaco Ascari chegou a liderar depois do abandono do Mercedes de Juan-Manuel Fangio, mas um erro atirou-o para as águas do porto (onde quase se afogou). Nesse ano as únicas vitórias foram mesmo em provas extra-campeonato em Turim e Nápoles (com Ascari).

Mas depois chegou a tragédia. Alberto Ascari perdeu o controlo do Ferrari que estava a testar em Monza e faleceu (com 30 anos de diferença para o pai quando este falecera no GP de França de 1925). Gianni Lancia rapidamente perdia o apetite por continuar na F1.

1956

Com um rol enorme de dívidas, Gianni estava decidido a terminar o seu envolvimento e a Lancia só correu em uma outra prova de 1955 porque Castellotti quis inscrever-se como privado no GP da Bélgica. A solução passou por vender a marca automóvel a Carlo Pesenti da multinacional Italcementi e os D50 a Enzo Ferrari.

A Ferrari pegou nos modelos e desenvolveu-os (se bem que eliminaram algumas das caraterísticas mais incomuns do monolugar), mudando-lhes o nome para Lancia-Ferrari D50 e usou-os na temporada de 1956. Com a saída repentina da Mercedes da F1 no ano anterior (em grande parte pelo desastre de Le Mans de 1955) o campeão do mundo em título, Fangio, estava disponível para ser contratado e assim foi para a Scuderia. A luta pelo título entre a Ferrari e Maserati acabaria por ser também entre os ex-colegas da Mercedes, Fangio e Stirling Moss.

Fangio abandonou a primeira corrida em casa, mas fez uso do carro do colega de equipa Luigi Musso (na época era possível fazer isto e dividir os pontos finais) para triunfar na Argentina. Moss, por outro lado, abandonou e não assumiu o controlo do carro de nenhum colega. Quando o britânico triunfou na corrida seguinte no Mónaco, Fangio voltou a fazer uso da divisão de carro para minimizar os estragos com um 2º lugar.

O D50 triunfaria também pelas mãos do americano britânico Peter Collins nas provas seguintes (GPs da Bélgica e França), com Moss a limitar os estragos o melhor possível com um 3º e 5º lugares. Em terras francesas em particular, os Lancia-Ferrari foram dominantes. Na Inglaterra coube aos BRM liderarem até abandonarem, depois seguiu-se Moss até o mesmo lhe suceder até sobrar Fangio, que triunfou. O argentino acabaria por repetir o lugar mais alto do pódio no Nürburgring com a vantagem de o colega Collins ter abandonado, sem ficar ferido, e estar agora a 8 pontos de distância.

A única maneira de Collins roubar o título a Fangio e Moss seria com uma vitória e uma volta mais rápida. A meio da prova, Fangio abandonara e Collins estava em 2º com boas hipóteses de triunfar. Só que o americano parou e passou o carro a Fangio, magnanimamente. O argentino terminou em 2º e os pontos divididos deram-lhe mais um título mundial, um que sempre agradeceu a Collins. Questionado sobre o porquê de o fazer, Collins disse que teria ainda mais oportunidades de ser campeão. Infelizmente, faleceu no GP da Alemanha de 1958 sem o fazer.

Compra pela Fiat: o bom e o mau

As presenças na Fórmula 1 terminariam por aqui. Em 1957 uma evolução do D50 até foi usada, mas a Ferrari já eliminara o nome Lancia do chassis. Fangio abandonou a equipa, mal impressionado com a preparação do seu carro. Já a marca automóvel perdurou com Carlo Pesenti, destacando-se como produtora de carros tecnologicamente avançados e luxosos (e caros) como o Fulvia, Flavia e Flaminia. Com as vendas em baixo, a empresa quase faliu até ser resgatado pelo grupo Fiat.

A presença da Fiat acabaria por ter duas faces. Por um lado permitiu-lhes financiar o segmento do automobilismo, particularmente o mundial de rallyes. Um a um, a Lancia lançou alguns dos mais icónicos carros da história do WRC. Primeiro veio o belíssimo Stratos, que fora criado com o menor número possível de versões de estrada (apenas as suficientes para cumprir o regulamento) por ter sido feito para triunfar nas mãos de pilotos como Sandro Munari. Depois chegou o 037, com tração às rodas traseiras num mundo em que tinha que competir com o Audi quattro mas capaz de voar nas mãos de homens como Walter Röhrl e Henri Toivonen. Por fim, o Delta com que Toivonen somou triunfos.

Inicialmente, a influência Fiat fez maravilhas às vendas da Lancia. Com acesso a componentes dos “restos” da Fiat, a Lancia produziu o Beta. Este era equipada com bons motores, caixa de 5 velocidades, suspensão independente e discos de travões em todas as rodas, para além de estar a um preço bem mais acessível. O sucesso foi suficiente para que a marca chegasse a ser vendida nos EUA. Mas depois, veio o rude acordar.

Ao contrário de anteriormente, os carros eram mal construídos, com o aço da sua construção a ser o pior de tudo. Era aço soviético, devido a acordos da Fiat, que era mais fino e logo de menor qualidade. Com as chuvas, os carros começavam a enferrujar com imensa facilidade, a ponto de quase se dissolverem. Tendo que gastar milhões a comprar de volta muitos destes carros, a marca teve ainda a desvantagem de ver o seu nome indissociável de má qualidade, a ponto de nunca mais conseguir vender nos EUA e no Reino Unido.

Quando o Grupo Fiat adquiriu parte da General Motors, a Lancia sofreu o seu golpe mais forte: passou a vender apenas modelos de outras marcas com crachás da Lancia (especificamente, o Fiat 500 e vários Chryslers).

Legado

Há poucos nomes na história do automobilismo que consigam espelhar tão bem a mistura de saudosismo produzida pelo nome Lancia. Quando a MAT pegou no chassis de um Ferrari 430 recentemente e lhe modificou o visual de modo a parecer uma reinterpretação moderna do Lancia Stratos, estes venderam rapidamente. Para além de terem fascinado muitos fãs de automobilismo. A conclusão parece óbvia: existe um apetite para um reavivamento da marca.

A grande incógnita é se a marca conseguirá sequer figurar entre o Top 10 de prioridades do grupo Stellantis, dado o enorme portofólio que possuem de momento.

No que toca à participação na Fórmula 1, bem se pode considerar que a Ferrari deveu uma grande parte do seu sucesso ao saudoso Lancia D50. Sem o falecimento de Alberto Ascari, e com uma equipa de gestão mais concentrada em não exceder os seus limites financeiros, quem sabe onde poderia ter chegada a aventura dos italianos nos Grande Prémios dos anos 50…

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“Flash” anterior: Jarno Trulli em 2004

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Fontes:
– HILL, Tim; THOMAS, Gareth. The Encyclopedia of Formula 1. Parragon (2012)
Dyler \ Lancia Beta
ESPN \ Lancia
Josh Revell \ WTF Happened to Lancia?
Revs Institute \ Lancia D50
Wikipedia \ Lancia D50





Com muita $egurança

3 06 2011

Foi hoje anunciado pela FIA, o conjunto de alterações aos calendários dos mundiais de Fórmula 1 e de Ralis, bem como a decisão acerca do GP Bahrain.

E sobre este último ponto, tal como na decisão do ano passado acerca da punição à Ferrari, na sequência dos acontecimentos em Hockenheim, a FIA mostrou até que ponto se degradou em nome do dinheiro. O GP bahrenita vai ocupar o lugar no calendário que estava reservado ao GP da Índia, sendo que não foi definido quando se irá colocar a estreia do circuito de Jaypee na F1.

Motivos de $egurança ditaram o regresso do Bahrain...

Tenho que ser honesto quando digo que nunca tive tanta vergonha da Fórmula 1, nem mesmo aquando do Crashgate, ou de Hockenheim, ou do Stepneygate, senti tanto que a F1 se rebaixou por completo por mais um pouco de dinheiro. Ainda para mais tendo em conta os lucros que este desporto consegue, ficando a sensação de que a F1 a querer o Bahrain por 40 milhões de euros, é como ver um milionário à luta por uma moeda de um cêntimo…

O cúmulo disto é que foi dito que estavam reunidas as condições de segurança para a realização da corrida, no mesmo dia em que circulou a notícia de mais desacatos e repressão no país!

Sobre o calendário de 2012, há que notar a estreia do GP dos EUA, na pista de Austin. O total bastante falado de 21 corridas dificilmente se concretizará, visto que os GP’s da Europa e da Turquia ainda são incógnitas, pois o circuito de Valência não é do agrado dos pilotos ou fãs, e o circuito de Istambul, embora seja um grande circuito, não atraiu o público local, e não poderá comportar um aumento dos custos que Ecclestone quer.

Sobre o mundial de Ralis, há pouco a dizer: de ressaltar o regresso do Rali de Monte-Carlo, e a “prova longa” da Argentina, mas pouco mais.





Primeiro round para Hirvonen

13 02 2011

Terminou o Rally da Suécia, com a vitória de Mikko Hirvonen. O finlandês voltou a vencer nos troços suecos, contudo desta vez contou com grande oposição.

Mads Ostberg foi a surpresa da prova.

Para começar a surpreendente forma de Mads Ostberg, que embora pertencesse à “secundária” Stobart. O norueguês liderou a parte inicial do rally, contudo acabou por ser Hirvonen no seu Ford oficial a levar a melhor depois de uma demorada luta, por 6,5 segundos. Um dos destaques (pela negativa) acabou por ser a forma dos Citroen, que foram batidos pelos Ford. Ogier ainda conseguiu recuperar até ao 4º lugar, mas Loeb sofreu furos e ficou em 6º, muito abaixo do esperado.

O episódio mais estranho acabou por envolver Petter Solberg, que foi apanhado em excesso de velocidade pela polícia numa ligação entre etapas, tendo-lhe sido retirada a carta, e obrigando o seu co-piloto a ter que guiar o seu DS3

Veja os resultados completos aqui.