Phil Hill em 1961 – Flash

14 05 2023

Nascido em Miami em 1927, Phil Hill foi dos campeões mais atípicos da história da Fórmula 1. Não necessariamente a nível de carreira para um piloto que competiu na F1 dos anos 60, uma vez que os seus princípios foram os de mecânico e piloto simultaneamente (e um desejo bem forte de competir com tudo o que tivesse rodas), mas sim pela mentalidade com que abordava a competição.

Sobre a maneira como lidava com o automobilismo, Hill era citado da seguinte forma:

“O automobilismo atrai o que de pior tenho em mim. Sem ele, eu não sei que tipo de pessoa me poderia ter tornado. Mas não sei se gosto da pessoa que sou agora. Correr torna-me egoísta, irritável, defensivo. Se pudesse sair deste desporto com qualquer ego, fá-lo-ia.”

Dificilmente as palavras de um intrépido aventureiro dos anos 60, mas a verdade é que Hill não se deixava intimidar. Descrito como um perfeccionista disciplinado, o americano esforçava-se por esmiuçar todos os detalhes dos carros que conduzia e acabou a sua carreira com um título de F1, 3 vitórias nas 24 Horas de Le Mans, 3 vitórias nas 12 Horas de Sebring e 1 nas 24 Horas de Daytona.

Perigos e prazeres do automobilismo

Pouco próximo dos seus pais durante a juventude e sem grande propensão para desportos, o caminho de Hill até ao automobilismo acabou por vir de um fascínio mecânico por carros. Tendo chegado a começar a tirar uma licenciatura em business administration na Universidade do Sul da Califórnia, o americano acabaria por desistir para se tornar ajudante mecânico de um piloto com garagem própria.

Conduzir ensinou confiança ao jovem Hill, que também aprendeu piano durante a sua infância, e a maneira como resolvia o seu medo de falhar era pela atenção ao detalhe. Não demorou muito para que passasse à competição, vencendo pela primeira vez em 1949 num carro desportivo.

O seu grande defeito era a tensão em que se colocava a si próprio antes das provas, preocupando os seus chefes de equipa e causando estragos físicos a si próprio (chegou a estar de forma tenso que desenvolveu úlceras e ficou 10 meses fora de competição, sob a influência de fortes analgésicos).

Mas, demonstrando que o piloto balanceava os perigos e prazeres do automobilismo como poucos, Hill começou a impressionar com Ferraris de equipas privadas, acabando por ser convidado para a marca oficial em Le Mans, onde triunfou ao lado de Olivier Gendebien em 1958 sob chuva intensa. Também triunfou em Sebring com Carroll Shelby nas 12 Horas num Ferrari, assim como em Daytona com Pedro Rodríguez nas 24 Horas (também de Ferrari).

Tudo conquistas sonantes com nomes sonantes. Mas Enzo Ferrari hesitava em colocá-lo na equipa de F1, achando-o demasiado sensível para ser bem-sucedido. Mas os falecimentos de Peter Collins e Luigi Musso forçaram-lhe a mão.

1961

Viver na Europa foi uma experiência diferente para Hill, que vivia num hotel ao lado da fábrica da Ferrari e fazia vida relativamente solitária. O americano mantinha-se em forma e explorava monumentos e castelos nas horas livres, além de manter o seu amor por música com idas à ópera. Nas pré-temporadas regressava à Califórnia para restaurar carros antigos (e pianos), mas a inatividade irritava-o.

Com alguns pódios na época de estreia na F1 (1958 em Itália e Marrocos), Hill precisou de esperar até 1960 para fazer uma temporada completa (com exceção das 500 Milhas), ano em que venceu um Grande Prémio pela primeira vez com um triunfo em Monza, bem na frente dos tiffozi. O regresso no ano seguinte acabaria por ser de tristeza.

O ano começou bem, com um 3º lugar no Mónaco e um 2º na Holanda. A vitória chegou em Spa-Francorchamps e já começava a ser claro que a luta pelo título estava confinada ao americano e ao colega de equipa Ferrari, Wolfgang von Trips. Um deslize em França não teve consequências de maior, mas von Trips foi-lhe conquistando pontos no Reino Unido e na Alemanha.

Em Monza, ia a penúltima corrida do ano na sua segunda volta quando von Trips se acidentou com o Lotus de Jim Clark e voou disparado para o público. O jovem alemão morreu, juntamente com 14 espectadores. Hill venceu a prova e o título, mas a experiência foi traumatizante (até porque viria a ser um dos carregadores do caixão de von Trips).

“Nunca experienciei nada tão profundamente triste na minha vida.”

A aventura ATS e mais vitórias em Le Mans

Com um título mal celebrado, Hill iniciou a temporada de 1962 com resultados tão bons quanto nos do ano anterior, mas foi Sol de pouca dura. O americano pontuou nas primeiras três provas do ano, mas acabou por não conseguir mais um único daí em diante. O autodiagnóstico era simples: a fome de vencer e a vontade de se arriscar por resultados desaparecera.

Isso não o impediu de acompanhar Giancarlo Baghetti quando ambos acompanharam vários engenheiros sénior para a criação da ATS (Automobili Turismo e Sport), devido a desentendimentos entre a cúpula e a mulher de Enzo Ferrari (Laura). Apesar da ambição, o projeto seria um falhanço total e em 1963 a melhor colocação foi 11º em Monza. Ainda houve tempo para Hill correr em 1964 com a Cooper e para mais um par de corridas com carros privados, mas o tempo do piloto na F1 tinha terminado (ainda que tenha gravado cenas para o filme “Grand Prix”).

Em Le Mans as participações continuaram, ao serviço de Ford e Chaparral (além de mais 2 vitórias nas 24 Horas durante a estadia na Ferrari); tal como as de carros desportivos (que lhe deram vitórias em Sebring e Daytona).

Hill tem a curiosa distinção de ter vencido a sua primeira corrida de carreira (1949) e a última (1967). Após a reforma dedicou-se ao seu hobby de restauração de veículos e foi também comentador.

Legado

Pouca ocasião terá havido em que um piloto tenha atingido um pico tão alto no automobilismo enquanto, simultaneamente, demonstrava opiniões tão negativas sobre o que correr lhe fazia à saúde mental.

Hill começou a correr como forma de desenvolver a sua confiança, permaneceu em competição apesar de ter atravessado felicidades e infelicidades em quantidades similares (e apesar dos nervos que isso lhe dava) e acabaria por dizer que o automobilismo era “um confronto com a realidade”. Para ele “muitas pessoas passam as vidas sem nunca ir a lado nenhum” e o automobilismo ajudava-o a sentir um propósito.

Tendo falecido em 1981 com Parkinson, Hill deixou para trás uma carreira de sonho, tendo passado os seus anos pós-competição como restaurador e casado com a namorada de longa data (Alma Hill), além de ter desempenhado as funções de comentador e de ter recebido a honra de ser introduzido no Hall of Fame do automobilismo norte-americano (sendo o único piloto nascido nos EUA a ser campeão de F1).

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“Flash” anterior: Audi em 2000

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Fontes:
Britannica \ Phil Hill
Esportelândia \ Phil Hill
F1 \ Phill Hill Hall of Fame
Motorsport \ Phil Hill
Race Fans \ Phil Hill
Terceiro Tempo \ Phil Hill
Wikipedia \ Phil Hill





Audi em 2000 – Flash

4 02 2023

O recente anúncio da entrada da Audi na Fórmula 1 em 2026 através de uma parceria com a equipa Sauber foi o culminar de um “namoro” de décadas da categoria com a marca automóvel alemã. Há muito que se aguardava que a construtora do grupo Volkswagen entrasse com todo o seu investimento na categoria máxima, até pela experiência que a marca já possui noutras categorias em que entrou com uma nova estrutura.

Apesar de ter sido bem-sucedida na Fórmula E até à sua saída neste ano e de um historial de peso no WRC, o melhor exemplo da competência Audi em competições FIA vem dos campeonatos de endurance. Especificamente umas inacreditáveis 13 vezes em 15 possíveis durante o período de 2000 a 2014, quando voluntariamente abandonou a competição à “irmã” Porsche.

Tal como na esmagadora maioria dos casos de sucesso no automobilismo, o segredo do sucesso dos alemães tem muito a ver com uma combinação de investimentos avultados, preparação meticulosa e profissionalismo extremo. Para além dos talentos de uma lenda de Le Mans que dá pelo nome de Tom Kristensen.

A preparação

Tendo começado a sua vida tal como a concebemos sob o nome Auto Union (a união de Audi, Horch, DKW e Wanderer, a estrutura com o seu logo de quatro anéis unidos viria a ser renomeada Audi aquando de um acordo de parceria com a NSU. Sob a égide do grupo Volkswagen, a nova empresa acabaria por fazer de carros de luxo velozes o seu segmento de mercado.

Tendo passado décadas a ver a Porsche acumular triunfos nas icónicas 24 Horas de Le Mans, a Audi sabia que queria tentar a sua sorte nos campeonatos de resistência durante a década de 90 (altura em que várias das suas concorrentes se achavam envolvidas). Em 1997, nasceu o R8R, um projeto de protótipo com que a Audi se lançaria para um assalto a Le Mans. Em 1998 foi visto em público pela primeira vez, com o seu cockpit aberto mas sem os detalhes necessários. Quando o R8R se lançou às pistas em 1999 em Sebring para as 12 Horas, com um motor V8 bi-turbo de 3,6 litros, tudo evoluíra: uma traseira mais proeminente, uma frente mais rasteira. Apesar de uma qualificação menos boa, em prova a sua consistência e durabilidade elevou-o até ao pódio. Mas faltava velocidade.

Com as devidas modificações, lançaram-nos contra as feras da BMW e Toyota em Le Mans no mesmo ano. Qualificando-se em 9º e 11º, os Audi acabaram por voltar a aguentar-se melhor que os rivais. Uns respeitáveis 3º e 4º lugares foram a recompensa, batidos apenas por um BMW e por um Toyota. Já os protótipos R8C, utilizados ao mesmo tempo, pareceram ineficazes, pelo que a marca optou por basear o seu “verdadeiro” protótipo no R8R ao preparar o seu projeto final, o R8.

Estima-se que o R8R, que ainda competiu em 2000 (na American Le Mans Series e no Silverstone 500), debitava à volta de 610 cavalos, tendo atingido os 335 km/h nas 24 Horas de 1999.

2000

À medida que a Audi ganhava cada vez mais balanço, uma prenda estava prestes a cair-lhe no colo. As rivais estavam determinadas a abandonar a endurance. A Mercedes queria dedicar-se ao DTM, a Nissan saiu por dificuldades financeiras, a Toyota e BMW preparavam-se para tentar a sua sorte com um salto rumo à F1. Sobrava a compatriota Porsche, que acabaria por desistir também (remores indicam que poderá ter sido por pressão de Ferdinand Piech que exercia funções administrativas em ambas as marcas).

Sobravam, portanto, a Panoz e a novata Cadillac na categoria principal para combater a Audi, que se apresentava na sua força total com 3 carros. O número 7 com Christian Abt, Rinaldo Capello e Michele Alboreto; o número 8 com Frank Biela, Tom Kristensen e Emanuele Pirro; e o número 9 com Laurent Aïello, Allan McNish e Stéphane Ortelli. Pilotos com experiência moderada de endurance e de campeonatos de turismo alemães e italiano (com um par de ex-pilotos F1).

A Audi não deu a mais pequena hipótese logo a partir da qualificação. Com o #9 na frente, os alemães foram a única equipa a colocar-se dentro dos 3m36s (na verdade, o Panoz em 4º só estava a fazer 3m39s…) e partiu da dianteira para a prova que começou no sábado. E aí se manteve o #9 durante grande parte do início da corrida, até precisar de trocar a caixa de velocidades e cair atrás dos dois colegas.

O Panoz #11 ainda ameaçou a retaguarda da Audi mas acabou por abandonar, e mesmo o Cadillac #3 da DAMS sofreu com um furo nos instantes finais das 24 Horas. O resultado disto foi que a Audi teve direito ao seu photo finish com os 3 carros nos 3 primeiros lugares da classificação, com a vitória a caber ao #8 pilotado por Michele Alboreto, Frank Biela e Tom Kristensen.

Os sucessores dinásticos

Kristensen acabaria por se tornar sinónimo de Audi e de Le Mans nos anos que se seguiram. Foram 6 triunfos consecutivos entre 2000 e 2005 (um foi com a Bentley em 2003, mas a marca britânica desenhara o seu Speed 8 com base em desenhos da Audi, uma vez que ambas pertenciam ao mesmo grupo automóvel), mais 2 isolados em 2008 e 2013, além de um anterior em 1997.

Após o sucesso do R8, que se manteve em ação até 2005, seguiram-se as suas evoluções do R10, R15 e R18. Todas conseguiram cruzar a linha de chegada das icónicas 24 Horas em primeiro lugar e cimentaram a marca alemã como uma das maiores vencedoras da prova, logo atrás da Porsche. Porsche essa que o grupo VW também colocou de volta à competição a meio da década de 2010, acabando por ditar o fim da aventura da Audi (não por resultados, mas para passar a marca dos quatro anéis para o foco na Fórmula E).

Na categoria elétrica, a Audi acabaria por vencer os títulos de pilotos e equipas em 2016-17 com Lucas di Grassi. O abandono da competição em 2021 acabou por se traduzir na preparação da estrutura para finalmente se aventurar na Fórmula 1, onde já anunciou que será fornecedora de motores a partir dos novos regulamentos de 2026 e dona da equipa Sauber (onde já colocou Andreas Seidl como diretor técnico).

Legado

É raro ver no automobilismo a entrada de uma marca por si só a provocar o terror nas rivais estabelecidas. Mas é precisamente isso que a Audi tem conseguido fazer sempre que anuncia os seus planos para integrar uma nova categoria. Foi assim com os rallys, foi assim com os campeonatos de endurance e foi exatamente assim que foi acolhida pelo paddock da Fórmula 1.

O domínio da Audi nas 24 Horas de Le Mans no início deste século marcou toda uma geração de pilotos para respeitar as siglas R8, R10, R15 e R18 como algumas das mais perfeitas máquinas de competição já criadas, que apenas a Peugeot conseguiu bater numa ocasião (2009).

Este historial não foi atingido pela simples força do nome: não há categoria em que a marca dos quatro anéis não se meta sem ter primeiro um plano detalhado e fundos de grande dimensão para ajudar na implementação. A assinatura de Andreas Seidl na F1 com este avanço para a aliança com a Sauber já serve de aviso para as rivais sobre o que esperar em 2026…

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“Flash” anterior: Dario Franchitti em 2007

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Fontes:
Facebook (Motorsport) \ Le Mans 2000
Racing Sports Cars \ Le Mans 2000
Trade Classics \ Audi nas 24 Horas
Wikipedia \ Audi R8R





Dan Gurney em 1967 – Flash

16 05 2021

Existe uma regra básica no campeonato do mundo de Fórmula 1: quando se consegue um lugar numa equipa vencedora não se muda de sítio. A chegada a uma estrutura capaz de se bater por triunfos na F1 é o culminar de um processo iniciado por pilotos remontando os seus tempos de karting, um passo que a maioria dos seus rivais nunca consegue na carreira. É a razão pela qual, aquando da sua promoção à Red Bull, Sergio Pérez dizia precisar de se beliscar para garantir que estava mesmo a ter a sua grande oportunidade depois de uma década em equipas do meio da tabela.

O facto de Juan-Manuel Fangio ser o único a ter conseguido títulos consecutivos com marcas diferentes, ou de Michael Schumacher ter abandonado a campeã Benetton para mais tarde triunfar na Ferrari, são meras exceções quando se estuda a história da categoria. Por isso, quando um piloto decide ir diretamente contra esta norma oficiosa, é raríssimo que consiga voltar a atingir o auge anterior. Mas acabou por ser esta luta contra as probabilidades que fez de Daniel Gurney um dos mais respeitados homens da história da Fórmula 1.

Tendo entrado pela porta grande na categoria ao serviço da Ferrari em 1959, Gurney conseguiu a proeza de ser um dos mais bem conhecidos norte-americanos a ter passado no paddock da F1, e por fazê-lo com um projeto americano que permanece como possivelmente o mais bem-sucedido do país até à atualidade. Somou participações e vitórias num vasto conjunto de categorias de renome para além da F1 (como a IndyCar, o mundial de resistência ou a NASCAR) e as suas associações no automobilismo incluem lendas dos circuitos como Jack Brabham, Carroll Shelby e Bobby Unser.

Unser, sobre a apetência de decisões arriscadas e temeridade de Gurney, afirmou em 2019:

Quer dizer, claro, ele tornava as coisas difíceis para ele próprio – mas ele adorava fazê-lo dessa maneira! Era isso que tornava o Big Eagle tão especial.

A dura lição de início de carreira e a aprendizagem sob Jack Brabham

Filho de um mestre da Universidade de Harvard e neto de um inventor, Dan Gurney fez uso do seu espírito criativo para aplicações motorizadas desde cedo ao construir um carro com que correu a 222 km/h nas planícies de sal de Bonneville com 19 anos; e para aplicações militares, atuando como mecânico de artilharia na Guerra da Coreia. Mas a primeira grande oportunidade no automobilismo surgiu quando recebeu o convite para guiar a monstruosidade que era o Arciero Special em Riverside em 1957.

Com motor Maserati, componentes Ferrari e chassis Mistral, o carro provocava enormes dores de cabeça a homens experientes como Carroll Shelby e Ken Miles. Já Gurney adaptou-se perfeitamente, chegando em 2º lugar logo atrás de Shelby na primeira prova. Várias personalidades começaram a prestar atenção ao piloto de 26 anos, nomeadamente um importador Ferrari, Luigi Chinetti, que o colocou a competir em Le Mans pela marca. Por sua vez estas performances atraíram a atenção de Enzo Ferrari, que inscreveu Gurney em 4 provas de F1 de 1959 onde o americano somou 2 pódios e estabeleceu uma amizade forte com o outro piloto, Tony Brooks (que o descreveu como “um excelente piloto e um homem muito encantador”).

Como vários pilotos da sua época, Gurney optou por competir ao mesmo tempo no mundial de resistência e no de F1. O que o distinguiu foi a maneira como se conseguiu adaptar lindamente às diferentes filosofias de condução dos dois tipos de carros. Também o distinguiu dos seus contemporâneos a maneira como identificou a Ferrari como antro de politiquices que queimavam pilotos, optando por assinar para 1960 com a BRM na F1 (e pilotando nesse ano um Jaguar em Le Mans). Os britânicos só lhe souberam dar frustrações e pouca fiabilidade, apenas terminando uma prova (o GP do Reino Unido) em 10º.

Foi também o ano do acontecimento que mais marcou a maneira como Gurney se comportou em pista daí em diante. Uma falha de travões no GP da Holanda lançou o piloto para fora de pista, ficando com um braço partido e levando ao falecimento de um espectador. Gurney passou a ter uma enorme desconfiança de duas coisas: engenheiros de pista e travões. Em relação aos últimos, o americano ganhou o hábito de dar um toque leve nos travões antes de uma travagem forte, para se certificar de que tudo estava bem (“a escola cobardolas de travagem”, gracejava ele). Esta dinâmica viria a dar-lhe uma enorme vantagem sobre os rivais, particularmente nas provas de endurance.

Para 1961, Gurney acabaria por ser tentado pela Porsche a participar no seu novo programa de F1, abandonando a BRM. Durante dois anos representou os alemães com sucesso, acumulando 5 pódios, 1 pole e 1 vitória no GP de França. Os alemães acabariam por fechar o seu programa na categoria devido aos custos demasiado elevados. Apesar de ter sido 4º e 5º no campeonato nessas duas épocas, Gurney viu Graham Hill tornar-se campeão pela BRM em 1962. O americano começou também a tomar o gosto pela participação em provas de NASCAR e IndyCar nos EUA, a juntar ao seu já compacto programa de F1 e Endurance.

Sem contrato após a experiência Porsche, Dan Gurney acabaria tentado por Jack Brabham a integrar a sua equipa de F1 para 1963. Brabham tinha sido campeão em 1959 e 1960 pela Cooper, saindo para formar a sua própria equipa, na qual era o outro piloto. O duo Brabham-Gurney levaria a equipa do australiano até ao 3º lugar desse ano, e em 1964 foi Gurney quem deu à estrutura a sua primeira vitória (novamente em França). O piloto até deveria ter vencido a corrida anterior, mas ficou sem combustível na última volta (conseguiu o troco nesse mesmo ano, no GP do México, que venceu ao aproveitar o abandono do mesmo piloto que lhe roubara a vitória, o campeão em título Jim Clark).

Enquanto corria pela Brabham na F1, Gurney iniciou uma aliança duradoura com Carroll Shelby, guiando em cooperação com Bob Bondurant um Shelby Cobra Daytona em 1964 que os levou ao triunfo na classe em Le Mans. Shelby e Gurney tinham por esta altura já sonhado com a ideia de criar uma estrutura americana capaz de competir com as marcas europeias. Em cooperação com a Goodyear, nascia assim a All American Racers (nome que não fora inicialmente do agrado de Gurney, por o achar algo nacionalista). A AAR fez uso de carros da Lotus nas 500 milhas de Indianápolis (tendo o chefe da marca, Colin Chapman, sido convencido a aventurar-se em Indianápolis justamente pelo piloto americano).

Inspirado pelo exemplo do chefe Jack Brabham, por Shelby e por Chapman, Dan Gurney decidiu que, depois de um 1965 sólido com mais 5 pódios pela Brabham, queria triunfar na F1 com a sua equipa americana.

1967

O nome escolhido para o projeto da All American Racers seria Eagle. O carro denominado Eagle T1G, que teria por objetivo aproveitar as mudanças de regras de motores para 1966, seria equipado por um motor Weslake V12 mas não logo nas primeiras provas, onde teria ainda que contar com um quatro cilindros da Climax. As hipóteses de sucesso nestas condições seriam sempre difíceis. Dois 5º lugares foram o melhor que se pôde obter mas as bases estavam a ser lançadas, e não só na F1. A aliança com a Shelby American em Le Mans continuou, e Gurney teve nas suas mãos um dos mais famosos carros de sempre, o Ford GT40. A marca venceria pela primeira vez na prova com 3 carros nos 3 primeiros, mas Gurney abandonou.

Para dar alguma amargura à primeira temporada com a Eagle, a sua antiga equipa teve um ano de sonho. Os Repco V8 da Brabham revelaram-se bem-sucedidos e Jack Brabham, que Gurney batera nos seus tempos na equipa, tornou-se campeão mundial de 1966. O homem que substituiu Gurney na equipa, Denny Hulme, foi o campeão no ano seguinte.

Para 1967, e já com as melhorias no carro, a Eagle conseguia oferecer resistência aos todo-poderosos Lotus 49 e o seu motor Cosworth V8. Mas apenas quando o Weslake funcionava. Que foi em 2 das 11 provas do mundial de Fórmula 1. Essas duas provas foram os Grande Prémios da Bélgica e Canadá.

Na pista belga de Spa-Francorchamps Gurney partiu da primeira fila com Jim Clark e Jackie Stewart. Com um mau arranque e um problema de motor, o americano conseguiu elevar-se até ao 2º lugar, fez a volta mais rápida da prova e assumiu a dianteira na volta 21, após a qual liderou até ao fim e venceu com mais de um minuto de avanço sobre Stewart. Em Mosport, no Canadá, chegou em 3º. Nas restantes provas o problema era raramente o motor Weslake em si: os sistemas de injeção de combustível ou de óleo eram geralmente a fonte dos problemas. No GP da Alemanha chegou a liderar com 42 segundos de vantagem quando o carro o deixou desamparado a 2 voltas do fim.

Estas demonstrações de velocidade foram combinadas (num espaço de 3 semanas) com uma qualificação em 2º lugar para as 500 milhas de Indianápolis e uma extraordinária vitória nas 24 horas de Le Mans no seu Ford GT40 da Shelby American. Uma vitória que não estava garantida à partida devido às dificuldades no desenvolvimento do carro (tendo o piloto Ken Miles falecido a testar um deles), o caráter “tudo ou nada” com que a Ford encarava a prova, o colega de equipa A.J. Foyt (por ser piloto de ovais e estar, alegadamente, pouco preparado) e as fragilidades do Mk IV (estruturalmente fraco, demasiado pesado, pouco amigo dos travões, difícil de controlar,…). Só que a prova correu às mil maravilhas, com Foyt e Gurney a triunfarem confortavelmente sobre a Ferrari, estabelecendo um recorde (à época) de 388 voltas.

A passagem a lenda viva do automobilismo americano

Após 1967, Gurney passou ao estatuto de lenda viva para os americanos, particularmente por ter criado a mais famosa celebração das provas de carros no mundo, ao estoirar champanhe pela primeira vez quando reparou nos jornalistas que se aproximavam após o triunfo em Le Mans e os encheu de champagne.

Para dar uma ideia da dimensão da fama de Gurney, a revista Car & Driver chegara a começar uma camanha de “Dan Gurney para Presidente” relacionada com as eleições presidenciais americanas de 1964, e que reavivada de quando em vez. Se é verdade que as aventuras da Eagle e da AAR na Fórmula 1 começaram a perder força para 1968, último ano da campanha, com resultados pobres, a verdade é que tal também se deveu a uma mudança de foco das atenções para a IndyCar.

1968 e 1969 foram os dois melhores anos de Dan Gurney no campeonato que na altura se chamava o USAC Championship Car, acabando em 7º e 4º nos campeonatos desses anos nos monolugares da Eagle com direito a dois 2º lugares nas 500 milhas de Indianápolis. O piloto ganhou um hábito de ser “duro” com os seus carros, fruto de uma tendência de “brincar” com melhorias mecânicas, se bem que os seus contemporâneos minimizaram essa alegada antipatia com os carros, recordando que todos os grandes pilotos o são na busca por performance.

Gurney acabaria por se aposentar das tarefas de pilotagem até ao início dos anos 70, terminando a sua carreira de F1 com 3 corridas ao serviço da McLaren (a substituir o falecido fundador Bruce McLaren) e com um triunfo na primeira Cannonball Run em 1971 (uma prova de costa a costa nos EUA) ao volante de um Ferrari 365GTB/4 Daytona com o co-piloto Brock Yates, à média de 130 km/h numa distância de 4628 km em que foram consumidos 910 litros de combustível. O carro vencedor faz agora parte de uma coleção privada e é avaliado em vários milhões de dólares.

A partir daí Gurney dedicou-se à All American Racers até o filho passar a CEO em 2011. A AAR sob a sua tutela venceu 78 provas, 8 campeonatos e os seus clientes triunfaram em mais 3. Entre as provas vencidas incluem-se as 500 milhas de Indianápolis, as 12 horas de Sebring e as 24 horas de Daytona. Gurney foi também o autor de uma famosa carta em que convidou outros donos de equipa (na IndyCar) a formarem a sua própria categoria para escapar ao controlo da USAC, e assim nasceu a CART em 1978. A AAR foi também responsável pela aventura do protótipo Delta Wing em várias provas internacionais.

Legado

Uma das queixas mais comuns ao lidar com a análise das estatísticas da carreira de Dan Gurney na Fórmula 1 é o quão pouco estas refletem a inteligência, talento e tenacidade do piloto americano. 4 vitórias não são o espelho perfeito de alguém que conseguiu estrear na F1 pela Ferrari. 3 pole positions não demonstram os 2 títulos mundiais que poderia ter conseguido caso tivesse permanecido na Brabham. 19 pódios não parecem muito até se notar que correspondem a 20% das provas disputadas.

Depois há ainda a polivalência. A capacidade de triunfar em qualquer máquina, de triunfar nas 24 Horas de Le Mans, em provas de NASCAR, numa travessia norte-americana, em corridas de IndyCar. A capacidade de atingir aquele estatuto de “maior que a soma das suas partes” que o levaram a ser considerado como potencial candidato presidencial e o levaram a empreender no sonho da sua equipa americana capaz de se bater com os europeus.

Algumas honras ajudam a fazer justiça ao seu talento, claro. Em 1990 tornou-se membro do International Motorsport Hall of Fame e em 1991 do Motorsports Hall of Fame of America. Também faz parte do Hall of Fame do circuito de Sebring e da costa oeste da Stock Car, entre outras homenagens.

A apetência por tarefas difíceis prolifera pela vida de Gurney, falecido em 2018 com 86 anos, e o piloto brilhou em todas.

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“Flash” anterior: Silvio Moser em 1970
“Flash” seguinte: Pedro de la Rosa em 2006

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Fontes:
Drive Tribe \ 10 cars that defined the life of Dan Gurney
Grand Prix History \ Dan Gurney
Motorsport \ What made Dan Gurney one of racing’s ultimate heroes
Wikipedia \ Dan Gurney





Resumo – 9 apresentações concluídas, sobra a Ferrari

6 03 2021

De 15 de Fevereiro até ao dia de hoje, tivemos já 9 apresentações das 10 equipas do grid de Fórmula 1. Faltando apenas a Scuderia Ferrari (que o fará dia 10 de Março), foi possível ver já as armas de ambos os extremos da tabela. Haas e Williams, pelas dificuldades de 2020 e pela quase ausência de patrocinadores dos seus chassis, deverão passar por dificuldades na sua luta por não serem últimos no campeonato. Já a Red Bull e Mercedes mostraram o menos possível de ambos os seus carros, parecendo paranóicas quanto à possibilidade cópias, até porque deverá ser entre ambas a luta pelo título.

De resto, as outras 5 equipas estarão todos em disputa pelo 3º lugar do campeonato, provavelmente. Com exceção da Alfa Romeo, todas mudaram de pilotos, uma de motor e outras de identidade. Agora é só esperar pelos testes do Bahrain para ter uma melhor ideia de como alinham todos os intervenientes.

Em Sakhir abrirá também o campeonato de Fórmula 2, numa altura em que a Trident confirmou os seus piloto com o promissor Bent Viscaal e o experiente Marino Sato. Assim, apenas sobra preencher uma vaga na MP Motorsport para a F2 estar com o grid completo.

Fonte: Formula Scout

Red Bull compra PU da Honda

Confirmando o rumor que circulava há algum tempo, e intensificado após o anúncio do congelamento da tecnologia de motores até 2025, a Red Bull e a Honda anunciaram ter chegado a acordo para que a equipa austríaca possa continuar a usar os propulsores japoneses após este ano. Foi criada uma nova divisão (Red Bull Powertrains Limited) que montará os motores doravante e que, após 2025, desenhará as unidades motrizes da Red Bull e AlphaTauri na Fórmula 1.

Fonte: Autosport

Albert Park modifica pista

Com o objetivo de melhorar a qualidade da ação em pista no Grande Prémio da Austrália (se sempre for possível a visita da F1 na nova data de Novembro), a pista de Melbourne tem-se ocupado a modificar secções do traçado de modo a eliminar curvas lentas que possam impedir os bólides de se seguirem tão de perto durante a prova. Os promotores também mostraram abertura em relação a mudar a data tradicional do GP para o final da temporada de modo definitivo (tal como quando o GP da Austrália era em Adelaide).

Fonte: PlanetF1

F1 terá 3 corridas sprint em 2021

A Fórmula 1 está em discussões avançadas para que seja possível testar o conceito de corridas sprint nos sábados de Grande Prémios em 2021 em 3 provas selecionadas. Stefano Domenicalli da FOM mencionou a receptividade em relação à ideia de toda em gente (quem serão?) e mostrou vontade de proceder à alteração do modo como a ordem da prova de domingo é decidida, passando-a para um sistema híbrido entre o atual e o do grid inverso.

Fonte: Race Fans

Ferrari de regresso à categoria principal de Le Mans

Depois da toda a especulação sobre se a Scuderia iria utilizar os seus recursos extra, após a implementação do tecto orçamental na Fórmula 1, num hipotético regresso histórico ao mundial de endurance, ficou confirmado que irá de facto acontecer. A estreia ocorrerá em 2023, 50 anos depois da última participação na categoria principal.

Fonte: Top Gear

Fittipaldi correrá em ovais na IndyCar no carro de Grosjean

Ex-colegas na Haas na F1, Pietro Fittipaldi e Romain Grosjean vão dividir carro na Dale Coyne Racing da IndyCar nesta temporada. Fittipaldi correrá nas etapas ovais do calendário, enquanto que Grosjean fará as restantes. O brasileiro tinha já substituído o francês nas duas últimas provas de F1, depois do acidente grave de Grosjean.

Fonte: Race Fans





Resumo – Impasse resolvido, Hamilton renova com Mercedes

12 02 2021

Depois de vários meses em espera, e a apenas 1 mês de distância dos treinos de Inverno do Bahrain, Lewis Hamilton e a Mercedes chegaram finalmente a acordo para a continuação do inglês aos comandos de um dos carros alemães para 2021, quando, com a estabilidade das regras, se espera que possa vir a atingir o título mundial número 8 que o colocaria na frente do recorde de Michael Schumacher.

Apesar dos rumores que davam conta que o piloto assinaria por 2 anos com direito a veto em relação ao colega de equipa, no comunicado oficial dá-se conta que a renovação será de 1 ano apenas e que a fundação conjunta de uma associação de caridade relacionada com o apoio a maior diversidade e inclusão no automobilismo.

Com as novas regras a chegarem para 2022, parece claro que a equipa e o piloto deixam as suas opções em aberto para o próximo ano. Numa altura em que Hamilton tem 36 anos, fica a expectativa de ver se 2021 será o último do piloto na F1.

Fonte: Mercedes F1

Reunião de 5ª feira da FIA traz mudanças

Após a reunião de 5ª feira da FIA foram feitas 3 alterações à categoria: em primeiro lugar a confirmação do GP de Portugal no espaço vago do calendário de 2021; acordo unânime sobre o congelamento da tecnologia dos motores até 2025 (permitindo à Red Bull-AlphaTauri continuarem com os propuslores da Honda); e acordo de princípio sobre a possibilidade de testar o conceito de corridas sprint em alguns Grande Prémios de 2021.

Fonte: F1; Race Fans; BBC

Alonso envolvido em acidente, em recuperação

Na 5ª feira à noite a Alpine divulgou a notícia de que o seu piloto de regresso, Fernando Alonso, tinha tido um acidente com um carro enquanto treinava de bicicleta. Não é a primeira vez que acidentes deste género ocorrem com pilotos (Mark Webber em 2010 ou Alessandro Zanardi em 2020) e chegou-se a temer uma lesão grave. A equipa confirmou no dia seguinte que Alonso ficou com o maxilar superior fraturado e já fez uma intervenção corretiva. Depois do período de 48 horas no hospital é expectável, segundo a Alpine, que ele possa regressar progressivamente aos treinos.

Fonte: Alpine

Grosjean assina pela Dale Coyne na IndyCar

Depois de meses de especulação, e de até o próprio manger lhe ter sugerido parar, após o grave acidente no Grande Prémio do Bahrain, Romain Grosjean anunciou os seus planos para 2021. O francês irá participar nas provas não-ovais da IndyCar ao serviço da Dale Coyne, onde já correram ex-pilotos de F1 como Sébastien Bourdais, Esteban Gutiérrez e Justin Wilson.

Fonte: UOL

Magnussen em Le Mans com a Peugeot

De regresso a Le Mans em 2022 com um protótipo híbrido, a Peugeot anunciou os seus pilotos para o mundial de endurance. Para além de ex-pilotos de F1 como Kevin Magnussen, Jean-Éric Vergne (já trabalha com o grupo PSA na Fórmula E) e Paul di Resta, a equipa contará com o experiente Loïc Duval (que já venceu em Le Mans com a Peugeot em 2013), Mikkel Jensen e Gustavo Menezes.

Fonte: AutoCar





Os jovens da Mercedes

4 11 2020

Tal como todas as outras personalidades na internet, a Mercedes possui uma foto que não envelheceu tão dignamente quanto teria preferido. Na foto vemos os jovens Roberto Merhi, Christian Vietoris e Robert Wickens com casacos de cabedal e a fazerem o seu melhor para conseguirem passar um olhar que está algures entre arrogância e “não dormi bem ontem”.

O timming da foto tem que se lhe diga.

Foi divulgada dias antes da equipa vencer a primeira corrida depois do seu regresso à Fórmula 1 como construtora com Nico Rosberg no Grande Prémio da China de 2012. Embora seja hoje difícil de pensar no construtor alemão desta forma, a Mercedes de Abril de 2012 era gozada por ficar muito aquém das suas ambições, continuamente derrotada pela cliente McLaren. O regresso de Michael Schumacher tinha sido pouco produtivo e a equipa parecia compreender que teria de pensar num substituto para o alemão de 43 anos.

Assim, a Mercedes optou por fazer um remake de um dos elementos conhecidos da sua história: a formação de um programa de jovens. Os felizes contemplados, que teriam direito a participações no DTM pela Mercedes, foram Merhi, Vietoris e Wickens. Mas não funcionou dessa maneira. Vietoris e Wickens ainda fizeram carreira no DTM, com direto a vitórias, e Merhi esteve em algumas corridas de F1 em 2015 (sem ligação aos alemães). Ao mesmo tempo a Mercedes fez uma grande aposta em Lewis Hamilton para o lugar de Schumacher, naquilo que se revelou ser uma escolha acertada.

O que sobrou desse programa foi mesmo a foto duvidosa. Se bem que a foto não era inteiramente original. Tratava-se daquilo a que se poderia chamar de remake.

Os jovens originais

Em 1985, a Mercedes decidira fazer uma aliança com a equipa Sauber no mundial de endurance que culminou na vitória nas 24 horas de Le Mans em 1989. A marca alemã considerava também a possibilidade de regressar à Fórmula 1 e tomou a decisão de preparar um grupo de jovens promessas para essa estreia, dando-lhes lugar na Sauber para ganharem experiência de competição ao lado de pilotos experientes como Jean-Louis Schlesser e Jochen Mass.

O trio original era constituído por Karl Wendlinger, Heinz-Harald Frentzen e Michael Schumacher.

Wendlinger teve a menor quantidade de sucesso dos três, tendo participado em 5 temporadas de F1 até um acidente grave no Grande Prémio do Mónaco de 1994 lhe ter terminado a participação na categoria. Apesar disso conseguiu posteriormente triunfos no campeonato de GT e nas 24 horas de Le Mans.

Frentzen optou por sair da estrutura antes de tempo (e foi substituído sem grande brilho por Fritz Kreutzpointner) numa jogada que não o beneficiou, tendo-o levado a medíocres resultados na Fórmula 3000. Apesar disso conseguiu estrear-se na F1 justamente quando a Mercedes entrou na categoria aliada novamente à Sauber. Ao serviço da Sauber, Fretzen deu mostras de velocidade e assinou posteriormente pela Williams.

Nunca tendo atingido o sucesso que almejava com os campeões do mundo em título, Fretzen acabaria por se refugiar na Jordan para a sua mais bem-sucedida temporada com o 3º lugar no campeonato em 1999. A partir daí passou pelas pequenas Prost e Arrows antes de terminar a carreira em 2003 pela Sauber. 3 vitórias foram o seu legado na F1.

Michael Schumacher, menos cotado nos seus tempos de programa que Frentzen, estreou na F1 pelos seus próprios meios com a Jordan e a Benetton. Aquando da estreia da Sauber na categoria, os suíços tentaram usar uma cláusula que obrigaria Schumacher a correr pela Mercedes na categoria, mas sem sucesso. O alemão acabaria por vencer os seus 7 títulos mundiais ao serviço da Benetton e da Ferrari, acabando por apenas conduzir pela Mercedes na Fórmula 1 na segunda passagem entre 2010 e 2012.

A própria Mercedes acabaria por conquistar, até à formação da própria equipa que atualmente domina a F1, os seus títulos mundiais sem nenhum dos seus jovens e com a McLaren, ao invés da Sauber.

De volta a 2012, e com a assinatura de Hamilton pela equipa ao lado de Rosberg, a Mercedes acabaria por ter uma dupla estável até 2016 o que lhes retirou a necessidade de ter pressa na formação de talento. Deste modo, a equipa alemã optou por começar mais modestamente a desenvolver pilotos, nomeando apenas um piloto de reserva para começar.

Wehrlein, Ocon e Russell

O primeiro contemplado com a tarefa de ser piloto de testes da Mercedes foi o alemão Pascal Wehrlein. Com uma propensão para conseguir ficar nas primeiras posições dos campeonatos por onde passava logo no primeiro ano, Wehrlein foi vice-campeão de Fórmula 3 e fez uma aprendizagem muito rápida do DTM, tornando-se em 2015 o mais jovem campeão da categoria.

A promoção para a Fórmula 1 era cada vez mais necessária. Sem espaço nas equipas que fornecia na F1, Williams e Force India, a Mercedes optou por fornecer a mais jovem equipa do grid, a Manor. A estrutura britânica tinha-se safo de falência por um triz no ano anterior e tentava reestruturar-se, aceitando de bom grado assinar um rápido piloto a troco dos melhores motores do grid.

Wehrlein dominou o colega de equipa Haryanto e conseguiu inclusive pontuar de maneira brilhante no GP da Áustria. Após a pausa de Verão veio uma notícia de que o alemão não terá gostado: Haryanto seria substituído por Esteban Ocon.

Ocon foi a segunda contratação da Mercedes para o seu leque de pilotos jovens. O francês tinha também um historial de vencer competições logo de caras. Venceu a Fórmula 3 em 2014 e a GP3 em 2015. Durante o ano de 2016 a Mercedes optou por retirá-lo da sua estrutura de DTM e colocá-lo na Manor onde poderia ser comparado com Wehrlein. Após a estreia de Ocon, o melhor resultado Manor foi o 12º lugar do francês em Interlagos.

Para 2017, dois desenvolvimentos alteraram os planos da Mercedes: a Force India estava disposta a acolher um jovem Mercedes; e a Manor desapareceu do grid. Segundo consta, os alemães deixaram os indianos escolher qual dos dois pilotos queriam. A Force India escolheu Ocon.

Como membro mais sénior do programa, Wehrlein acabava de ser preterido. Curiosamente, não era a velocidade do piloto a razão da rejeição. Antes fosse. A Force India deu a entender que não gostara do caráter de Wehrlein, que não acreditava ser fácil trabalhar com ele. À pressa, e sem ponderar a hipótese de resgatar a Manor e fazer dela uma equipa B, a Mercedes arranjou um espaço na Sauber (com motores Ferrari) para Wehrlein se refugiar.

Novamente, Wehrlein conseguiu pontuar quando era quase impossível. Deu à Sauber 5 pontos, o que foi notável considerando que era o pior carro do grid. Na Force India, Ocon aprendia com o experiente Sérgio Pérez (apesar de alguns incidentes com o mexicano), aproveitando o bom ritmo do carro para mostrar o seu talento.

2017 chegou com o anúncio surpresa da saída do campeão Rosberg. Abria-se uma vaga na Mercedes.

Toto Wolff, líder da equipa alemã, optou por deixar Ocon mais um ano na Force India, acreditando que uma aprendizagem mais prolongada lhe faria bem. Sobrava Wehrlein. Agastado por 3 anos de rivalidade ferrenha entre Rosberg e Hamilton, Wolff queria alguém de convivência mais fácil. Contratou um piloto de que era manager, Valtteri Bottas, à Williams. Novamente preterido, Wehrlein viu a Mercedes nem estar sequer disposta a continuar a pagar a uma equipa sem motores Mercedes, terminando o acordo com a Sauber, que preferiu o dinheiro que Marcus Ericsson trazia.

Sem espaço, Wehrlein ficou como piloto de testes da equipa principal e voltou ao DTM, mas as sementes de discórdia estavam lançadas. Para 2019, o alemão assinou para ser piloto de testes Ferrari, sem dúvida para trazer segredos Mercedes, e passou para a Fórmula E com a Mahindra. Na primeira corrida, ainda em 2018, não pôde participar: a Mercedes fez uso do facto de Wehrlein ainda estar sob contrato Mercedes até 31 Dezembro. O divórcio não foi simpático.

A travessia de Ocon na Force India também trouxe más notícias. A equipa não chegou ao fim de 2018 sem ter que ser salva financeiramente pelo milionário Lawrence Stroll. Para 2019, Stroll colocaria o filho Lance como piloto. No momento de escolher entre os apoios mexicanos de Sérgio Pérez e o jovem da academia Mercedes, Stroll escolheu Pérez. Sem equipa por nova falta de comprometimento, Wolff ainda tentou negociar com a Renault, mas a contratação de Daniel Ricciardo obrigou Ocon a ser piloto de testes Mercedes, tal como Wehrlein antes dele.

Ao contrário de Wehrlein, Ocon soube ser o “bom aluno”, pacientemente esperando por Wolff lhe arranjar uma alternativa. E Wolff conseguiu, conseguindo colocar para 2020 o piloto na Renault ao lado de Ricciardo. Com um ano fora, o francês tem estado a sofrer com a paragem e terá de melhorar um pouco em 2021, quando terá Fernando Alonso como colega de equipa. Ainda e sempre, com um olho na possível vaga Mercedes de 2022.

Tal como George Russell. A terceira contratação do programa de jovens da Mercedes é, talvez, a mais impressionante. Russell tem feito uma carreira meteórica (pilotos como Lando Norris descrevem-no como “o” piloto a manter debaixo de olho quando subiam juntos os escalões) que, por ironia, só enfrentou dificuldades agora na Fórmula 1, não necessariamente por culpa própria.

Campeão de F4 britânica e primeiro piloto desde Lewis Hamilton a vencer Fórmula 3 e Fórmula 2/GP2 na primeira tentativa e em anos consecutivos, Russell soube aprender com os exemplos de Ocon e Wehrlein e não esperou pela Mercedes para tentar garantir a sua vaga. Abordando a Williams, uma das equipas clientes da Mercedes, Russell fez uma agora famosa apresentação sobre como era o elemento ideal para integrar a equipa. Impressionada, Claire Williams assinou-o num contrato de vários anos a começar em 2019.

Com a atual pior equipa do grid, Russell tem penado nas últimas posições, estando ainda a aguardar para pontuar pela primeira vez na categoria. Mostrando uma maturidade maior que os seus 22 anos indicariam, Russell, habituado a vencer, adaptou-se, não se deixou abater e tem sido o líder da equipa que se tenta reerguer. Os rasgados elogios de Wolff e do paddock em geral têm sido uma boa indicação sobre a potencialidade de vir a ser o sucessor de Hamilton na Mercedes.

No entanto, com a venda da Williams, chegou a estar numa situação muito delicada para 2021, apenas esclarecida neste passado fim-de-semana. Apesar do contrato, a Williams terá tido conversas com Sérgio Pérez, atraída pelo piloto sem contrato e os seus apoios. No GP da Emilia Romagna, o chefe Simon Roberts esclareceu que Russell será piloto Williams.

Falta de apoio crónica

Analisando o percurso dos apoios da Mercedes a jovens pilotos há algumas falhas críticas que sobressaem. Se antes o problema era a incapacidade de pilotos manterem um nível elevado, atualmente tem sido a Mercedes quem deixa a desejar como parceiro neste relacionamento.

Sem nenhuma vontade de seguir o exemplo de Ferrari ou Red Bull e comprar ou chegar a acordo com outras equipas para servirem de base de apoio para os seus pilotos, a Mercedes tem estado à mercê da boa vontade e condições financeiras das equipas com que chega a acordo para correr pilotos. Pior, tem mostrado pouca determinação em abrir os cordões à bolsa nos momentos críticos em que poderiam ser a salvação dos seus pilotos.

Na semana antes da confirmação de Russell, Wolff lavava as mãos da situação referindo que não estava nas mãos da Mercedes a permanência do inglês na Williams. Ocon teve pior sorte na situação Force India. Tendo em conta o estreitamento de laços atual entre as duas equipas, é difícil de não olhar para a recusar em fazer mais por Ocon como uma oportunidade perdida. Com mais experiência de competição, quem sabe se o francês não estaria agora numa posição melhor para assumir o lugar de Valtteri Bottas (para o qual chegou a ser considerado para este ano). Resta ainda ver as lealdades de Ocon se a Renault subir de forma. O menos dito sobre Wehrlein, melhor.

Com uma dupla de pilotos com 35 e 31 anos, e Wolff em dúvida para a renovação como chefe de equipa, a Mercedes tem vindo a focar-se sobre o seu futuro na categoria. Um maior envolvimento da marca AMG está nas cartas para o futuro próximo e a compra de 20% da Aston Martin dão indicações sobre que género de planos a marca alemã traça. O momento de definir a sua estratégia a nível de pilotos também.

É preciso fazer mais, muito mais para proteger os seus pilotos jovens.

Até a Red Bull, e a sua guilhotina sempre pronta para ceifar pilotos que não estejam no seu melhor, se pode considerar como tendo feito mais pelo seu programa de jovens (desde ter uma equipa B para eles, até estar preparada para fazer subir e descer pilotos da equipa principal). A McLaren tem promovido os estreantes Magnussen, Vandoorne e Norris. A Ferrari lançou nos últimos anos Leclerc (que chegou à equipa principal), Giovinazzi e, provavelmente, Mick Schumacher.

Pelo momento, Ocon e Russell cotinuam a sua aprendizagem na Fórmula 1 de olho numa vaga no cobiçado Mercedes. Resta ver se, caso outras ofertas surjam, os pilotos terão lealdade para com a marca que tem tão indiferentemente gerido as suas carreiras.

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Fontes:
Drive Tribe (Paul Gawne) \ Why Pascal Wehrlein Won’t Achieve
Essentially Sports \ Ocon Close to Replacing Bottas
Joe Saward \ Sequels
Motor 24 \ Sauber-Mercedes
Planet F1 \ Ocon Renault Recall
Race Fans \ Schumacher, the Mercedes Years
Speed Hunters \ Retrospective Schumacher-Mercedes
Sky Sports \ Williams Confirms Russell
CNN \ Aston Martin and Daimler





Compra-se: Automobilismo

17 12 2011

Bem que se tentou o ano passado convencer o mundo de que o Bahrain era lugar porreiro de visitar. Depois de se ter esperado até à última para que o GP marcado para o início do campeonato fosse cancelado, durante algum tempo ainda estava prevista a ronda no Médio Oriente para o lugar do GP da Índia, com a pista de Jaypee a terminar a época. Na altura, enquanto via a entrevista a Jean Todt sobre o assunto só conseguia pensar “Vendido! Fantoche…”. Felizmente que a ideia acabou e tivemos um mundial sem Barhain.

E se existisse um pingo de vergonha na cara o assunto ficava por aqui. Mas estamos a falar do nosso mundo, em que uns quantos milhões de petrodólares fazem milagres. A prova do Bahrain continua prevista para o campeonato de F1 deste ano, e como se tal não bastasse ainda foram anunciadas provas de Endurance em Sakhir, bem como dois (atenção que são duas jornadas duplas) eventos de GP2…

Automobilismo: vendido.

Ainda nos tentam convencer, claro, de que o Bahrain é um local pacato. É a região em que o mundo fica todo melhor, a vida é bela, a democracia reina, e toda a população adora o xeque. E que são muito simpáticas, pois segundo Ecclestone ele ia-lhes devolver o dinheiro da corrida de 2011, mas eles recusaram. Estão a ver, o governo do país é constituído por tipos porreiros… Pelo amor de Deus, acordem! Esse exemplo que Bernie deu era suposto fazer o quê? Uau, devolveram dinheiro (uma coisa que é tão abundante como areia para esses lados), e depois!? Todos os dias matam os seus próprios cidadãos, e é suposto irmos confraternizar!

É que a ideia da FIA é que devemos visitar o país, de modo a poder demonstrar ao mundo que o Bahrain já se recuperou da situação de quase revolução em que estava… Que se aproveite a corrida para mentir, por outras palavras.

Já transparece de uma maneira extremamente óbvia que os barhenitas querem utilizar o automobilismo de modo a poder demonstrar que tudo está bem. E têm os meios para o fazer. Tudo o que necessitam é de publicidade, e vamos ser nós escritos de blogs, e jornalistas ao redor do mundo a fazê-lo ao comentar sobre estas corridas. Pois bem eu sugiro que não se faça isso.

Quando ocorreram as provas no Barhain, não irei falar nem uma palavra sobre elas. Torço para que nem se realizem, mas quase ocorram não me pronunciarei sobre elas, de modo a que este governo que mata e tortura a sua população não conta com o meu apoio. Muito provavelmente não fará qualquer diferença, mas recuso-me a ajudá-los. Há limites para o que se pode fazer com o dinheiro…