Fuja do sensacional, fique pelos bastidores – Drive to Survive, Temporada 6

9 03 2024

Na estreia da série de bastidores da Fórmula 1, Drive to Survive (um título que fez torcer o nariz a muitos fãs), o interesse que o modelo de documentário dos bastidores da categoria atraiu foi numa escala sem precedentes. É inegável que a crescente popularidade global (com destaque para a norte-americana) da F1 se deveu ao DTS, mas desde o princípio que se tinha notado uma tendência para desconfiança da parte de fãs estabelecidos.

Os rádios mal colocados, os barulhos de motor não condizentes com as imagens que passavam, as inexplicáveis rivalidades sem sentido (alguém se lembra de quando em 2019 tentaram convencer que Carlos Sainz e Daniel Ricciardo?), mostrarem corridas de forma não-sequencial,…

A verdade é que estes “pecados” apenas têm vindo a acentuar-se com o desenrolar das temporadas, os fãs mais antigos têm vindo a ver cada vez menos, e o apelo para novos fãs crescia. Ou assim foi até recentemente. Os 3,85 milhões de espetadores dos primeiros três dias da quinta temporada passaram a 2,9 milhões nesta. Num dos episódios, Alexander Albon sarcasticamente explica como a Netflix prepara um dos seus episódios de regresso de Ricciardo ao ativo, gozando com com a forma espanpanante que a produtora adoptou nos últimos anos. Se Jack Nicholls está ausente dos “comentários falsos”, temos Ben Edwards por vezes a fazer esse papel.

A pergunta que todos os que avaliam a sexta temporada tentam responder: vale a pena?

A resposta algo cobarde mas honesta é que depende daquilo que se queira dela.

Se o objetivo é perceber o que foi a história da luta pelo título ou do ano histórico, pouco ou nada aparece Max Verstappen este ano. A ordem continua tão fora de sequência como sempre. As lutas em pista continuam tão descontextualizadas e com rádios fora de sítio como sempre. Will Buxton continua uma caricatura de si próprio. Danica Patrick é uma adição tão despropositada quanto seria de imaginar. Neste ponto é seguro: não houve melhorias.

Mas há muito em que DTS continua a preencher um vazio: os momentos de bastidores, mesmo quando são tornados quase comicamente direcionados, são sempre interessantíssimos.

O primeiro episódio começa com o staff do lançamento do carro da Aston Martin absolutamente aterrorizado porque Lawrence Stroll está prestes a chegar e ainda há coisas um pouco fora do sítio (e quando chega, até para elogiar o filho Lance, tem uma certa frieza permanente). Depois no segundo episódio focado em Nyck de Vries compreendemos melhor a saída repentina deste, algo arrogante na forma como se compara a Yuki Tsunoda, completamente inadaptado num evento de tiro ao alvo da Red Bull, a importunar um Adrian Newey pouco impressionado.

Vemos as reuniões de patrocinadores McLaren a pressionarem Zak Brown no terrível início McLaren, com o americano desesperado por renovar um cada vez mais sarcástico Lando Norris; vemos as comparações entre a Haas e Williams; vemos um Lewis Hamilton com cada vez menos paciência para ações promocionais Mercedes, agora que a equipa parece fazê-lo sentir-se traído pela falta de performance (como este episódio teria beneficiado de sair mais tarde, após o anúncio Ferrari…); vemos Otmar Szafnauer a insistir que tudo está no bom caminho na Alpine enquanto os seus dois pilotos dizem horrores um do outro para as câmaras, Alan Permane furioso de a equipa não conseguir acompanhar o desenvolvimento de uma Aston Martin, e Bruno Famin a criticar a filosofia de que é só azar o problema da Alpine porque “a má sorte a má performance costumam andar de mão dada”, ironiza.

Um dos melhores episódios é o penúltimo, onde é mostrada a aventura de breves corridas de Liam Lawson na F1, com direito a mostrar o seu percurso, a forma como conseguiu bater as expectativas da AlphaTauri, a dor de cabeça que deu à Red Bull para escolher o alinhamento da sua segunda equipa, os avisos dos pilotos mais experientes sobre o calor de Singapura e a forma como pareceu frustrado com não ser escolhido. DTS no seu melhor.

Houve ainda dois episódios finais sobre a Ferrari e a sua tentativa de usurpar o 2º lugar à Mercedes, que ainda contou com cenas interessantes sobre a forma como Vasseur ficou furioso pela tampa de esgoto de Las Vegas que destruiu o carro de Sainz.

Em geral, são estas cenas de bastidores que fazem com que ver DTS valha a pena, mesmo ao fim de 6 anos de rádios trocadas e comentadores falsos.





O que a saída silenciosa de Steiner nos diz

20 01 2024

Equipa fundada mais recentemente na Fórmula 1 (mesmo fundada e não pela compra de uma operação já participante), a Haas nem sequer conta com uma história de fundação particularmente “romântica”: Gene Haas queria um poderoso veículo de promoção para a sua Haas Automation (de produção de ferramentas) e entrou na F1 com uma parceria técnica com a Ferrari tão forte que, quando a estreia deu um 6º lugar, Christian Horner disse “é bom ver que o Ferrari do ano passado ainda corre bem”…

A estrutura era diferente de qualquer outra, com a produção do carro a ser responsabilidade da italiana Dallara, a fábrica principal na Carolina do Norte nos EUA, e o hub europeu na antiga (pequena) fábrica da Manor F1.

Gunther Steiner foi o Diretor Técnico da Haas desde o seu primeiro momento, tornando-se mais conhecido pelos seus comentários mais “coloridos” na série de bastidores Drive to Survive. O italo-americano, no entanto, também soube lidar com vários desafios mais espinhosos, como a maneira como a equipa perdia a corrida de desenvolvimento contra os rivais todos os anos ou quando Gene Haas considerou seriamente fechar a operação devido à pandemia.

Com a imposição do tecto orçamental, a Haas ganhou nova vida mas também perdeu muita da sua imagem com decisões como a contratação de Nikita Mazepin (e os seus fundos russos). A guerra da Ucrânia e as sanções russas deixaram a equipa sem patrocinador, mas o verdadeiro “pecado” de Steiner foi ter prometido que um 2021 desperdiçado a desenvolver o carro do ano seguinte se traduziria numa equipa mais competitiva. 2022 trouxe um 8º lugar em 10. E 2023 um último lugar.

Entre o Natal e o Ano Novo recentes, Gene Haas contactou Guenther Steiner, informando-o de que o seu contrato não seria renovado. A ausência de uma citação de Steiner do comunicado oficial da Haas deixava claro que tinha sido uma decisão do líder e até se usava a palavra “vergonhoso”.

Há vários anos que se sabia que Steiner não estava inconsciente das deficiências da equipa: insistia nos bastidores regularmente com Gene Haas para a necessidade de ampliar o investimento do americano na estrutura, uma vez que a Haas era facilmente a menos apetrechada equipa de todas, dependente de maus anos de rivais para os vencer. Gene Haas terá ficado cada vez mais impaciente com esta opinião. Para o americano não valia a pena investir mais numa equipa que, para si, já cumpria o objetivo que tinha dela: promover a Haas Automation de forma eficaz em custos.

O argumento não demoveu Gene, que procedeu à decisão mais previsível: não renovar Steiner e promover internamente o engenheiro de pista Ayao Komatsu para o posto. Simone Resta, projetista vindo da Ferrari, também saiu. O facto de a Haas, num contexto em que as equipas grandes tiveram que perder staff devido ao tecto orçamental, não ter conseguido contratar de fora nos últimos anos quase ninguém diz muito sobre a incapacidade (ou falta de vontade) de Gene Haas em investir mais.

A Sky Sports já entrevistou Steiner, tentando “picá-lo” para obter uma declaração críticam, mas o italo-americano foi bastante magnânimo nas suas reações (apenas alguns comentários como considerar “vergonhoso” uma palavra que deveria ser usada com cuidado pela chefia da equipa, indicaram alguma irritação). Várias vezes perguntado sobre o rumo da estrutura, Steiner limitou-se a dizer que, já não fazendo parte da equipa, não faz ideia do futuro.

Os rumores sobre um interesse Andretti em comprar a equipa são sintoma de uma equipa à qual parece faltar um rumo e que deverá contar com um 2024 difícil, uma vez que nada faria prever alterações a curto prazo de uma decisão tão “em cima do joelho”.

Ainda assim, o timing é semelhante ao da Williams contratar James Vowles em 2023, que deu resultados positivos na segunda metade do ano.

Fontes:
Mirror \ Gene Haas sobre Steiner
Sky Sports \ Entrevista Steiner





Top 10 – Fórmula 1 em 2023

28 12 2023

Depois da montanha russa de 2021 e de um ano moderadamente interessante de F1 em 2022, 2023 trouxe um novo ano em que o verdadeiro entusiasmo estava fora das lutas pela vitória, uma vez que elas tinham dono. Max Verstappen e a Red Bull dominaram a seu bel-prazer e, por muito que os comentadores desportivos insistam haver entusiasmo em ver recordes de domínio a serem estabelecidos, não há nenhum entusiasmo possível.

O verdadeiramente incrível no feito foi que a Red Bull pura e simplesmente não sentiu qualquer impacto digno de nota na restrição ao túnel de vento que foi a penalização por exceder o orçamento de 2022. Mas a verdade é que a Ferrari e a Mercedes atingiram os limites totais do seu conceito de carro, com a Red Bull a não só conseguir começar de um padrão de performance mais elevado como também o consegue desenvolver melhor.

Se na Ferrari ainda houve a consolação de uma vitória, na Mercedes foi o 2º lugar por margem mínimo que passou por progresso (até porque George Russell simplesmente não esteve no mesmo nível que no ano anterior).

Estas quebras de forma permitiram a duas equipas privadas, Aston Martin e McLaren, destacrem-se de uma forma que em anos anteriores tinha sido quase impossível. Ambas as estruturas conseguiram destacar-se a ponto de quase triunfarem, ainda que a diferença entre elas tenha sido estabelecida pelo facto de uma contar com dois pilotos de bom nível e outra ter o lastro que foi Lance Stroll a parecer ter falta de motivação para sequer querer saber da pesada derrota inflingida por Fernando Alonso.

Stroll esteve longe de ser a única desilusão do ano, num ano em que Sergio Pérez apanhou em cheio com uma forte dose de realidade e pareceu incapaz de se qualificar sequer entre os 5 primeiros com o carro que foi campeão do campeonato de construtores, e Nyck de Vries não conseguiu durar o ano inteiro com as suas performances (dando lugar a Daniel Ricciardo e Liam Lawson).

Mais atrás a Alpine voltou a mostrar-se sem rumo na sua direção, com a agravante de ter dois pilotos que explodiram na rádio sobre as ordens de equipa por diversas vezes durante o ano sem sequer demonstrarem rapidez para mais que dois pódios. Ainda assim, melhor que as estruturas logo atrás.

A Williams até conseguiu impressionar, se bem que Logan Sargeant precisa de fazer muito melhor em 2024 para ter nova renovação, mas a Haas continuou bem perdida no seu desenvolvimento de carro (acabando em último lugar pela segunda vez em 3 anos), a AlphaTauri conseguiu a proeza de passar a maior parte do último ano de Franz Tost em maus lençóis em pista (e uma melhoria na reta final que deixou rivais a perguntar-se se não houve trocas de informação indevidas com a Red Bull…), e a Alfa Romeo teve que se começar a preparar para a vida de equipa privada como Sauber (em transição para a sua passagem a Audi).

1 – Max Verstappen

Há vários anos em que um domínio aconteceu na Fórmula 1 e em que é possível não entregar o prémio de piloto do ano ao campeão dominante. Pode ser por ter havido um piloto em equipamento inferior que brilhou como pôde ou por o domínio poder ser relativizado. Não em 2023. O ano pertenceu de forma total a Max Verstappen.

Depois de ter tido algumas dificuldades pontuais em 2022, Verstappen até pareceu ir ter uma luta em mão com o colega Sergio Pérez. Foram 4 corridas com 2 vitórias para cada e estavam empatados na frente do campeonato. Só que depois veio Miami em que Verstappen partiu de 10º e mesmo assim venceu convincentemente Pérez (que largou de pole). Foi o início de um período de domínio do neerlandês e de queda psicológica total do mexicano.

Verstappen ampliou um recorde que já era seu de maior número de vitórias num ano, com 19. Estabeleceu um novo recorde de vitórias seguidas (10) e de voltas lideradas num ano (1003). Só houve uma corrida em que o piloto acabou fora do pódio (e ficou em 5º). E em várias provas nem sequer foi um domínio falso porque “só” fez 12 poles.

Havia sempre uma certa inevitabilidade em ver uma corrida este ano, de que Verstappen arranjaria maneira. Os rivais pareciam derrotados antes da partida. Ninguém parou o novo tricampeão em 2023.

2 – Fernando Alonso

A cada ano desde o seu regresso à categoria principal do automobilismo que Fernando Alonso tem um número maior de pessoas a prever o momento em que o mais velho piloto da grelha de partida comece a perder a sua velocidade natural (da mesma forma que, por exemplo, Kimi Räikkönen perdeu). E a cada ano, o espanhol volta a silenciar os críticos.

Uma nova equipa, que terminou em 7ª no campeonato anterior, poderia colocar a paciência de Alonso em causa, mas a Aston Martin acertou em cheio com o seu AMR23 e a partir do momento que teve nas mãos o seu novo brinquedo Alonso tornou-se intocável. 6 pódios em 8 corridas marcaram o início de um ano em que o piloto teve o cuidado de elogiar o novo colega de equipa (filho do patrão, claro) e de o simultaneamente ajudar e humilhar ao recusar-se a passá-lo no GP de Espanha…

A partir daí a Aston perdeu competitividade ao tomar uma curva errada no desenvolvimento do carro, mas Alonso continuou a não se deixar abater e lutou por cada ponto como se fosse um estreante a provar-se. A equipa agradeceu, até porque Lance Stroll foi de muito pouca ajuda para o campeonato de construtores.

Entre os melhores momentos do ano houve espaço para uma quase vitória no Mónaco (apenas uma má decisão de troca de pneus a impediu) e um photo finish em que passou Sergio Pérez na reta final de prova no Brasil. Alonso continua com velocidade para dar e vender.

3 – Lando Norris

Quando 2023 começou com os McLaren eliminados na Q1, o contrato que liga Lando Norris à McLaren até final de 2025 deve ter parecido bem longo para o britânico. Norris tentou nunca se abater, somando pontos quando possível agora que era líder incontestado da McLaren com um estreante ao lado. E até deu uns ares da sua graça, como quando se qualificou em 3º em Barcelona.

E depois, sem nada o fazer prever, a McLaren por volta da Áustria conseguiu resolver quase todos os seus problemas. 4º lugar foi o melhor resultado do ano até aí mas o melhor estava para vir logo a seguir. A McLaren transformou-se numa quase permanente 2ª força do campeonato até ao fim. E Norris começou a acumular 2º lugares. 6 deles, mais especificamente, alguns deles a dar dores de cabeça ao campeão Verstappen.

O impossível 4º lugar nos construtores tornou-se possível, mesmo com a Aston Martin a ter começado tão bem, mas não demorou até se perceber que Norris se mostrava cada vez menos celebratório com os pódios porque a vitória teimava em não chegar (com a derrota do GP da Rússia de 2021 a parecer cada vez mais mal perdida, certamente), a ponto de ter igualado o recorde de maior número de pódios sem vitória da categoria (13).

Ainda assim, é inegável que parece uma questão de tempo dado o talento e velocidade de Norris. Terá é que prestar atenção, porque o colega Oscar Piastri já lhe deu mais trabalho num ano que Daniel Ricciardo em dois…

4 – Alexander Albon

Se 2022 tinha sido o ano da recuperação da reputação de Alexander Albon, 2023 foi o ano em que o tailandês recordou ao paddock que houve bons motivos para que tenha sido logo promovido na estreia F1 para a Red Bull.

Com um 10º lugar logo na estreia, Albon abriu a conta da Williams logo ali mas o melhor ainda estava por vir. Um 7º lugar no GP do Canadá mostrou o piloto ao nível a que nos habituaria ao longo do ano: sempre em grande forma, confiante nas ultrapassagens e com excelentes qualificações. Nem foi mostra única, uma vez que seis provas depois voltaria a terminar nessa posição.

No total foram 7 pontuações ao longo do ano, tendo somado 27 dos 28 pontos da diminuta equipa e estabelecido de novo uma reputação como um dos pares de mãos mais seguros do paddock. Foi praticamente em exclusivo à sua conta que a Williams conseguiu um 7º lugar nos construtores, a sua melhor prestação em largos anos.

5 – Lewis Hamilton

Depois de uma primeira derrota no campeonato para um colega desde 2016 e do choque de ter que lidar com um monolugar lentíssimo que o deixou sem vitórias pela primeira vez na carreira, Lewis Hamilton terá sentido a pressão como poucas vezes antes na carreira para 2023. Enquanto fãs de George Russell se preparavam para assistir a um segundo capítulo da nova Mercedes, Hamilton tratou de se colocar rapidamente num ascendente que os mais atentos já teriam reparado na segunda metade de 2022.

A vitória sobre Russell foi em toda a linha este ano. Não é certo se foi o jovem que teve um ano pior ou se a excelente forma de Hamilton o fez desanimar, mas a verdade é que Russell cometeu muitos mais erros ao longo do ano e o heptacampeão esteve quase imparável, limitado apenas pelo Mercedes pouco competitivo.

Foi comum ver a equipa como terceira força, mas sempre com uma segunda força diferente (rodando entre Aston Martin, Ferrari e McLaren) que dava a oportunidade a alguém regular e rápido de acumular pódios e ocasionalmente ameaçar um pouco a vitória. Hamilton foi esse alguém, com 6 pódios que o deixaram como melhor piloto do ano fora da Red Bull.

Poderia ter ficado mais alto nesta lista caso, em provas em que 5º era a sua melhor aspiração, se tivesse demonstrado mais aguerrido.

6 – Oscar Piastri

Com um “escândalo” de contratação a marcá-lo irremediavelmente para a estreia com a McLaren, Oscar Piastri carregava um pesado fardo no princípio do ano. Dificilmente foi ajudado por um abandono ao fim de poucas voltas na sua primeira corrida.

Os primeiros pontos chegaram em casa na Austrália, mas o McLaren devia muito a nível de performance quando 2023 começou. As primeiras corridas foram duras, tendo pontuado apenas duas vezes em 9 tentativas, só que a partir do GP do Reino Unido as coisas mudaram. Na mesma corrida em que o colega lutou pela vitória, Piastri até ficou desiludido por não ter segurado o pódio contra Hamilton mas compreendeu que era um excelente resultado para a equipa.

E não foi preciso esperar muito. Os resultados continuaram a chegar até que ficou entre os 3 primeiros pela primeira vez no Japão, uma pista conhecida por ser extremamente difícil para estreantes. Na prova seguinte venceu com autoridade o sprint, tendo que controlar a distância para o campeão Verstappen.

No final do ano tornou-se o primeiro estreante desde Hamilton em 2007 a fazer um pódio, ameaçou Norris em qualificação, recebeu elogios de todos os cantos do paddock e terminou na frente de ambos os Alpine no campeonato. Trabalho feito.

7 – Carlos Sainz

Não é à toa que Carlos Sainz conseguiu a proeza de vencer em 2023 e ser o único piloto não-Red Bull a fazê-lo em 22 corridas. A maneira como fez pole position em Singapura (aproveitando o mau ritmo da Red Bull nessa prova), como liderou a corrida e como fez uso de Lando Norris para o manter em zona de DRS de modo a defender-se dos ataques que viriam de George Russell evidenciam Sainz no seu melhor, numa performance que sozinha mereceria a inclusão nesta lista.

Voltando a lidar melhor que Charles Leclerc com um Ferrari desapontante, o espanhol pontuou em 18 das 22 corridas, fez 3 pódios e esteve na frente do campeonato Ferrari quase todo o ano. A derrota por margem mínima até chegou no contexto de uma tampa de esgoto que lhe rebentou o carro em Las Vegas, mas houve algumas ocasiões em que devia ter feito melhor.

A penalização em Melbourne por colidir com Alonso, apesar dos protestos sentidos, foi merecida. O acidente nos treinos livres de Abu Dhabi foi desnecessária, numa altura em que a equipa dele ainda estaria a querer um esforço concertado para passar a Mercedes no campeonato.

A impressão de que um Leclerc nos seus melhores dias o poderia bater ainda permanece, mas já são dois anos de parceria em que mostra lidar melhor com adversidades. Importante, até porque está a chegar o momento de decidir se continua na Scuderia ou se aceita o desafio Audi…

8 – Charles Leclerc

Não pode ter sido fácil ser Charles Leclerc em 2023. Um ano depois de ter brilhado ao ameaçar Verstappen na luta pelo título, Leclerc recebeu um Ferrari completamente inferior para as mãos e voltou a ver o colega Sainz mostrar-se muito mais à vontade com essa situação (semelhante a 2021).

O monegasco teve que se habituar a passar grande parte do ano como o mais rápido mas menos eficaz dos dois carros italianos, apesar de ter voltado a mostrar em qualificação que é absolutamente impossível de parar quando está nos seus dias: 5 pole position num ano em que a Red Bull só não venceu uma prova foi inacreditável… Contudo, ter que ver Verstappen inevitavelmente repassá-lo em corrida pareceu começar a afetá-lo.

O GP de Las Vegas foi das melhores exemplificações do seu ano. Partiu de uma brilhante pole, mostrou alguma simpatia em excesso com Verstappen na partida que o fez ficar a “ver navios” durante grande parte da corrida, antes de fazer uma brilhante ultrapassagem sobre Pérez para 2º nos momentos finais, exclamando na rádio “ao menos um 2º…”.

Bem pode agradecer à tampa de esgoto americana que destruiu o fundo do carro de Sainz por ter conseguido passar o colega no campeonato nos instantes finais da última corrida do ano.

9 – Nico Hülkenberg

O regresso de Nico Hülkenberg aos comandos de um Fórmula 1 em regime de full time foi recebido com uma certa consternação por uma porção do paddock. O alemão é recordista de uma estatística que poucos gostariam de ter associada ao seu nome: maior número de Grande Prémios disputados sem pódio (203), mas era fácil perceber porque é que a Haas apostou nele para substituir um Mick Schumacher com enorme falta de consistência.

Hülkenberg tem uma carreira de obtenção de pontos com equipamento menos que ideal e foi precisamente isso que encontrou na Haas. Os americanos projetaram um carro que até era veloz em qualificação, mas que caía que nem uma pedra sempre que havia um corrida com maior extensão que um sprint. Foram apenas 2 ocasiões em que o piloto conseguiu pontuar, mas ambas impressionantes: um 7º lugar no GP da Austrália e um 6º no sprint do GP da Áustria.

Depois de Schumacher ter batido Mazepin facilmente em 2021 e de Magnussen ter batido Schumacher facilmente em 2022, foi a vez de Hülkenberg fazê-lo a Magnussen. Em qualificação venceu por 15-7 e em corrida 13-9, tendo várias aparições no Q3 para provar a sua velocidade e tendo somado 9 pontos contra 3 do dinamarquês.

A dupla foi mantida, mas há pilotos à espreita como Oliver Bearman. Resta ver se assistimos ao pico do piloto alemão ou se ainda tem fôlega para continuar em grande a sua segunda vida na F1.

10 – Liam Lawson

Um rumor bastante forte circulou no GP da Hungria de que Liam Lawson deveria ter sido o substituto do pouco impressionante Nyck de Vries, e que apenas uma decisão de Helmut Marko à última da hora teria dado o monolugar a Daniel Ricciardo. Verdade ou não, Lawson só teve que esperar mais 2 provas para estrear na F1, quando Ricciardo partiu a mão.

Num fim-de-semana em que a chuva intensa marcou a ação, Lawson soube manter-se fora dos muros e a aprender o máximo possível sempre que estava ao volante para chegar em 13º. Na corrida seguinte esteve perto dos pontos com um 11º lugar. Na complexa prova de Singapura logo a seguir? 9º lugar com 2 pontos para uma AlphaTauri em necessidade desesperada deles. De moderadamente bem cotado pelas suas performances de F2 e Superfórmula Japonesa, Lawson rapidamente passou a alternativa credível a Tsunoda e Ricciardo.

A decisão final até pode ter deixado o neo-zelandês sem lugar para 2024, mas é inegável que as suas performances num curto espaço de tempo e sob grande pressão lhe deram a oportunidade de mostrar serviço para o futuro.





Top 5 – Fórmula 2 em 2023

21 12 2023

Há um facto que tem vindo a afetar mais e mais a Fórmula 2: nos últimos 3 anos o campeão não conseguiu passar diretamente para a Fórmula 1. Mick Schumacher foi o último e Oscar Piastri até conseguiu estrear um ano depois, mas Felipe Drugovich não parece estar com grandes hipóteses e Théo Pourchaire provavelmente passará pelo mesmo em 2024 e além.

Uma certa tendência para a “crueldade” com os estreantes tem-se vindo a refletir em campeões nas suas terceiras temporadas na categoria, o que geralmente falha em impressionar as equipas de F1. Mas o facto de o título ter estado a ser disputado entre dois pilotos com pouco gravitas por detrás do nome não ajudou. Pourchaire já tinha sido vice-campeão em 2022 e o título era um requisito mínimo. Vesti vinha de campanhas menos impressionantes e apenas o título contra o rival o poderia ter ajudado, o que não sucedeu.

Isto deixou os pilotos mais para trás a recolherem as sobras, ficando as equipas de F1 à espera de ver o que eles farão em 2024.

Isto não impediu que o ano tenha sido interessante, com um título renhido e várias peças do xadrez a movimentarem-se para um ataque completo em 2024. Boschung finalmente não continuará na categoria (depois de 7 [!] anos nela), Hauger continua não mostrar nem perto do ritmo que lhe permitiu ser campeão de F3, a PHM Charouz ficou a zeros num campeonato de transição,…

Mas quem foram os protagonistas de 2023?

1 – Théo Pourchaire

Muito se torceu o nariz à permanência de Théo Pourchaire na Fórmula 2 para 2023, quando tinha já realizado duas competentes temporadas (5º em 2021 e 2º em 2022). O francês pareceu acreditar que, não se tendo aberto espaço para entrar na F1 em 2023, a melhor solução para manter viva a ambição seria o título de F2. Isto contra uma nova leva de talentos, desertos de conseguir a oportunidade.

A aventura começou muito bem, com pole position no Bahrain por mais de 7 décimas de segundo, uma recuperação até 5º no sprint com volta mais rápida, e com vitória indiscutível na primeira feature do ano. Mas os adversários apanharam o ritmo rapidamente. Sem pontos em Jeddah, já só conseguiu 2º e 3º postos nas provas seguintes. Não voltaria a vencer o resto do ano.

O motivo para merecer esta classificação e o título? Fazendo uso da sua experiência, o francês simplesmente recusou-se a entrar numa espiral negativa e acumulou um total de 10 pódios e 19 corridas nos pontos, contrastando com as várias vitórias do rival Vesti (que geralmente eram seguidas de duas ou três provas fora dos pontos).

Com o uso de uma consistência notável, Pourchaire conseguiu o almejado título. O seu problema foi a escolha da Sauber por manter Guanyu Zhou na F1, o que o deixa sem lugar para onde ir em 2024.

2 – Oliver Bearman

Mesmo sem um título de Fórmula 3 conquistado, poucos pilotos carregam o peso das expectativas do paddock de forma tão significativa quanto Oliver Bearman. Com apenas 17 anos no início da temporada, Bearman chegou à F2 com o cartão de visita de ter ficado bem perto de poder ter sido campeão na estreia de F3 e de contar com o apoio da Ferrari. Na sua primeira temporada de F2 foi o melhor estreante, acabando em 6º no campeonato.

Os primeiros Grande Prémios não foram diferentes dos de qualquer outro estreante (mesmo os bons) com diversas provas fora dos lugares pontuáveis, com exceção de Oscar Piastri. Mas depois chegou Baku e o britânico mostrou ao que vinha: fez pole position, venceu o sprint apesar do grid inverso, e no dia seguinte dominou a seu bel-prazer a feature. Foi o único a vencer de forma dupla em 2023.

Foi difícil repetir este pico, até porque a F2 tem-se tornado notoriamente difícil para os pilotos que ainda não se habituaram ao seu monolugar, mas não impossível. Bearman venceu duas vezes adicionais (e ambas em features), além de 2 pole position extra.

Demasiado baixo nos lugares dos pontos nas outras provas (mas muitas vezes presente), Bearman nunca foi candidato ao título em 2023. Mas com um ano de experiência e permanecendo na Prema, o piloto é um dos favoritos para 2024 depois de uma excelente estreia.

3 – Jack Doohan

Com o oficioso título de melhor piloto de 2022 na sua estreia de Fórmula 2 (e infinitamente mais impressionante que o Dennis Hauger, que lhe “roubou” o título de Fórmula 3 em 2021), Jack Doohan tinha altas expectativas sobre os seus ombros para 2023. Permaneceu com a menos competitiva Virtuosi, mas ia ter a equipa a trabalhar completamente para si.

O resultado deste esforço? Misto.

Começou demasiado mal o ano para se conseguir impôr na luta pelo título (6 provas sem pontos das primeiras 10, com nenhuma das pontuações a ser uma vitória), dando sempre a impressão de que por muito que se aproximasse da luta já ia com demasiado atraso. Ainda assim, quando triunfou fê-lo em 3 provas feature (2 delas de pole), uma circunstância que lhe dá grande crédito, assim como o crescendo que foi fazendo ao longo do ano.

Com o caos na sua academia de F1 (Alpine), pedia-se uma melhor compreensão da excelente posição em que estava para aplicar pressão nos franceses em escolhê-lo quando a dupla Gasly-Ocon inevitavelmente implodir. Em vez disso, voltou a dar a impressão de um piloto muito rápido que parece demorar a ganhar ritmo. É duvidoso que tenha algo a ganhar com uma terceira temporada de F2, mas é inegável que foi um dos protagonistas de 2023.

4 – Frederik Vesti

Com 2 anos de Fórmula 3 e no segundo ano de Fórmula 2, Frederik Vesti chegou a 2023 com o estatuto de único piloto da academia Mercedes ainda no segundo degrau da escada de competição até à F1. Ao serviço da Prema, depois de 2 anos de ART, Vesti ia ter ao seu dispor um carro competitivo e a experiência acumulada de um ano. Contra si tinha o facto de que, em posição semelhante em 2021 na F3, tinha falhado na hora H.

Em 2023 o resultado foi igualmente misto, justificando o porquê de o vice-campeão estar apenas 4º nesta lista. O dinamarquês venceu 6 corridas contra 1 de Pourchaire, mas, crucialmente, 4 delas foram sprint. Nem se pode dizer que tenha começado assim tão mal o ano, para justificar a distância para o rival. Foram 3 vitórias nas primeiras 12 provas, com uma delas a ser uma feature em Monte-Carlo.

A verdadeira diferença entre os dois principais candidatos ao título foi a inteligência tática de compreender bem quais os momentos para atacar e quais os de esperar por melhores oportunidades sem arriscar. Nalguns casos sem culpa própria, resultando em parte do seu atraso, mas noutros o piloto poderia ter tido uma melhor compreensão especialmente com carros fora das contas do título.

Merece, no entanto, muito crédito pela forma como atacou até ao último momento em Abu Dhabi, ainda que a vaga na F1 o tenha iludido.

5 – Kush Maini

Olhando para o percurso competitivo de Kush Maini antes da sua estreia na F2 em 2023, era difícil de prever o ótimo ano que o indiano se preparava para ter. Com o melhor resultado da sua carreira antes a ter sido um vice-campeonato de Fórmula 3 Britânica, Maini tinha tido um ano algo anónimo na Fórmula 3 em 2022 quando surpreendeu quase todos ao dar o salto para a F2 com a sua pior equipa, a Campos.

O objetivo dele certamente tirou inspiração em Felipe Drugovich, que tinha sido igualmente anónimo na F3 antes de ser bem-sucedido na F2. E foi precisamente isso que, numa menor escala, sucedeu. Aproveitando as primeiras provas de um Campos em forma, Maini foi pontuando com frequência, chegando a fazer um pódio no seu terceiro fim-de-semana. Foram 8 pontuações em 10 tentativas no início do ano.

Daí para a frente tornou-se mais difícil, com o seu monolugar a perder competitividade para outras equipas, mas o piloto soube manter-se em grande nível, com frequência a andar em lugares acima do que devia e pontuando mais que o ultra experiente colega Ralph Boschung.

Para o próximo ano junta-se à “nova” Virtuosi, onde será interessante ver se continuará o ascendente.





10 anos não chegaram

11 11 2023

Quando os carros da Fórmula E arrancarem para o ePrix da Cidade do México em Janeiro próxima, dar-se-á por iniciada a 10ª temporada da história da categoria. Sob vários prismas é um feito notável. Quando se partiu para a primeira prova (Xangai 2014), muitos vaticinavam uma morte rápida para uma categoria com coisas tão estranhas quanto paragens nas boxes para trocar de carro. Os anos foram suficientes para ver a categoria sobreviver e atrair mais do dobro das construtoras mundiais que a Fórmula 1.

Os monolugares agora já cumprem facilmente corridas inteiras, o Fan Boost misericordiosamente desapareceu de cena, a qualidade dos pilotos tem subido e os títulos são decididos na última ronda com alguma frequência.

E, no entanto, após os mais recentes testes de pré-temporada, o discurso não é exatamente risonho quanto ao futuro imediato.

Em Valência, um terço do tempo que deveria ser passado em pista foi passado com os carros parados, devido a um grande incêndio cujos contornos ainda não foram totalmente explicados (felizmente sem feridos graves). Os números de testes também voltaram a estar envoltos em segredo, com a categoria a partilhar apenas os melhores globais, mas sem número de voltas completadas nos seus canais de media.

O entusiasmo forçado com que novos calendários são anunciados também têm deixado muito a desejar. Existem poucos circuitos emblemáticos na FE, mas os poucos que existem têm levado a uma razia. Brooklyn em Nova Iorque já vai no segundo ano de dar lugar a um desinspirado Portland adaptado. Este ano é a vez de Roma dar lugar a um local incerto em pista permanente (mas que se desconfia ser Misano). Depois de Seul estrear e desaparecer, foi agora a vez de Jakarta. A substituição? Mais um circuito permanente: Shanghai.

6 das 16 provas de 2024 serão em circuitos permanentes, quando a categoria nasceu com promessas de usar circuitos citadinos de modo a aproximar os fãs dos locais da ação…

Falando em 2024, eis outra incongruência: a categoria começou como forma de preencher o espaço “morto” da maioria dos campeonatos, com várias provas no final de um ano e provas apenas até Maio do seguinte. Desde o Covid-19 que não conseguem começar mais cedo que Janeiro, e inclusivamente parecem tentados a terminar cada vez mais tarde.

No geral, para apoiantes da categoria elétrica (como eu) tem sido cada vez mais difícil ignorar os sinais de alguma regressão em componentes específicas da organização da Fórmula E. É preciso corrigi-los, antes que as provas se tornem irrelevantes para o fã de automobilismo médio porque aparentemente 10 anos não chegaram para limar as arestas…





Temos que falar de Lance…

14 10 2023

A segunda metade do campeonato do mundo de Fórmula 1 tem tido uma caraterística extremamente inesperada. Depois de ter começado o ano a ser eliminada no Q1, a McLaren tem sabido melhorar o seu carro de tal forma que neste momento consegue impor respeito em qualificação e corrida à dominante Red Bull.

Se é certo que Ferrari e Mercedes estão longe de adorar a sua situação de inferioridade perante uma equipa cliente, a verdade é que há uma equipa a fazer um trajeto completamente oposto e que olha com alguma inveja mal disfarçada para Woking: a Aston Martin.

7ª classificada em 2022, um carro projetado por Dan Fallows e pilotado por Fernando Alonso tem feito maravilhas para a fortuna da Aston em 2023. Foram 6 pódios nas primeiras 8 corridas do ano, cortesia de Alonso, com direito a uma vitória perdida à justa no GP do Mónaco. Quando falhou o pódio em Barcelona, Alonso encolheu os ombros, dizendo que não falhariam novamente no resto do ano. Na corrida seguinte até chegou um pódio, mas nas 9 seguintes apenas mais um…

Aquilo que entretanto já se compreendeu é que o rápido carro da Aston tomou uma curva de desenvolvimento errado algures nesse período, levando os ingleses a perderem alguns meses preciosos em que, pelo menos, 3 equipas conseguiram saltar-lhes à frente.

Normalmente, isto não seria motivo para pânico. Qualquer temporada é feita de fases de performance e a equipa contou com um piloto recorrentemente rápido de um dos lados da garagem. Mas o outro lado, certamente menos bem cotado por todos, tem estado abaixo de expectativas já de si bastante reduzidas para começar…

Todos conhecem bem a história de Lance Stroll. O canadiano foi campeão de F3 Europeia em 2016, financiado pelos bolsos fundos do pai (o empresário multimilionário Lawrence) estreou na Williams em 2017, antes de se mudar para a atual equipa em 2019 (quando o pai a adquiriu). Stroll sempre foi um caso atípico. Não desprovido de talento, mas com uma compreensão técnica descrita como reduzida, o piloto já fez pódios mas perdeu o confronto direto com quase todos os colegas de equipa que teve.

Em teoria, esta relativa falta de ritmo era compensada por um piloto rápido a seu lado e por uma chuva de investimento de Lawrence. Mas 2023 está a ser gritantemente desmotivante para a Aston. Enquanto Alonso fez 7 pódios, Stroll apenas fez um 4º lugar e dois 6º lugares. E isto são resultados de quando a Aston tinha ritmo para pódios. Desde que até Alonso passou a ter que lutar de faca nos dentes pelos lugares pontuáveis mais baixos (acumulando 66 pontos), Stroll fez um grande total de 10…

Isto com acidentes e saídas em Q1 a acumularem-se a um ritmo alarmante. Ainda mais alarmante, no entanto, tem sido a maneira como tem reagido publicamente. Ombros caídos, ar aborrecido, respostas petulantes (com o apogeu no último fim-de-semana quando respondeu 3 curtas frases antes de abandonar a conferência após qualificar-se mal em Losail). Os entrevistadores parecem esforçar-se por tornar Stroll humano, mas mesmo assim tem sido complicado.

Lance Stroll comporta-se como alguém que sabe que por muito mal que seja a sua performance nunca será despedido. As aspirações da Aston Martin por voos mais altos não conseguirão suportar o peso desta âncora se nada for feito brevemente…





De Vries: a decisão que assombra a AlphaTauri

30 09 2023

Quando os rumores de que seriam anunciados os pilotos da AlphaTauri em Suzuka começaram a ser ouvidos dias antes do GP do Japão, tornou-se claro em quem recaíria a escolha. Era impossível acreditar que a Red Bull cometeria o suicídio de relações públicas de remover o seu piloto japonês na sua corrida caseira. E no outro lado da garagem estava uma escolha óbvia: Daniel Ricciardo tem provas dadas no seu passado com a equipa e um apelo de marketing gigante.

Com ambas as vagas preenchidas, restou sem “cadeira” o neo-zelandês Liam Lawson. Inacreditável, considerando que o piloto tem sido o mais eficaz da AlphaTauri, mesmo com apenas 4 corridas de experiência.

Os efeitos de uma decisão precipitada

A verdade é que a escolha de Nyck de Vries no final de 2022 parece fazer menos sentido à medida que o tempo passa. De Vries, campeão de Fórmula E em 2021 e de Fórmula 2 em 2019, pareceu à Red Bull uma boa opção para substituir Pierre Gasly, especialmente logo a seguir ao brilharete do neerlandês no GP de Itália pela Williams. Só que mesmo antes de o piloto ser um flop em 2023, já se questionava a escolha quando pilotos já na esfera Red Bull estavam disponíveis.

Ricciardo e Lawson tiveram que esperar pela sua oportunidade, mas quando chegou o momento de substituir de Vries não foi um instante pacífico. Rumores circularam de que Lawson teria tido preferência no lugar vago a meio do ano, mas que a cúpula Red Bull forçou o regresso de Ricciardo à última da hora.

A mão partida de Ricciardo na sua terceira prova, acabou por dar a oportunidade a Lawson na mesma. O neo-zelandês teve que estrear com quase zero treino em Zandvoort em chuva torrencial e chegou ao fim da prova. Em Itália, falhou os pontos por pouco. Em Singapura navegou o caos para dar à equipa o seu melhor resultado do ano (9º lugar). No Japão, foi 11º. 4 provas, todas terminadas na frente de Tsunoda.

Antes da F1, foi 3º classificado do campeonato de F2 (depois de ter sido 9º na estreia, respeitável feito) na frente de Logan Sargeant (que chegou à F1), vice-campeão no DTM na estreia (num campeonato em que foi eliminado por um rival na última corrida) e com vice-campeonatos na F4 Alemã e (provisoriamente este ano) na Superformula Japonesa.

E, no entanto, não conseguiu um lugar na equipa B da Red Bull, numa altura em que a equipa principal deverá estar à procura de um novo colega para Max Verstappen em 2025. Está agora dependente de conseguir roubar um lugar na Williams ao antigo colega de equipa na Carlin na F2 (Sargeant).

Porque está a AlphaTauri tão reticente? Desconfiam da ideia de promover alguém que fez um brilharete a substituir um piloto a meio do ano, mas que pode não ter a consistência de ano inteiro necessária. Porque o último caso foi… Nyck de Vries.

A quantidade de problemas que uma promoção de Lawson no início de 2023 teria evitado não deixa de impressionar…





Top 5 – Fórmula 3 em 2023

10 09 2023

Sempre foi tarefa quase impossível entender o alinhamento das forças de qualquer temporada de Fórmula 3 que se avizinha, mas em anos recentes há certos padrões que se desenharam: ser estreante, desde que numa das grandes estruturas, não é nenhum impedimento para triunfar; quem tenta uma segunda temporada na categoria tem que aniquilar a concorrência ou ver-se escurraçado para a obscuridade do automobilismo.

Assim, qualquer um dos pilotos da Prema (Zak O’Sullivan, Dino Beganovic e Paul Aron) pode estar satisfeito com o seu ano, enquanto que a avaliação nas outras equipas é mais mista.

Na Trident, o campeão Gabriel Bortoleto “secou” o terreno à sua volta, deixando Oliver Goethe e Leonardo Fornaroli em maus lençóis, e colocou as várias academias em competição para ver quem o consegue prender para 2024. Já a ART viu aquele que deveria ter sido o seu ponta de lança (Grégoire Saucy) voltar a falhar no seu segundo ano, culminando num 8º lugar no campeonato de equipas.

Quem assumiu esse 3º posto foi a MP, que fez de Franco Colapinto o seu líder (ainda que tenha havido alguma inconstância) e viu o estreante Mari Boya e o regressado Jonny Edgar ganharem ímpeto ao longo do ano. Já na Hitech Gabriele Minì está mesmo a pedir para ser integrado novamente para uma segunda tentativa no campeonato, já que 2 vitórias provaram a sua velocidade mas faltou consistência a um nível elementar.

Mais atrás os destaques foram Pepe Martí e Taylor Barnard que arrastaram, respetivamente, a Campos e a Jenzer para terrenos em que quase não andaram em anos recentes, com direito a vitórias e, no caso de Martí, andar imiscuído na luta pelo título.

A nova Charouz, agora sob gestão PHM, conseguiu evitar o último lugar do campeonato (cortesia de um 7º lugar de Sophia Flörsch) às custas de uma Carlin que precisa mesmo de dar ímpeto verdadeiro à sua operação de F3 que não consegue, nem pouco mais ou menos, o ritmo da sua “irmã” de F2.

1 – Gabriel Bortoleto

Pode parecer uma simples formalidade colocar o campeão de final de ano como o mais completo piloto do ano, mas a verdade é que Gabriel Bortoleto esteve vários patamares acima da concorrência.

Campeão brasileiro de karts e vice-campeão mundial também, o brasileiro esteve nos dois últimos anos a deambular por categorias de promoção na Europa, tendo-se estreado na Fórmula 3 este ano. O seu cartão de visita foi ter vencido as duas primeiras corridas feature do ano com direito a pole position na segunda. Depois, enquanto os rivais tropeçaram uns nos outros e em adversidades várias, Bortoleto pontuou com regularidade (15 em 18 possíveis, com 13 delas consecutivas).

Não houve caminho para mais vitórias durante o ano mas 4 pódios adicionais foram sendo somados ao longo do ano, com o piloto igualmente forte em sprints e features para surpresa de muitos. O título acabou por chegar na última qualificação do ano, mas havia no ar uma certa inevitabilidade desde meio do ano.

Mais impressionante ainda foi ter conseguido tudo sem pertencer a uma academia de equipas de F1.

2 – Pepe Martí

Espanhol que fala inglês com um sotaque incrivelmente britânico, Pepe Martí não estaria debaixo dos holofotes de todos quando a temporada começou. 3º na F4 Espanhola em 2021 e vice-campeão de Fórmula Regional Ásia em 2022, o piloto tinha já competido pela Campos na F3 em 2022, com apenas 2 pontos. Tendo em conta que se mantinha na diminuta equipa para 2023, não se esperavam grandes resultados.

Mas Martí tinha outros planos. Logo no primeiro sprint do ano veio a vitória. Nas primeiras 12 corridas do ano só falhou os pontos numa única. Nova vitória no sprint do Mónaco. Depois, a consagração, com a primeira vitória em feature com volta mais rápida e pole position (e ainda por cima, em território caseiro em Barcelona). Quando Martí terminou 3º na feature de Silverstone, já só estava a 36 pontos de Bortoleto, como rival mais próximo.

Mais significativamente, eclipsava os colegas da Campos, sendo responsável por 60% dos pontos da estrutura.

Só o final do campeonato deixou a desejar. Em 6 provas, apenas conseguiu um 6º e um 9º, com 3 abandonos. Um deles foi na Bélgica, quando voltou para a pista de forma perigosa e terminou a sua prova e a de um rival sem culpa.

Mas demonstrou o suficiente para ser integrado agora na academia de jovens da Red Bull, o que lhe liberta o caminho para ascender à Fórmula 2.

3 – Taylor Barnard

É difícil de definir quão impressionante foi Taylor Barnard durante este ano, mesmo que ter terminado em 10º lugar no campeonato pareça distante. Só que o britânico estava ao serviço da Jenzer, equipa suíça que tem sofrido para se destacar no meio da tabela da F2, tendo em 2023 realizado a sua melhor temporada de sempre com 108 pontos (dois terços dos quais foram de Barnard).

Com vários títulos nacionais de karts, Barnard tornou-se um dos protegidos de Nico Rosberg, depois de ter guiado dois anos para o campeão de F1 na sua equipa do europeu de karting (com um vice-campeonato). Seguiram-se vice-campeonatos de F4 Alemã e Fórmula Regional Médio Oriente, antes de estrear este ano na F3.

Pela diminuta Jenzer, Barnard pontuou pela primeira vez em Melbourne e conseguiu não sair dos pontos durante 5 provas. Após um interregno, o britânico fez uma sequência diabólica no fim do ano, com 3 pódios em 4 provas, incluíndo a sua primeira vitória numa prova caótica na feature de Spa-Francorchamps, quando a Jenzer colocou os seus 3 carros entre os 4 primeiros.

Com um upgrade de carro para 2024, tem sérias possibilidades de conseguir fazer um ataque ao título e de conseguir atrair uma academia F1 para apoiar a sua carreira.

4 – Zak O’Sullivan

Após a última prova do campeonato em Monza, Zak O’Sullivan deverá certamente ter-se perguntado onde teria falhado a sua caça ao título. Acabado de entrar na academia Williams em 2023, O’Sullivan tinha como missão, na sua segunda temporada de F3, de vencer o título até por pertencer à poderosa Prema. Mas não foi possível, tendo que se contentar com o vice-campeonato.

Há muito que admirar no ano do britânico, tendo obtido 4 vitórias ao longo da sua temporada (2 em sprint, 2 em feature) e lançado as bases para um ano bastante impressionante. Só que, tal como Martí, pareceu ter-se encolhido na Hora H que foram as 8 corridas finais do ano. Foram 6 provas fora do Top 10 nesse período, com a consolação a serem duas features em que esteve brilhante: no Hungaroring fez pole, volta mais rápida e venceu; em Monza, quando tinha tudo em jogo, terminou 2º, sempre ao ataque pela vitória.

A presença de James Vowles nos festejos do piloto na prova final mostram que a fé da Williams não foi de todo abalada pelo ano realizado, sendo agora com grande expectativa que se aguarda ver onde será integrado na F2 de 2024.

5 – Franco Colapinto

Tendo estreado na F3 com um currículo que incluía Le Mans Series Europeia e um título de F4 Espanhola, Franco Colapinto tinha feito suficiente para vencer com um Van Amersfoort e ser incluído na academia Williams. O que se poderia esperar numa segunda temporada com um MP mais competitivo? Aparentemente, nada de radicalmente diferente.

Não que se possa ser demasiado crítico. O argentino foi o primeiro piloto da equipa neerlandesa e venceu por duas vezes, mas, crucialmente, foram sprints. Dos 5 pódios deste ano, 4 foram em sprint. Mas também pontuou em 14 das 18 provas e teve diversas provas em que esteve em excelente nível. Este entre os mais impressionantes do ano, só lhe pareceu mesmo ter dado o derradeiro passo em frente que Victor Martins conseguiu dar em 2022, por exemplo.

Ter abandonado a última corrida do ano por contacto quando ainda discutia o vice-campeonato não foi ideal.

O 4º lugar no campeonato deixa-o claramente com todas as condições para avançar para a F2, restando ver como será a sua adaptação quando comparada com a que O’Sullivan será capaz de fazer.





A redução das equipas oficiais

13 08 2023

Mesmo considerando a escala colossal do domínio que Max Verstappen e a Red Bull têm imposto na Fórmula 1 em 2023, dificilmente seria possível a qualquer fã não referir a extraordinária ascensão da equipa Aston Martin e, mais especificamente, do regresso de Fernando Alonso aos pódios regulares.

Mais extraordinário ainda é o facto de a Aston Martin estar a quebrar aquela que se considerava ser uma regra imutável da F1 desde 2014 com a introdução dos motores V6 híbridos: uma equipa privada a vencer a equipa oficial do seu fornecedor de motores.

Estará esta nova tendência para durar? Ou tratou-se de uma exceção temporária? A resposta a estas perguntas ditará muito quanto ao futuro próximo da categoria.

Consequência natural dos congelamentos e limites?

Se tivermos em conta a retórica do início do ano saída da Alpine, seria de crer que Oscar Piastri cometera um erro na sua escolha de McLaren sobre Alpine. A conclusão parecia lógica. O australiano menosprezara o valor de pertencer a uma equipa oficial em favor de uma estrutura que não só era cliente da Mercedes, como ainda por cima estava em plena reestruturação.

As primeiras provas corroboraram a análise. Enquanto que a McLaren falhou a entrada no Q3 no Bahrain e Piastri nem do Q1 saiu, a Alpine parecia estar no caminho dos pontos constantes (com as poucas ocasiões em que isso não sucedeu a dever-se a previsíveis e evitáveis desentendimentos entre Esteban Ocon e Pierre Gasly). Tudo conforme previsto? Não. A Aston Martin veio complicar as contas.

Com investimentos de renome em túnel de vento, na nova fábrica, nas posições de chefia e na contratação de Fernando Alonso, a Aston Martin veio provar que ser equipa cliente da Mercedes não os impedia de se assumirem como segunda força da grelha logo atrás da Red Bull, mesmo quando haviam sido apenas 7º classificados em 2022. Havia uma nova definição daquilo que eram objetivos razoáveis para as equipas do final da tabela de pontuação. A McLaren tinha um novo ideal para almejar. A Alpine tinha provas de que estava bem aquém de onde se devia encontrar.

Durante os meses que se seguiram até agora, a Aston aparenta ter seguido um caminho de desenvolvimento errado, perdendo alguma performance; a McLaren acertou em cheio no seu caminho e está a fazer pódios e a competir por lugares entre os 5 primeiros; a Alpine prosegue o seu caminho incerto que já tratou de ver despedidos os seus principais líderes.

Existem motivos para esta situação, para além da incompetência da equipa de Enstone e mérito das outras duas. Em primeiro lugar, estamos perante uma situação de congelamento de motores desde o início de 2022, cujos efeitos de equalização de performance se começam verdadeiramente a fazer sentir agora. Em segundo lugar, e a começar em 2021, o tecto orçamental cujo objetivo era aniquilar a vantagem das grandes equipas e encurtar as distâncias do topo ao fundo do grid, teve também tempo de surtir efeito.

Novas regras de motor chegarão em 2026 (e novos fornecedores), eliminando certamente este estado de coisas. As equipas oficiais deverão contar com esta mudança para recuperar a sua hegemonia. Mas até 2025? Está aberta a oportunidade de ouro para uma equipa privada avançar.

Até porque a vizinha Fórmula E tem exemplos vivos.

Os embaraços de Jaguar e Porsche: Envision e Andretti

Não existiam até há relativamente pouco tempo muitas equipas clientes na Fórmula E, onde montar um programa que envolva a produção das próprias unidades motrizes é muito mais barato que um equivalente na F1, mas existe um exemplo recente de uma equipa que venceu com motores clientes: a Techeetah conseguiu o título de pilotos de 2017-18 com propulsores da Renault contra a equipa oficial.

Mas o título de equipas desse ano permaneceu com a Audi, estrutura oficial. O verdadeiro embaraço foi este ano: com regulamentos inteiramente novos, ambos os títulos caíram nas mãos de equipas clientes. Jake Dennis ao serviço da Andretti levou o campeonato de pilotos e a Envision tratou de levar o de equipas.

Foi um ano em que a Envision venceu sobre a fornecedora Jaguar e a Andretti sobre a fornecedora Porsche, com a particularidade que foram estas as 4 primeiras classificadas do mundial e que disputaram o título entre si (com direito a 14 vitórias em 16 provas para as 4). Isto provou também que não é necessário uma estrutura oficial estar em maus lençóis para perder, ainda que valha a pena recordar que na categoria elétrica se usa o mesmo chassis.

Ainda assim, tratou-se de um feito impressionante, que deixou Jaguar e Porsche com sorrisos amarelos nas suas reuniões com as respetivas direções, tendo que defender o sucesso de carros por si equipados terem triunfado ao mesmo tempo que explicavam como foram batidos por clientes.





Top 10 da Fórmula E 2023

6 08 2023

Não deixa de ser irónico que num ano em que apenas duas corridas não foram vencidas por monolugares equipados por Porsche ou Jaguar, ambas as marcas tenham tido um ano extremamente frustrante. É que ambos os títulos pertenceram a equipas clientes de ambas, deixando os chefes de equipa com conversas bastante constrangedoras a ter na sua avaliação de desempenho com a casa-mãe.

A Jaguar deu tiros nos próprios pés, com Sam Bird a eliminar o colega de prova duas vezes e mesmo Mitch Evans acidentou-se sozinho num momento crítico, mas a Porsche dificilmente tem uma justificação tão simples. Mesmo com a contratação de António Félix da Costa para dar a Pascal Wehrlein uma concorrência mais próxima, a equipa parece incapaz de desenvolver o seu carro ao longo de uma temporada de forma eficaz.

A Andretti foi uma estrutura de um só carro (André Lotterer foi humilhado com apenas 23 pontos contro os 229 do colega campeão, Jake Dennis), a Envision viu um título de construtores premiar a dupla mais competente do ano e a DS Penske fez um sólido primeiro ano de cooperação (vencendo a sua primeira corrida).

Mas foi também um ano de grandes desilusões. A Mahindra falhou por completo o ano, culiminando num problema de suspensão que os obrigou a abandonar uma prova antes de partir e arrastando a cliente ABT para os dois últimos lugares na grelha. Oliver Rowland bateu com a porta na Mahindra antes do ano terminar, enquanto que Robin Frijns foi anónimo na ABT (além de ter partido um pulso na ronda inaugural).

Enquanto isso, a McLaren foi procurando arranjar o seu espaço fora da esfera Mercedes, a Nissan e NIO parecem finalmente estar no caminho da recuperação e a Maserati transformou o seu início penoso numa estrutura capaz de pontuar com regularidade e até vencer (ainda que Edoardo Mortara tenha sido um surpreendente peso morto).

1 – Nick Cassidy

Geralmente uma presença discreta ao lado de rivais mais badalados, Nick Cassidy estreou-se na Fórmula E em 2021 com a Envision ao lado do cotado Robin Frijns e foi construindo o seu espaço com 2 pódios e 2 poles. Mesmo entre os estreantes do ano, Cassidy não passou para o topo da lista de ninguém, e apesar da primeira vitória na categoria em 2022, o neozelandês voltou a ser batido internamente por Frijns.

A saída do neerlandês pela entrada do campeão Sébastien Buemi e o estatuto de equipa privada da Jaguar por parte da Envision pareciam limitar naturalmente a progressão de Cassidy. Mas alguém se esqueceu de informar o piloto disso.

Com uma consistência de pontuações notável, o neozelandês perdeu pontos para Buemi nas 3 primeiras provas, mas depois arrumou o novo colega a um canto dentro de pista (5 pódios em 6 provas contra 0 em 6) e fora de pista (a maneira como gozou com o suíço pela rádio depois de um incidente entre ambos foi um golpe de mestre, dada a irritabilidade fácil de Buemi). Vitórias em Berlim, Mónaco e Portland colocaram-no firmemente na luta pelo título, e apenas em Jakarta pareceu perder a compostura.

Nas 3 provas finais foram 2 abandonos e uma vitória de ponta a ponta. Nenhum dos dois abandonos foi culpa própria: num foi eliminado por Mitch Evans e no outro pelo colega de equipa. Sem estes contratempos teria muito provavelmente sido campeão.

2 – Jake Dennis

Ninguém esperaria que o título de campeão na primeira temporada da terceira geração de carros de Fórmula E terminasse com uma disputa entre dois pilotos de equipas privadas, e muito menos que a primeira prova do ano caísse nas mãos de uma Andretti como nova cliente da Porsche.

Habituado a ser subestimado desde a sua primeira temporada na categoria, Jake Dennis voltou a ser o líder indiscutível dos americanos, com uma sequência impressionante de terminar no pódio todas as corridas em que pontuou (com exceção da primeira prova de Roma). Não que isto tenha sido sempre por consistência pura. Ao longo do ano foi visível a frustração do britânico com os constantes pódios sem vitória e com a gestão de energia necessária para se manter em disputa pela vitória.

Mas foram precisamente os pódios constantes e a boa gestão de consumo que deixaram Dennis sempre na frente do campeonato ou próximo, enquanto os rivais tropeçavam constantemente. Quando a hecatombe da segunda prova de Roma eliminou os seus rivais, também foi assim que soube estar em posição perfeita para vencer pela primeira vez desde a prova inaugural.

O título mundial foi um justo prémio para a sua consistência de ouro.

3 – Maximilian Günther

É difícil identificar um piloto com a cotação tão baixa quanto a de Maximilian Günther no início deste ano. Tendo provado ser capaz do melhor e do pior na BMW e tendo sido batido em toda a linha por Sébastien Buemi na Nissan em 2022, o alemão só conseguiu um lugar na nova estrutura Maserati porque Nyck de Vries foi chamado para a Fórmula 1. E mesmo assim, só por um ano. Quando na primeira metade do ano o Maserati provou ser lento e pouco fiável, ninguém se surpreendeu de ver o piloto a zeros.

Mas quando a marca italiana começou a mostrar rendimento a meio do ano, começando em Berlim, muitos ficaram surpresos por ver que o primeiro pódio da marca histórica não pertenceu ao sempre consistente Edoardo Mortara, mas sim a Günther. Com a exceção de um abandono desnecessário (incidente com Ticktum) no Mónaco, Günther classificou-se entre os 6 primeiros em 4 das 5 corridas que se seguiram, com direito a 3 pódios e à primeira vitória Maserati em Jakarta.

Com mais de metade dos pontos de Mortara, Günther colocou um problema à Maserati, que apenas o tinha preso a um contrato de um ano e agora terá que correr para o renovar sob pena de ficar com um Mortara bastante desmotivado apenas.

4 – Jean-Éric Vergne

Em quase permanente ligação com as marcas francesas do grupo Stellantis, Jean-Éric Vergne acompanhou a DS na sua saída da Techeetah em favor da pouco competitiva Penske. Seria sempre expectável que a nova DS Penske tivesse uma melhoria da sua performance, mas também que os dois campeões (Vergne e o colega Stoffel Vandoorne) tivessem dificuldade em simplesmente continuarem nos lugares cimeiros.

O que ninguém teria esperado era que, depois de três provas a roçar o fundo da tabela de pontuação, Vergne mostrasse tenacidade suficiente para segurar uma porção significativa dos pilotos do grid em fila única atrás de si em Hiderabade para dar à DS a única vitória do ano.

O resto de ano foi feito de conquistas um pouco mais modestas mas igualmente notáveis, com 2 pódios adicionais e pontuando em mais de metade das provas. O facto de ter terminado com mais de metade dos pontos do colega (que era o campeão em título e melhor piloto dos últimos dois anos) só demonstra bem a dimensão da temporada de Vergne. Assim que tiver carro para mais nos próximos anos deverá ser uma dor de cabeça séria para todos os rivais.

5 – Mitch Evans

Foi talvez o ano mais frustrante da carreira de FE de Mitch Evans, o que é dizer algo. Depois de 6 anos em que integrou uma equipa Jaguar a aproximar-se pouco a pouco da luta pelos lugares da frente, o neo-zelandês foi 3º em 2021, vice-campeão em 2022 (com mais 3 vitórias que o campeão) e em 2023 poderia muito bem ter sido a vez do homem da Jaguar.

Mas as coisas não correram dessa forma. Os enormes talentos de Evans voltaram a estar à vista de todos, com 3 vitórias e 5 pódios, assim como a maneira como voltou a arredar Sam Bird a um canto (acabando com a carreira do colega na equipa, quando havia chegado como um dos melhores da categoria). A má forma no início do ano da equipa e o facto de Bird o ter eliminado em 2 (!) corridas diferentes ditaram mais um título escapado.

Porquê não estar mais acima nesta tabela? Simples. Ao contrário dos outros anos, houve quem mostrasse mais consistência e, especialmente, sangue frio. Depois de uma vitória na primeira corrida de Roma, Evans via-se numa luta a 3 com Dennis e Cassidy quando deitou tudo a perder com uma travagem mal calculada na segunda volta, que entregou o título de bandeja. Mais frieza para evitar um erro imperdoável destes é necessária.

6 – Pascal Wehrlein

Há muito à espera da oportunidade de conseguir estar com consistência entre os primeiros classificados da categoria, Pascal Wehrlein viu-se nas primeiras 4 provas do ano com um Porsche que conseguiu aproveitar extremamente bem as novas regras para dominar e não desapontou: foram 2 vitórias e 3 pódios.

Deveria ter sido o momento certo para começar a fugir no campeonato, até porque o principal rival era Jake Dennis com propulsores da Porsche também, mas o alemão acabaria por sofrer com uma performance muito difícil do carro em qualificação. Os carros da marca alemã até tinham ótimo ritmo de corrida que permitia recuperar posições, mas a desvantagem deixava Wehrlein a não conseguir imiscuir-se no Top 6. E assim os rivais retomaram a iniciativa.

O facto de o novo colega, António Félix da Costa, ter pontuado melhor nesta fase difícil não abonou a favor de Wehrlein. Ainda assim, uma nova vitória em Jakarta ajudou a retomar a iniciativa no combate pelo título. Mas a maneira como se foi tornando mais anónimo à medida que a Porsche perdia rendimento deixa um ponto de interrogação.

7 – António Félix da Costa

Qualquer possibilidade que pudesse existir de António Félix da Costa conseguir competir pelo título em 2023 desapareceu ao fim de 3 corridas, Ainda a adaptar-se na sua estreia com uma equipa nova (e ainda por cima regulamentos diferentes), o português viu o seu colega na Porsche (Wehrlein) assumir os comandos da estrutura com 2 vitórias e um segundo lugar em 3 provas. No mesmo período, tinha apenas pontuado 6 pontos na primeira prova do ano.

Era preciso reagir, e Félix da Costa conseguiu dissipar dúvidas sobre o seu nível de performance com uma vitória na estreia da Cidade do Cabo no calendário, conseguindo vencer com a equipa alemã ao fim 5 cirrudas quando o homem que substituiu (Lotterer) não o fez em 3 anos. A partir daqui o ritmo dos dois pilotos equilibrou por completo, mas a distância na tabela de classificação tornava inevitável a secundarização do português até ao final do ano.

Mesmo quando admitiu publicamente necessitar de ser segundo piloto até ao final do ano, Félix da Costa deixou claro que não seria a qualquer custo. Quando Wehrlein circulava no final do Top 10 em Portland, o colega não se deixou preocupar: atacou Dennis e Cassidy até ao final pela vitória, encurtando pouco a pouco a distância para o outro Porsche no campeonato.

As 4 rondas finais acabaram por ser dolorosas (uma delas literalmente com um acidente em Roma), particularmente a desclassificação por motivos técnicos de Londres quando tinha recuperado de 17º a 2º.

8 – Dan Ticktum

De temperamento explosivo, rasgos ocasionais de grande velocidade, uma inteligência táctica por vezes questionada e ao volante de um NIO 333 que fora penúltimo em 2022, Dan Ticktum não estava no radar de muitos na antevisão de 2023.

Só que o britânico acabou mesmo por ser um dos pilotos mais impressionantes do ano. Ainda sem ritmo para grandes voos, mas marginalmente melhor que o antecessor, o NIO conseguiu almejar lutar por pontos com alguma frequência nas mãos de Ticktum. Um pequeno 10º lugar na terceira prova do ano foi para abrir o apetite, mas chegou ainda um ótimo 6º na Cidade do Cabo. Após Berlim voltou a haver espaço para um novo 6º, a segurar o pelotão.

E nas 3 provas finais, uma delas sob chuva torrencial, 3 pontuações com um 9º, um 7º e outro 9º. Isto permitiu a Ticktum acabar com o dobro dos pontos do colega Sérgio Sette Câmara (e a maioria dos pontos deste vieram de um único resultado), sendo líder incontestado e garantindo o melhor resultado da NIO no campeonato desde 2017-18.

Porquê tão para baixo? Simples: Ticktum continua a ser o seu pior inimigo fora de pista. Quando as coisas não corriam bem, o piloto não hesitou em culpar a equipa (uma das vezes gritando com o engenheiro pelo rádio, enquanto dizia que não compareceria no briefing e pedindo um táxi…). Uma estratégia que vai dificultar as suas possibilidades de obter um lugar melhor na categoria.

9 – Sébastien Buemi

Havia muito a provar para Sébastien Buemi em 2023. Desde a primeiríssima temporada da categoria elétrica que o suíço estava envolvido na estrutura da DAMS sob as suas formas Renault e Nissan, pelo que a mudança para a Envision era interessante por si só. Juntando a isto o facto de há duas temporadas o rendimento de Buemi estar bem abaixo do esperado, depois de já ter sido campeão (2015-16) e vice-campeão (3 vezes), e era grande a expectativa de ver como reagiria.

E a reação foi positiva. No novo ambiente de equipa privada, Buemi começou o ano com 6 pontuações diferentes e 7 corridas, aproveitando a boa forma da nova equipa, além de se ter começado a restabelecer como piloto confiável e regular durante o resto do ano.

Como pontos negativos, pode-se falar de ter sido amplamente batido por Cassidy (que não se deixou intimidar com as reclamações do suíço) e de não ter chegado ao pódio. Mas ter sido um eficaz segundo piloto quando Dennis teve que se contentar com Lotterer já é um grande feito para quem vinha de temporadas tão ineficazes. Agora resta construir um 2024 mais promissor com base num sólido 2023.

10 – Norman Nato

Tendo competido como estreante na Venturi em 2021, com um início particularmente difícil, Norman Nato viu uma vitória na corrida final do ano ser recompensado com… ficar sem lugar. Fazendo uma “perninha” nas duas rondas finais em 2022 pela Jaguar, Nato acabou por merecer o seu regresso com a Nissan para este ano.

Parecia uma excelente prenda, este lugar numa equipa de fábrica com um colega quase estreante, só que podia muito bem ter sido um cálice envenenado com a estrutura que já fora campeã a perder ritmo há várias temporadas e a ficar sem ambos os pilotos no fim de 2022. A primeira corrida até começou com um abandono num incidente em que Robin Frijns ficou com um pulso partido.

Acumulando pontos como pôde na primeira metade do ano, e com a cliente da Nissan (McLaren) a pontuar melhor, Nato soube gerir de forma brilhante as suas provas até que um ótimo 5º lugar em Jakarta provou ser a sua rampa de lançamento para não voltar a largar os pontos. Inclusivamente obteve em Roma o primeiro pódio da Nissan em dois anos, acabando o ano com quase o dobro dos pontos do colega.

A Nissan viu-se assim na frente da McLaren e Nato poderá conseguir ainda melhores resultados em 2024 se a equipa prosseguir a sua trajetória ascendente.