Depois da montanha russa de 2021 e de um ano moderadamente interessante de F1 em 2022, 2023 trouxe um novo ano em que o verdadeiro entusiasmo estava fora das lutas pela vitória, uma vez que elas tinham dono. Max Verstappen e a Red Bull dominaram a seu bel-prazer e, por muito que os comentadores desportivos insistam haver entusiasmo em ver recordes de domínio a serem estabelecidos, não há nenhum entusiasmo possível.
O verdadeiramente incrível no feito foi que a Red Bull pura e simplesmente não sentiu qualquer impacto digno de nota na restrição ao túnel de vento que foi a penalização por exceder o orçamento de 2022. Mas a verdade é que a Ferrari e a Mercedes atingiram os limites totais do seu conceito de carro, com a Red Bull a não só conseguir começar de um padrão de performance mais elevado como também o consegue desenvolver melhor.
Se na Ferrari ainda houve a consolação de uma vitória, na Mercedes foi o 2º lugar por margem mínimo que passou por progresso (até porque George Russell simplesmente não esteve no mesmo nível que no ano anterior).
Estas quebras de forma permitiram a duas equipas privadas, Aston Martin e McLaren, destacrem-se de uma forma que em anos anteriores tinha sido quase impossível. Ambas as estruturas conseguiram destacar-se a ponto de quase triunfarem, ainda que a diferença entre elas tenha sido estabelecida pelo facto de uma contar com dois pilotos de bom nível e outra ter o lastro que foi Lance Stroll a parecer ter falta de motivação para sequer querer saber da pesada derrota inflingida por Fernando Alonso.
Stroll esteve longe de ser a única desilusão do ano, num ano em que Sergio Pérez apanhou em cheio com uma forte dose de realidade e pareceu incapaz de se qualificar sequer entre os 5 primeiros com o carro que foi campeão do campeonato de construtores, e Nyck de Vries não conseguiu durar o ano inteiro com as suas performances (dando lugar a Daniel Ricciardo e Liam Lawson).
Mais atrás a Alpine voltou a mostrar-se sem rumo na sua direção, com a agravante de ter dois pilotos que explodiram na rádio sobre as ordens de equipa por diversas vezes durante o ano sem sequer demonstrarem rapidez para mais que dois pódios. Ainda assim, melhor que as estruturas logo atrás.
A Williams até conseguiu impressionar, se bem que Logan Sargeant precisa de fazer muito melhor em 2024 para ter nova renovação, mas a Haas continuou bem perdida no seu desenvolvimento de carro (acabando em último lugar pela segunda vez em 3 anos), a AlphaTauri conseguiu a proeza de passar a maior parte do último ano de Franz Tost em maus lençóis em pista (e uma melhoria na reta final que deixou rivais a perguntar-se se não houve trocas de informação indevidas com a Red Bull…), e a Alfa Romeo teve que se começar a preparar para a vida de equipa privada como Sauber (em transição para a sua passagem a Audi).
1 – Max Verstappen
Há vários anos em que um domínio aconteceu na Fórmula 1 e em que é possível não entregar o prémio de piloto do ano ao campeão dominante. Pode ser por ter havido um piloto em equipamento inferior que brilhou como pôde ou por o domínio poder ser relativizado. Não em 2023. O ano pertenceu de forma total a Max Verstappen.
Depois de ter tido algumas dificuldades pontuais em 2022, Verstappen até pareceu ir ter uma luta em mão com o colega Sergio Pérez. Foram 4 corridas com 2 vitórias para cada e estavam empatados na frente do campeonato. Só que depois veio Miami em que Verstappen partiu de 10º e mesmo assim venceu convincentemente Pérez (que largou de pole). Foi o início de um período de domínio do neerlandês e de queda psicológica total do mexicano.
Verstappen ampliou um recorde que já era seu de maior número de vitórias num ano, com 19. Estabeleceu um novo recorde de vitórias seguidas (10) e de voltas lideradas num ano (1003). Só houve uma corrida em que o piloto acabou fora do pódio (e ficou em 5º). E em várias provas nem sequer foi um domínio falso porque “só” fez 12 poles.
Havia sempre uma certa inevitabilidade em ver uma corrida este ano, de que Verstappen arranjaria maneira. Os rivais pareciam derrotados antes da partida. Ninguém parou o novo tricampeão em 2023.
2 – Fernando Alonso
A cada ano desde o seu regresso à categoria principal do automobilismo que Fernando Alonso tem um número maior de pessoas a prever o momento em que o mais velho piloto da grelha de partida comece a perder a sua velocidade natural (da mesma forma que, por exemplo, Kimi Räikkönen perdeu). E a cada ano, o espanhol volta a silenciar os críticos.
Uma nova equipa, que terminou em 7ª no campeonato anterior, poderia colocar a paciência de Alonso em causa, mas a Aston Martin acertou em cheio com o seu AMR23 e a partir do momento que teve nas mãos o seu novo brinquedo Alonso tornou-se intocável. 6 pódios em 8 corridas marcaram o início de um ano em que o piloto teve o cuidado de elogiar o novo colega de equipa (filho do patrão, claro) e de o simultaneamente ajudar e humilhar ao recusar-se a passá-lo no GP de Espanha…
A partir daí a Aston perdeu competitividade ao tomar uma curva errada no desenvolvimento do carro, mas Alonso continuou a não se deixar abater e lutou por cada ponto como se fosse um estreante a provar-se. A equipa agradeceu, até porque Lance Stroll foi de muito pouca ajuda para o campeonato de construtores.
Entre os melhores momentos do ano houve espaço para uma quase vitória no Mónaco (apenas uma má decisão de troca de pneus a impediu) e um photo finish em que passou Sergio Pérez na reta final de prova no Brasil. Alonso continua com velocidade para dar e vender.
3 – Lando Norris
Quando 2023 começou com os McLaren eliminados na Q1, o contrato que liga Lando Norris à McLaren até final de 2025 deve ter parecido bem longo para o britânico. Norris tentou nunca se abater, somando pontos quando possível agora que era líder incontestado da McLaren com um estreante ao lado. E até deu uns ares da sua graça, como quando se qualificou em 3º em Barcelona.
E depois, sem nada o fazer prever, a McLaren por volta da Áustria conseguiu resolver quase todos os seus problemas. 4º lugar foi o melhor resultado do ano até aí mas o melhor estava para vir logo a seguir. A McLaren transformou-se numa quase permanente 2ª força do campeonato até ao fim. E Norris começou a acumular 2º lugares. 6 deles, mais especificamente, alguns deles a dar dores de cabeça ao campeão Verstappen.
O impossível 4º lugar nos construtores tornou-se possível, mesmo com a Aston Martin a ter começado tão bem, mas não demorou até se perceber que Norris se mostrava cada vez menos celebratório com os pódios porque a vitória teimava em não chegar (com a derrota do GP da Rússia de 2021 a parecer cada vez mais mal perdida, certamente), a ponto de ter igualado o recorde de maior número de pódios sem vitória da categoria (13).
Ainda assim, é inegável que parece uma questão de tempo dado o talento e velocidade de Norris. Terá é que prestar atenção, porque o colega Oscar Piastri já lhe deu mais trabalho num ano que Daniel Ricciardo em dois…
4 – Alexander Albon
Se 2022 tinha sido o ano da recuperação da reputação de Alexander Albon, 2023 foi o ano em que o tailandês recordou ao paddock que houve bons motivos para que tenha sido logo promovido na estreia F1 para a Red Bull.
Com um 10º lugar logo na estreia, Albon abriu a conta da Williams logo ali mas o melhor ainda estava por vir. Um 7º lugar no GP do Canadá mostrou o piloto ao nível a que nos habituaria ao longo do ano: sempre em grande forma, confiante nas ultrapassagens e com excelentes qualificações. Nem foi mostra única, uma vez que seis provas depois voltaria a terminar nessa posição.
No total foram 7 pontuações ao longo do ano, tendo somado 27 dos 28 pontos da diminuta equipa e estabelecido de novo uma reputação como um dos pares de mãos mais seguros do paddock. Foi praticamente em exclusivo à sua conta que a Williams conseguiu um 7º lugar nos construtores, a sua melhor prestação em largos anos.
5 – Lewis Hamilton
Depois de uma primeira derrota no campeonato para um colega desde 2016 e do choque de ter que lidar com um monolugar lentíssimo que o deixou sem vitórias pela primeira vez na carreira, Lewis Hamilton terá sentido a pressão como poucas vezes antes na carreira para 2023. Enquanto fãs de George Russell se preparavam para assistir a um segundo capítulo da nova Mercedes, Hamilton tratou de se colocar rapidamente num ascendente que os mais atentos já teriam reparado na segunda metade de 2022.
A vitória sobre Russell foi em toda a linha este ano. Não é certo se foi o jovem que teve um ano pior ou se a excelente forma de Hamilton o fez desanimar, mas a verdade é que Russell cometeu muitos mais erros ao longo do ano e o heptacampeão esteve quase imparável, limitado apenas pelo Mercedes pouco competitivo.
Foi comum ver a equipa como terceira força, mas sempre com uma segunda força diferente (rodando entre Aston Martin, Ferrari e McLaren) que dava a oportunidade a alguém regular e rápido de acumular pódios e ocasionalmente ameaçar um pouco a vitória. Hamilton foi esse alguém, com 6 pódios que o deixaram como melhor piloto do ano fora da Red Bull.
Poderia ter ficado mais alto nesta lista caso, em provas em que 5º era a sua melhor aspiração, se tivesse demonstrado mais aguerrido.
6 – Oscar Piastri
Com um “escândalo” de contratação a marcá-lo irremediavelmente para a estreia com a McLaren, Oscar Piastri carregava um pesado fardo no princípio do ano. Dificilmente foi ajudado por um abandono ao fim de poucas voltas na sua primeira corrida.
Os primeiros pontos chegaram em casa na Austrália, mas o McLaren devia muito a nível de performance quando 2023 começou. As primeiras corridas foram duras, tendo pontuado apenas duas vezes em 9 tentativas, só que a partir do GP do Reino Unido as coisas mudaram. Na mesma corrida em que o colega lutou pela vitória, Piastri até ficou desiludido por não ter segurado o pódio contra Hamilton mas compreendeu que era um excelente resultado para a equipa.
E não foi preciso esperar muito. Os resultados continuaram a chegar até que ficou entre os 3 primeiros pela primeira vez no Japão, uma pista conhecida por ser extremamente difícil para estreantes. Na prova seguinte venceu com autoridade o sprint, tendo que controlar a distância para o campeão Verstappen.
No final do ano tornou-se o primeiro estreante desde Hamilton em 2007 a fazer um pódio, ameaçou Norris em qualificação, recebeu elogios de todos os cantos do paddock e terminou na frente de ambos os Alpine no campeonato. Trabalho feito.
7 – Carlos Sainz
Não é à toa que Carlos Sainz conseguiu a proeza de vencer em 2023 e ser o único piloto não-Red Bull a fazê-lo em 22 corridas. A maneira como fez pole position em Singapura (aproveitando o mau ritmo da Red Bull nessa prova), como liderou a corrida e como fez uso de Lando Norris para o manter em zona de DRS de modo a defender-se dos ataques que viriam de George Russell evidenciam Sainz no seu melhor, numa performance que sozinha mereceria a inclusão nesta lista.
Voltando a lidar melhor que Charles Leclerc com um Ferrari desapontante, o espanhol pontuou em 18 das 22 corridas, fez 3 pódios e esteve na frente do campeonato Ferrari quase todo o ano. A derrota por margem mínima até chegou no contexto de uma tampa de esgoto que lhe rebentou o carro em Las Vegas, mas houve algumas ocasiões em que devia ter feito melhor.
A penalização em Melbourne por colidir com Alonso, apesar dos protestos sentidos, foi merecida. O acidente nos treinos livres de Abu Dhabi foi desnecessária, numa altura em que a equipa dele ainda estaria a querer um esforço concertado para passar a Mercedes no campeonato.
A impressão de que um Leclerc nos seus melhores dias o poderia bater ainda permanece, mas já são dois anos de parceria em que mostra lidar melhor com adversidades. Importante, até porque está a chegar o momento de decidir se continua na Scuderia ou se aceita o desafio Audi…
8 – Charles Leclerc
Não pode ter sido fácil ser Charles Leclerc em 2023. Um ano depois de ter brilhado ao ameaçar Verstappen na luta pelo título, Leclerc recebeu um Ferrari completamente inferior para as mãos e voltou a ver o colega Sainz mostrar-se muito mais à vontade com essa situação (semelhante a 2021).
O monegasco teve que se habituar a passar grande parte do ano como o mais rápido mas menos eficaz dos dois carros italianos, apesar de ter voltado a mostrar em qualificação que é absolutamente impossível de parar quando está nos seus dias: 5 pole position num ano em que a Red Bull só não venceu uma prova foi inacreditável… Contudo, ter que ver Verstappen inevitavelmente repassá-lo em corrida pareceu começar a afetá-lo.
O GP de Las Vegas foi das melhores exemplificações do seu ano. Partiu de uma brilhante pole, mostrou alguma simpatia em excesso com Verstappen na partida que o fez ficar a “ver navios” durante grande parte da corrida, antes de fazer uma brilhante ultrapassagem sobre Pérez para 2º nos momentos finais, exclamando na rádio “ao menos um 2º…”.
Bem pode agradecer à tampa de esgoto americana que destruiu o fundo do carro de Sainz por ter conseguido passar o colega no campeonato nos instantes finais da última corrida do ano.
9 – Nico Hülkenberg
O regresso de Nico Hülkenberg aos comandos de um Fórmula 1 em regime de full time foi recebido com uma certa consternação por uma porção do paddock. O alemão é recordista de uma estatística que poucos gostariam de ter associada ao seu nome: maior número de Grande Prémios disputados sem pódio (203), mas era fácil perceber porque é que a Haas apostou nele para substituir um Mick Schumacher com enorme falta de consistência.
Hülkenberg tem uma carreira de obtenção de pontos com equipamento menos que ideal e foi precisamente isso que encontrou na Haas. Os americanos projetaram um carro que até era veloz em qualificação, mas que caía que nem uma pedra sempre que havia um corrida com maior extensão que um sprint. Foram apenas 2 ocasiões em que o piloto conseguiu pontuar, mas ambas impressionantes: um 7º lugar no GP da Austrália e um 6º no sprint do GP da Áustria.
Depois de Schumacher ter batido Mazepin facilmente em 2021 e de Magnussen ter batido Schumacher facilmente em 2022, foi a vez de Hülkenberg fazê-lo a Magnussen. Em qualificação venceu por 15-7 e em corrida 13-9, tendo várias aparições no Q3 para provar a sua velocidade e tendo somado 9 pontos contra 3 do dinamarquês.
A dupla foi mantida, mas há pilotos à espreita como Oliver Bearman. Resta ver se assistimos ao pico do piloto alemão ou se ainda tem fôlega para continuar em grande a sua segunda vida na F1.
10 – Liam Lawson
Um rumor bastante forte circulou no GP da Hungria de que Liam Lawson deveria ter sido o substituto do pouco impressionante Nyck de Vries, e que apenas uma decisão de Helmut Marko à última da hora teria dado o monolugar a Daniel Ricciardo. Verdade ou não, Lawson só teve que esperar mais 2 provas para estrear na F1, quando Ricciardo partiu a mão.
Num fim-de-semana em que a chuva intensa marcou a ação, Lawson soube manter-se fora dos muros e a aprender o máximo possível sempre que estava ao volante para chegar em 13º. Na corrida seguinte esteve perto dos pontos com um 11º lugar. Na complexa prova de Singapura logo a seguir? 9º lugar com 2 pontos para uma AlphaTauri em necessidade desesperada deles. De moderadamente bem cotado pelas suas performances de F2 e Superfórmula Japonesa, Lawson rapidamente passou a alternativa credível a Tsunoda e Ricciardo.
A decisão final até pode ter deixado o neo-zelandês sem lugar para 2024, mas é inegável que as suas performances num curto espaço de tempo e sob grande pressão lhe deram a oportunidade de mostrar serviço para o futuro.