O recente anúncio da entrada da Audi na Fórmula 1 em 2026 através de uma parceria com a equipa Sauber foi o culminar de um “namoro” de décadas da categoria com a marca automóvel alemã. Há muito que se aguardava que a construtora do grupo Volkswagen entrasse com todo o seu investimento na categoria máxima, até pela experiência que a marca já possui noutras categorias em que entrou com uma nova estrutura.
Apesar de ter sido bem-sucedida na Fórmula E até à sua saída neste ano e de um historial de peso no WRC, o melhor exemplo da competência Audi em competições FIA vem dos campeonatos de endurance. Especificamente umas inacreditáveis 13 vezes em 15 possíveis durante o período de 2000 a 2014, quando voluntariamente abandonou a competição à “irmã” Porsche.
Tal como na esmagadora maioria dos casos de sucesso no automobilismo, o segredo do sucesso dos alemães tem muito a ver com uma combinação de investimentos avultados, preparação meticulosa e profissionalismo extremo. Para além dos talentos de uma lenda de Le Mans que dá pelo nome de Tom Kristensen.
A preparação
Tendo começado a sua vida tal como a concebemos sob o nome Auto Union (a união de Audi, Horch, DKW e Wanderer, a estrutura com o seu logo de quatro anéis unidos viria a ser renomeada Audi aquando de um acordo de parceria com a NSU. Sob a égide do grupo Volkswagen, a nova empresa acabaria por fazer de carros de luxo velozes o seu segmento de mercado.
Tendo passado décadas a ver a Porsche acumular triunfos nas icónicas 24 Horas de Le Mans, a Audi sabia que queria tentar a sua sorte nos campeonatos de resistência durante a década de 90 (altura em que várias das suas concorrentes se achavam envolvidas). Em 1997, nasceu o R8R, um projeto de protótipo com que a Audi se lançaria para um assalto a Le Mans. Em 1998 foi visto em público pela primeira vez, com o seu cockpit aberto mas sem os detalhes necessários. Quando o R8R se lançou às pistas em 1999 em Sebring para as 12 Horas, com um motor V8 bi-turbo de 3,6 litros, tudo evoluíra: uma traseira mais proeminente, uma frente mais rasteira. Apesar de uma qualificação menos boa, em prova a sua consistência e durabilidade elevou-o até ao pódio. Mas faltava velocidade.
Com as devidas modificações, lançaram-nos contra as feras da BMW e Toyota em Le Mans no mesmo ano. Qualificando-se em 9º e 11º, os Audi acabaram por voltar a aguentar-se melhor que os rivais. Uns respeitáveis 3º e 4º lugares foram a recompensa, batidos apenas por um BMW e por um Toyota. Já os protótipos R8C, utilizados ao mesmo tempo, pareceram ineficazes, pelo que a marca optou por basear o seu “verdadeiro” protótipo no R8R ao preparar o seu projeto final, o R8.
Estima-se que o R8R, que ainda competiu em 2000 (na American Le Mans Series e no Silverstone 500), debitava à volta de 610 cavalos, tendo atingido os 335 km/h nas 24 Horas de 1999.
2000
À medida que a Audi ganhava cada vez mais balanço, uma prenda estava prestes a cair-lhe no colo. As rivais estavam determinadas a abandonar a endurance. A Mercedes queria dedicar-se ao DTM, a Nissan saiu por dificuldades financeiras, a Toyota e BMW preparavam-se para tentar a sua sorte com um salto rumo à F1. Sobrava a compatriota Porsche, que acabaria por desistir também (remores indicam que poderá ter sido por pressão de Ferdinand Piech que exercia funções administrativas em ambas as marcas).
Sobravam, portanto, a Panoz e a novata Cadillac na categoria principal para combater a Audi, que se apresentava na sua força total com 3 carros. O número 7 com Christian Abt, Rinaldo Capello e Michele Alboreto; o número 8 com Frank Biela, Tom Kristensen e Emanuele Pirro; e o número 9 com Laurent Aïello, Allan McNish e Stéphane Ortelli. Pilotos com experiência moderada de endurance e de campeonatos de turismo alemães e italiano (com um par de ex-pilotos F1).
A Audi não deu a mais pequena hipótese logo a partir da qualificação. Com o #9 na frente, os alemães foram a única equipa a colocar-se dentro dos 3m36s (na verdade, o Panoz em 4º só estava a fazer 3m39s…) e partiu da dianteira para a prova que começou no sábado. E aí se manteve o #9 durante grande parte do início da corrida, até precisar de trocar a caixa de velocidades e cair atrás dos dois colegas.
O Panoz #11 ainda ameaçou a retaguarda da Audi mas acabou por abandonar, e mesmo o Cadillac #3 da DAMS sofreu com um furo nos instantes finais das 24 Horas. O resultado disto foi que a Audi teve direito ao seu photo finish com os 3 carros nos 3 primeiros lugares da classificação, com a vitória a caber ao #8 pilotado por Michele Alboreto, Frank Biela e Tom Kristensen.
Os sucessores dinásticos
Kristensen acabaria por se tornar sinónimo de Audi e de Le Mans nos anos que se seguiram. Foram 6 triunfos consecutivos entre 2000 e 2005 (um foi com a Bentley em 2003, mas a marca britânica desenhara o seu Speed 8 com base em desenhos da Audi, uma vez que ambas pertenciam ao mesmo grupo automóvel), mais 2 isolados em 2008 e 2013, além de um anterior em 1997.
Após o sucesso do R8, que se manteve em ação até 2005, seguiram-se as suas evoluções do R10, R15 e R18. Todas conseguiram cruzar a linha de chegada das icónicas 24 Horas em primeiro lugar e cimentaram a marca alemã como uma das maiores vencedoras da prova, logo atrás da Porsche. Porsche essa que o grupo VW também colocou de volta à competição a meio da década de 2010, acabando por ditar o fim da aventura da Audi (não por resultados, mas para passar a marca dos quatro anéis para o foco na Fórmula E).
Na categoria elétrica, a Audi acabaria por vencer os títulos de pilotos e equipas em 2016-17 com Lucas di Grassi. O abandono da competição em 2021 acabou por se traduzir na preparação da estrutura para finalmente se aventurar na Fórmula 1, onde já anunciou que será fornecedora de motores a partir dos novos regulamentos de 2026 e dona da equipa Sauber (onde já colocou Andreas Seidl como diretor técnico).
Legado
É raro ver no automobilismo a entrada de uma marca por si só a provocar o terror nas rivais estabelecidas. Mas é precisamente isso que a Audi tem conseguido fazer sempre que anuncia os seus planos para integrar uma nova categoria. Foi assim com os rallys, foi assim com os campeonatos de endurance e foi exatamente assim que foi acolhida pelo paddock da Fórmula 1.
O domínio da Audi nas 24 Horas de Le Mans no início deste século marcou toda uma geração de pilotos para respeitar as siglas R8, R10, R15 e R18 como algumas das mais perfeitas máquinas de competição já criadas, que apenas a Peugeot conseguiu bater numa ocasião (2009).
Este historial não foi atingido pela simples força do nome: não há categoria em que a marca dos quatro anéis não se meta sem ter primeiro um plano detalhado e fundos de grande dimensão para ajudar na implementação. A assinatura de Andreas Seidl na F1 com este avanço para a aliança com a Sauber já serve de aviso para as rivais sobre o que esperar em 2026…
—–
“Flash” anterior: Dario Franchitti em 2007
—–
Fontes:
– Facebook (Motorsport) \ Le Mans 2000
– Racing Sports Cars \ Le Mans 2000
– Trade Classics \ Audi nas 24 Horas
– Wikipedia \ Audi R8R
Deixe uma Resposta