Sempre foi tarefa quase impossível entender o alinhamento das forças de qualquer temporada de Fórmula 3 que se avizinha, mas em anos recentes há certos padrões que se desenharam: ser estreante, desde que numa das grandes estruturas, não é nenhum impedimento para triunfar; quem tenta uma segunda temporada na categoria tem que aniquilar a concorrência ou ver-se escurraçado para a obscuridade do automobilismo.
Assim, qualquer um dos pilotos da Prema (Zak O’Sullivan, Dino Beganovic e Paul Aron) pode estar satisfeito com o seu ano, enquanto que a avaliação nas outras equipas é mais mista.
Na Trident, o campeão Gabriel Bortoleto “secou” o terreno à sua volta, deixando Oliver Goethe e Leonardo Fornaroli em maus lençóis, e colocou as várias academias em competição para ver quem o consegue prender para 2024. Já a ART viu aquele que deveria ter sido o seu ponta de lança (Grégoire Saucy) voltar a falhar no seu segundo ano, culminando num 8º lugar no campeonato de equipas.
Quem assumiu esse 3º posto foi a MP, que fez de Franco Colapinto o seu líder (ainda que tenha havido alguma inconstância) e viu o estreante Mari Boya e o regressado Jonny Edgar ganharem ímpeto ao longo do ano. Já na Hitech Gabriele Minì está mesmo a pedir para ser integrado novamente para uma segunda tentativa no campeonato, já que 2 vitórias provaram a sua velocidade mas faltou consistência a um nível elementar.
Mais atrás os destaques foram Pepe Martí e Taylor Barnard que arrastaram, respetivamente, a Campos e a Jenzer para terrenos em que quase não andaram em anos recentes, com direito a vitórias e, no caso de Martí, andar imiscuído na luta pelo título.
A nova Charouz, agora sob gestão PHM, conseguiu evitar o último lugar do campeonato (cortesia de um 7º lugar de Sophia Flörsch) às custas de uma Carlin que precisa mesmo de dar ímpeto verdadeiro à sua operação de F3 que não consegue, nem pouco mais ou menos, o ritmo da sua “irmã” de F2.
1 – Gabriel Bortoleto
Pode parecer uma simples formalidade colocar o campeão de final de ano como o mais completo piloto do ano, mas a verdade é que Gabriel Bortoleto esteve vários patamares acima da concorrência.
Campeão brasileiro de karts e vice-campeão mundial também, o brasileiro esteve nos dois últimos anos a deambular por categorias de promoção na Europa, tendo-se estreado na Fórmula 3 este ano. O seu cartão de visita foi ter vencido as duas primeiras corridas feature do ano com direito a pole position na segunda. Depois, enquanto os rivais tropeçaram uns nos outros e em adversidades várias, Bortoleto pontuou com regularidade (15 em 18 possíveis, com 13 delas consecutivas).
Não houve caminho para mais vitórias durante o ano mas 4 pódios adicionais foram sendo somados ao longo do ano, com o piloto igualmente forte em sprints e features para surpresa de muitos. O título acabou por chegar na última qualificação do ano, mas havia no ar uma certa inevitabilidade desde meio do ano.
Mais impressionante ainda foi ter conseguido tudo sem pertencer a uma academia de equipas de F1.
2 – Pepe Martí
Espanhol que fala inglês com um sotaque incrivelmente britânico, Pepe Martí não estaria debaixo dos holofotes de todos quando a temporada começou. 3º na F4 Espanhola em 2021 e vice-campeão de Fórmula Regional Ásia em 2022, o piloto tinha já competido pela Campos na F3 em 2022, com apenas 2 pontos. Tendo em conta que se mantinha na diminuta equipa para 2023, não se esperavam grandes resultados.
Mas Martí tinha outros planos. Logo no primeiro sprint do ano veio a vitória. Nas primeiras 12 corridas do ano só falhou os pontos numa única. Nova vitória no sprint do Mónaco. Depois, a consagração, com a primeira vitória em feature com volta mais rápida e pole position (e ainda por cima, em território caseiro em Barcelona). Quando Martí terminou 3º na feature de Silverstone, já só estava a 36 pontos de Bortoleto, como rival mais próximo.
Mais significativamente, eclipsava os colegas da Campos, sendo responsável por 60% dos pontos da estrutura.
Só o final do campeonato deixou a desejar. Em 6 provas, apenas conseguiu um 6º e um 9º, com 3 abandonos. Um deles foi na Bélgica, quando voltou para a pista de forma perigosa e terminou a sua prova e a de um rival sem culpa.
Mas demonstrou o suficiente para ser integrado agora na academia de jovens da Red Bull, o que lhe liberta o caminho para ascender à Fórmula 2.
3 – Taylor Barnard
É difícil de definir quão impressionante foi Taylor Barnard durante este ano, mesmo que ter terminado em 10º lugar no campeonato pareça distante. Só que o britânico estava ao serviço da Jenzer, equipa suíça que tem sofrido para se destacar no meio da tabela da F2, tendo em 2023 realizado a sua melhor temporada de sempre com 108 pontos (dois terços dos quais foram de Barnard).
Com vários títulos nacionais de karts, Barnard tornou-se um dos protegidos de Nico Rosberg, depois de ter guiado dois anos para o campeão de F1 na sua equipa do europeu de karting (com um vice-campeonato). Seguiram-se vice-campeonatos de F4 Alemã e Fórmula Regional Médio Oriente, antes de estrear este ano na F3.
Pela diminuta Jenzer, Barnard pontuou pela primeira vez em Melbourne e conseguiu não sair dos pontos durante 5 provas. Após um interregno, o britânico fez uma sequência diabólica no fim do ano, com 3 pódios em 4 provas, incluíndo a sua primeira vitória numa prova caótica na feature de Spa-Francorchamps, quando a Jenzer colocou os seus 3 carros entre os 4 primeiros.
Com um upgrade de carro para 2024, tem sérias possibilidades de conseguir fazer um ataque ao título e de conseguir atrair uma academia F1 para apoiar a sua carreira.
4 – Zak O’Sullivan
Após a última prova do campeonato em Monza, Zak O’Sullivan deverá certamente ter-se perguntado onde teria falhado a sua caça ao título. Acabado de entrar na academia Williams em 2023, O’Sullivan tinha como missão, na sua segunda temporada de F3, de vencer o título até por pertencer à poderosa Prema. Mas não foi possível, tendo que se contentar com o vice-campeonato.
Há muito que admirar no ano do britânico, tendo obtido 4 vitórias ao longo da sua temporada (2 em sprint, 2 em feature) e lançado as bases para um ano bastante impressionante. Só que, tal como Martí, pareceu ter-se encolhido na Hora H que foram as 8 corridas finais do ano. Foram 6 provas fora do Top 10 nesse período, com a consolação a serem duas features em que esteve brilhante: no Hungaroring fez pole, volta mais rápida e venceu; em Monza, quando tinha tudo em jogo, terminou 2º, sempre ao ataque pela vitória.
A presença de James Vowles nos festejos do piloto na prova final mostram que a fé da Williams não foi de todo abalada pelo ano realizado, sendo agora com grande expectativa que se aguarda ver onde será integrado na F2 de 2024.
5 – Franco Colapinto
Tendo estreado na F3 com um currículo que incluía Le Mans Series Europeia e um título de F4 Espanhola, Franco Colapinto tinha feito suficiente para vencer com um Van Amersfoort e ser incluído na academia Williams. O que se poderia esperar numa segunda temporada com um MP mais competitivo? Aparentemente, nada de radicalmente diferente.
Não que se possa ser demasiado crítico. O argentino foi o primeiro piloto da equipa neerlandesa e venceu por duas vezes, mas, crucialmente, foram sprints. Dos 5 pódios deste ano, 4 foram em sprint. Mas também pontuou em 14 das 18 provas e teve diversas provas em que esteve em excelente nível. Este entre os mais impressionantes do ano, só lhe pareceu mesmo ter dado o derradeiro passo em frente que Victor Martins conseguiu dar em 2022, por exemplo.
Ter abandonado a última corrida do ano por contacto quando ainda discutia o vice-campeonato não foi ideal.
O 4º lugar no campeonato deixa-o claramente com todas as condições para avançar para a F2, restando ver como será a sua adaptação quando comparada com a que O’Sullivan será capaz de fazer.