É rara a aparição de um piloto que não passou pela Fórmula 1 nesta rubrica, mas há ocasiões em que a amplitude de feitos mais que justifica um olhar de recordação. Dario Franchitti é um dos exemplos mais claros disto.
Nascido na Escócia e com origens italianas, Franchitti tem desempenhado ao longo dos últimos anos as funções de comentador de Fórmula E ao lado de Jack Nicholls, mas a sua ótima carreira de televisão é apenas um extra ao que foi uma brilhante carreira de piloto cortada antes de tempo.
Múltiplas vezes campeão da IndyCar, o escocês desenvolveu um domínio pouco usual da categoria de monolugares americana, o que não o impediu de tomar o gosto por maquinaria mais pesada nem de testar Fórmula 1 nas horas vagas. A sua escolha consciente pelos EUA em detrimento de uma remota possibilidade de obter o seu espaço na F1 pode ter sido uma das melhores decisões da sua vida.
A trilhar caminho em terras americanas
Tendo começado a sua carreira de piloto a vencer o título junior de karting escocês com apenas 11 anos, Franchitti foi subindo a escada das categorias de promoção britânicas uma a uma até à F3 (em 1994). Ao invés de continuar na categoria, o piloto recebeu um convite da AMG para se juntar aos alemães no campeonato nacional (DTM) e no internacional (ITC). Em 1995, chegou um 5º lugar no DTM (4 pódios) e um 3º no ITC (1 vitória e 4 pódios).
Com o fim do ITC em 1996 (na qual terminou num respeitável 4º lugar), a Mercedes procurou-lhe uma alternativa a seu gosto. Felizmente, haviam opções. Para além de um lugar na CART (uma das duas categorias de monolugares dos EUA após uma cisão da categoria única anterior), Franchitti recebeu uma oferta de piloto de testes da McLaren na F1 (já recebera da equipa o prémio McLaren Autosport de jovem promissor). Indo obrigá-lo a viagens EUA-Europa constantes, o escocês tomou a corajosa decisão de rejeitar a McLaren em favor de concentração total com a equipa Hogan Racing na CART.
Um primeiro ano de resultados modestos (o melhor foi 9º em Surfers Paradise) não conseguiu esconder o seu talento e trouxe-lhe uma oportunidade de se mudar para a mais competitiva Green Racing em 1998. Apesar de alguma inconsistência, os resultados começaram a chegar. Nas 6 provas finais chegaram 3 vitórias, deixando-o 3º no campeonato.
1999 acabou por ser um bem-sucedido mas frustrante. Empatou para o título em pontos com Juan Pablo Montoya, mas o colombiano tinha mais vitórias e o título pertenceu-lhe. Um acidente na pré-temporada de 2000 acabaria por deixá-lo com sequelas suficientes para que tivesse um ano pouco competitivo e um 2001 com apenas uma vitória. Mas 3 vitórias e 4º lugar em 2002 pareciam indicar que a regularidade nas suas performances voltara (houve também um teste de F1 com a Jaguar, que acabou com o piloto a não ficar bem-impressionado).
Com a equipa Green a ter competido na rival da CART, a IRL, para as 500 Milhas de Indianápolis em 2002, 2003 viu uma mudança permanente da estrutura para a IRL. Franchitti acompanhou, apesar de uma nova lesão (desta vez num acidente de estrada ao volante de uma mota) o ter obrigado a um programa encurtado.
Michael Andretti entretanto entrara na estrutura da Green, para formar a Andretti Green Racing, e Franchitti soube manter-se nos anos seguintes com pontuações constantes e 4 vitórias, para além das suas primeiras presenças nas 500 Milhas.
2007
Ao anunciar a sua manutenção no campeonato de IndyCar com a Andretti iniciou aquela que seria a sua temporada de consagração na categoria, mas também a que mostrou a versatilidade que possuía em diferentes categorias. O ano foi de vitória à classe 12 Horas de Sebring (LMP2) e de outras participações na Le Mans Series Americana.
Tendo começado o ano com um 7º em Homestead, Franchitti só voltaria a terminar mais baixo que isso à 13ª ronda do ano. A primeira vitória chegou, de todos os locais possíveis, nas 500 Milhas de Indianápolis encurtadas pela chuva. Nas 7 corridas seguintes, o escocês não deixou fugir o Top 4 uma única vez, liderando a temporada confortavelmente.
Não que tudo tenham sido facilidades: em Michigan capotou num incidente em que Scott Dixon passou com o carro bem perto da cabeça de Franchitti, e no Kentucky não se apercebera que a corrida terminara (levando-o a acertar com força num rival lento, incidente pelo qual assumiu a sua responsabilidade).
O título chegou na prova final por uma margem curta sobre Scott Dixon, mas o verdadeiro choque do ano seria o anúncio do piloto de que não continuaria na IndyCar para 2008, dado que iria assumir uma aventura na NASCAR ao serviço da Dodge.
NASCAR, mais títulos e outras peripécias
Não seria uma aventura muito longa para Franchitti neste campeonato americano, uma vez que falta de fundos de patrocinadores ditariam o final da campanha antes de tempo (mas não sem antes conseguir fraturar o tornozelo esquerdo num acidente). Ainda nem 2008 tinha terminado e já o piloto estava de regresso aos comandos de um IndyCar.
Agora a pilotar os monolugares da Chip Ganassi Racing, o escocês não demorou tempo nenhum a recuperar o balanço. Na segunda prova de 2009 (Long Beach) já estava a triunfar e, incrivelmente, venceu os títulos de 2009, 2010 e 2011, perfazendo um total de 4 títulos em 5 anos no habitualmente imprevisível campeonato americano. Mais duas vitórias nas 500 Milhas em 2010 e 2012 também o colocaram confortavelmente entre os maiores vencedores da prova.
Só que a juntar à sua velocidade e vitórias, Franchitti começava a acumular mazelas. Quando se acidentou com rivais em Houston em 2013 na última volta da corrida, o piloto sofreu uma fratura na coluna, no tornozelo direito e uma concussão. Os médicos avisaram-no de que corria um risco sério paralisia permanente caso continuasse a correr e o piloto fez o que poucos costumam fazer neste ramo: levou o aviso a sério e anunciou a sua reforma antecipada das pistas.
Para além de se ter tornado um diretor de competição na Chip Ganassi, Franchitti tem vindo a ganhar notoriedade como comentador de Fórmula E desde a estreia da categoria em 2014.
Legado
Quando se tem a conversa sobre que pilotos que nunca tiveram a oportunidade de deixar a sua marca na F1, Dario Franchitti é com frequência referido. O piloto escocês optou cedo na sua carreira por dizer não a uma vaga possibilidade de estrear na possibilidade de integrar a categoria máxima do automobilismo, de forma a poder construir uma carreira sólida nos EUA.
E que carreira que teve. Franchitti tornou-se sinónimo de IndyCar em terras americanas, até pela impressionante forma como acumulou 4 títulos no espaço de 5 anos ao serviço de nomes como Andretti ou Chip Ganassi. Mas também se tornou sinónimo de acidentes, frequentes e aparatosos, que acabariam por lhe ditar o final antecipado da carreira por motivos de segurança.
Geralmente afável com os fãs, o piloto reinventou-se agora como comentador televisivo após pendurar o capacete, algo que, tal como a sua aventura pelos EUA, muitos tentaram e poucos conseguiram fazer com sucesso. Em ambos os casos, Franchitti foi um sucesso instantâneo.
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“Flash” anterior: Thierry Boutsen em 1989
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Fonte:
– Motorsport \ Dario Franchitti