Há muito que um intervalo de tempo entre duas temporadas não se dividia de forma tão contrastante, entre quem esperava com grande expectativa a mais radical mudança de regras em décadas e quem insistia em debater o GP de Abu Dhabi de 2021. Estes últimos seguiram com especial atenção as investigações FIA e os silêncios de Lewis Hamilton nas redes sociais como passíveis de alterar o resultado do campeonato do ano passado, enquanto que os primeiros viviam no mundo real.
No mundo real via-se a possibilidade de uma ordem de forças nova para 2022 como uma perspetiva aliciante para uma temporada que, espera-se, venha a fazer convergir as várias equipas. E, claro, a permitir perseguições mais próximas entre os diferentes monolugares, dificultadas com frequência nos últimos anos pela crescente carga aerodinâmica.
As preocupações sobre uma fraca liberdade concedida aos projetistas pelos novos regulamentos rapidamente se têm vindo a dissipar a cada novo carro apresentado. Há muitos anos que não se viam carros de F1 tão diferentes num mesmo campeonato, com projetos para todos os gostos, mas que não parecem (para já) muito díspares nos seus tempos por volta.
Também já não se viam testes tão pouco esclarecedores e tão atarefados como estes, o que nos remete a uma análise de forças algo ambígua para 2022.
Quão comprometidos ficaram os candidatos ao título pelo esforço de 2021?

Esta foi a grande pergunta, mais comum para o final do último campeonato, à medida que se tornava claro que Mercedes e Red Bull levariam a sua disputa até à última ronda do ano. Esta foi também a grande esperança de todas as outras 8 equipas e dos dirigentes da F1. Quanto mais tempo gasto pelas duas maiores estruturas melhor, até porque as novas regras de tempo de utilização de túnel de vento as fariam recuar também.
A julgar pelas poucas conclusões possíveis de retirar dos testes de pré-temporada, nenhuma das duas estará longe das lutas pela vitória.
Ambas optaram por soluções bastante inovadoras, mas de formas diferentes. A Red Bull pareceu anónima durante quase todos os dias de treinos, acumulando voltas sem ser vistosa e queixando-se de subviragem. Só que então chegou o último dia, em que a equipa experimentou uma modificação destinada a solucionar o problema e, pela avaliação da maioria dos analistas, resultou em cheio. Os austríacos terminaram na frente da tabela de tempos, quase sem fazer porpoising, e com os seus mecânicos a mal conterem os sorrisos.
E têm bons motivos para sorrir. O campeão do mundo em título, com direito a um número 1 no carro, já avisou que continua tão motivado como nunca mas sem o “desespero” de se querer provar. Depois de algumas negociações também tem um contrato multimilionário até 2028, pelo que enquanto o Red Bull for competitivo dificilmente a estrutura pertencerá a qualquer outra pessoa.
O que complica a tarefa do seu colega de equipa, já de si pouco fácil. Sergio Pérez terá que andar bem mais perto de Verstappen para justificar uma aposta renovada da equipa em si (o mexicano já se queixou de renovações ano a ano, à semelhança do que Bottas fazia na Mercedes). O seu posicionamento descomplexado de piloto 2 valeu-lhe a admiração do chefe de equipa Christian Horner, mas tem 3 pilotos de F1 a “afiar facas” pelo seu lugar (Gasly, Tsunoda e Albon) e mais 5 na F2 (Hauger, Daruvala, Lawson, Vips e Iwasa). O momento de impressionar é agora.
Já na casa dos 8 vezes campeões do mundo, a história é outra.
A Mercedes não liderou 5 dos 6 dias de testes. Os W13 foram frequentemente vistos a sofrer a sério com o chão do carro a arrojar pelo chão e com porpoising. Lewis Hamilton e George Russell fizeram questão de estar em constante gestão de expectativas nas suas entrevistas, avisando que as vitórias poderão ser uma miragem. Mas nem uma única alma do paddock está plenamente convencida disso. “Típico da Mercedes, típico do George“, sentenciou Sainz, “dizer bem dos outros e depois é chegar à primeira corrida e destruir a concorrência”.
Talvez seja a sério, mas toda a gente está a acreditar num bluff da equipa de Toto Wolff. Caso o carro prove ser competitivo, será interessante ver como Russell, produto da academia e jovem, lidará com o duelo interno contra o hepta-campeão Hamilton. Caso perca o comboio das primeiras corrida, correrá o risco de ser relegado de imediato a piloto 2. Caso faça como Leclerc fez contra Vettel em 2019 na Ferrari… Os riscos reputacionais poderão ser demasiado graves para Hamilton.
Uma luta interna ferrenha é o mal menor, quando comparado com a possibilidade de que os seus pilotos avisam: a de a Mercedes não conseguir lutar ao nível da Red Bull ou Ferrari.
A potencial Hora H da Ferrari

Existe uma tradição honrada ao longo da história da F1 de ficar imensamente entusiasmado pelo ritmo da Ferrari durante as sessões de testes antes do início da temporada. E uma tradição igualmente extensa de ser desapontado ao longo do ano respetivo pela falta de ritmo dos carros italianos. Com uma demonstração de ritmo e fiabilidade como há muito não se via, estará a Scuderia a preparar todos para mais uma deceção?
Existem bons motivos para crer que não.
Dois anos de resultados abaixo dos padrões Ferrari deixaram Mattia Binotto sem disposições para otimismos extremos, e até o dirigente italiano parece confiante no F1-75 ser um bom produto vindo de Maranello. Melhor ainda, o motor tem estado num desenvolvimento constante desde 2020. 2021 foi colocado de lado para que se pudessem focar num carro de 2022 com um porte muito agressivo, que difere por completo da filosofia do Mercedes. Preocupado? Nem por isso. Binotto simplesmente referiu que a equipa ponderou ir por caminho semelhante aos alemães, mas que achou este mais vantajoso. Frases destas seriam assustadores noutros tempos, mas desta vez os fãs sentem-se tentados a acreditar ser verdade.
Longe estão também os tempos de duplas de pilotos duvidosas ou que pendessem mais para um lado. Charles Leclerc e Carlos Sainz são dois rapidíssimos pilotos, que continuam a acumular experiência e que parecem em perfeito domínio do novo Ferrari. Para Leclerc há que fazer esquecer ter perdido o duelo interno por margem mínima em 2021. Para Sainz há que não ficar para trás do “menino prodígio” da equipa sem colocar em causa a harmonia da Ferrari o suficiente para que os murmúrios de caos possam comprometer a sua renovação de contrato para além do final deste ano.
Mas se o Ferrari provar ser tão bom quanto se quer, dificilmente não se verá uma luta explosiva entre os pilotos da marca italiana.
O momento crítico da Alpine

Momentos antes da apresentação do Alpine A522, as redes sociais da Fórmula 1 encheram-se de fãs da equipa (e mais especificamente, fãs de Fernando Alonso) a debitarem a mesma frase: “vem aí El Plan”. “O Plano”, uma frase abundantemente espalhada desde o regresso do espanhol às pistas da F1, parece ter resfriado significativamente desde que os franceses tomaram às pistas de Barcelona e Sakhir.
Com muito poucos quilómetros acumulados em relação às rivais (que ao menos podem contar todas com mais do que uma equipa, algo que nem salva a Alpine), a equipa continuou a insistir que tudo está a correr bem ao longo dos dias mais recentes. No entanto, os factos acumulam-se. Uma falha de motor com direito a chamas, tempos anónimos, falhas de DRS na primeira semana, vários analistas a notarem o nervosismo do carro a meio de curvas, a admissão de que riscos foram tomados no desenvolvimento do motor Renault, uma nova gerência sob a tutela do recém-chegado Otmar Szafnauer,…
Poderemos ainda ver os carros, que este ano contarão com rosa da BWT, a contradizer os críticos, mas parece improvável que o Alpine esteja na discussão pelos lugares mais cimeiros com Ferrari, Mercedes e Red Bull, algo que era absolutamente um objetivo a atingir com estes novos regulamentos.
Isto abre uma nuvem para a situação de pilotos da equipa. Fernando Alonso termina o seu contrato no final deste ano e terá deixado bem claro que se não houver sinais positivos não terá a paciência de voltar a integrar uma estrutura baseada em promessas vãs. Caso tudo corra pelo melhor, no entanto, é difícil que o espanhol não esteja no seu melhor.
Do outro lado da garagem encontra-se Esteban Ocon, com o seu futuro de longo prazo atracado ao barco de Enstone e que tudo fará para vingar e tornar-se no líder de uma equipa a quem deu a primeira vitória. Já Oscar Piastri recebeu promessas de um papel de piloto de testes reforçado mas, tendo sido campeão de F3 e F2 à primeira apenas para a Alpine não lhe arranjar espaço na F1, dificilmente esperará mais do que um ano para receber um lugar a titular em qualquer equipa. Prova disto foi o empréstimo dos seus serviços à McLaren…
Quão alto podem os privados saltar?

De todas as equipas que procuram conseguir assumir a dianteira no pelotão do meio, poucas são tão interessantes como as 3 principais equipas privadas da categoria: McLaren, Aston Martin e AlphaTauri.
McLaren e Aston Martin são casos particularmente interessantes. Ambas são estruturas britânicas independentes de grandes construtoras mundiais, que procuram afirmar-se na F1 e fazem uso dos motores Mercedes. O último ponto é especialmente importante, dado que por um lado representa menos um custo (de desenvolvimento de motores) mas por outro lado parece cada vez mais improvável conseguir disputar um título mundial sem uma produção própria de motores.
Em Woking, sede da McLaren que a equipa vendeu para financiar os seus projetos fora da F1 (e que está agora a alugar), existe um enorme otimismo sobre o futuro. Desde 2018 que a equipa soma mais pontos por temporada, traduzindo-se em prémios cada vez mais volumosos e o fim do jejum de vitória (com o triunfo de Daniel Ricciardo no GP de Itália 2021). Faltam ainda ver os resultados que virão com algumas das medidas que só estarão completadas no próximo ano, como o novo túnel de vento.
Lando Norris já garantiu o seu lugar como ponta de lança da McLaren até ao final de 2025, um marcar de posição crucial contra Ricciardo. O último até pode ter triunfado em Monza, mas no quadro geral de 2021 foi esmigalhado por Norris. Com o chefe da McLaren, Zak Brown, muito entusiasmado com o seu pupilo de IndyCar (Pato O’Ward) e o novo piloto de testes (Colton Herta), Ricciardo terá que fazer muito mais este ano para se aguentar. Um aparente relacionamento mais harmonioso com Norris parece já estar a ocorrer. Agora falta conseguir lutar de igual para igual com um piloto cada vez mais cobiçado pelas grandes equipas.
Pilotos, com todo o respeito, parecem ser o maior ponto de interrogação da Aston Martin. Com contrato a terminar no final de 2022, o quadri-campeão do mundo Sebastian Vettel tem deixado muitos avisos sobre a possibilidade de terminar a carreira. Dificilmente são palavras de guerreiro. Do outro lado da garagem? Lance Stroll, batido por todos os seus colegas de equipa (com exceção de Sergey Sirtokin), mas com um lugar vitalício por conta do pai Lawrence, dono da marca Aston.
Nem tudo é terrível para a equipa. Muito investimento e contratação de pessoal qualificado têm pautado os primeiros anos da Aston Martin na F1. Vettel e Stroll até tiveram os seus momentos em 2021, apesar dos carros difíceis de conduzir. Com o projeto do AMR22 a centrar-se numa filosofia bem diferente da Mercedes, resta ver que futuro para uma equipa que tem vindo a acumular tantos patrocinadores que até já tem dois principais (com a sigla “Aston Martin Aramco Cognizant F1 Team”).
Por último há que referir a italiana AlphaTauri. Há uma sensação no ar pelo paddock de que a equipa B da Red Bull tem um bom projeto em mãos (algo que tem sido comum nos últimos anos), com linhas bem agressivas na carroçaria. Aquilo que poderá fazer pender a balança para o lado certo será ter contribuições mais equitativas entre ambos os pilotos.
Pierre Gasly está há dois anos num nível muito elevado de pilotagem e nada faz prever que isso se altere em 2022, até porque há a sensação no ar de que um lugar na Red Bull poderá estar disponível para o próximo ano. As performances do francês foram uma das grandes razões para que Yuki Tsunoda tenha tido um ano de estreia tão difícil na F1. Para esta temporada, ele sabe que terá que mostrar muito mais do que mostrara na F2, porque o programa de jovens da Red Bull está mais preenchido que nunca…
A fuga ao 10º lugar

Há dois anos que a Haas não tem dado qualquer importância ao carro do seu ano presente para gastar todos os seus recursos no regulamento de 2022. Tudo isto torna ainda mais desapontante que tenha sido a equipa americana a terminar os 6 dias de pré-época com menos voltas totais completadas, quase metade do que a Ferrari fez (409 contra 788).
A verdade é que foram duas semanas recentes que foram muito difíceis para a Haas a todos os níveis. A invasão russa à Ucrânia e correspondentes sanções destruiram por completo os planos de longo prazo da equipa, com o seu patrocinador e piloto da Rússia. Nikita Mazepin nunca foi muito popular (nem na equipa nem na F1), pelo que a sua saída ficou presa por meras questões financeiras. Quando Gene Haas disse que não existiam riscos financeiros, tornou-se fácil de imaginar a saída de Mazepin para a entrada de um piloto com algum dinheiro mas mais qualidade, que acabou por ser Kevin Magnussen.
Outra enorme dificuldade foi o atraso, fora do seu controlo, dos aviões que eram suposto transportar o material da equipa para Sakhir (que os forçou a perder a primeira metade do primeiro dia).
Quando os Haas tomaram a pista, no entanto, alguns laivos de esperança foram sentidos. Magnussen liderou o segundo dia de testes no Bahrain, já na hora extra que a equipa recebeu (para compensar o meio-dia perdido). Mick Schumacher tratou de ficar em 2º lugar no terceiro dia. O esforço de dois anos de desenvolvimento aparenta não ter sido para nada, portanto. O VF-22 parece ter ritmo, ainda que não fiabilidade completa. Onde a equipa está na ordem geral parece muito difícil de prever, mas o último lugar não deverá ser este ano da equipa americana, para sua felicidade.
Essa desonra poderá pertencer a duas equipas que estavam na frente da Haas em 2021: Williams e Alfa Romeo.
Para a Williams, 2021 foi um ano de recuperação e de finalmente sair do 10º lugar. Nicholas Latifi é o elemento comum mas precisa de mostrar que vale mais do que todos acreditam sob pena de ser substituído por outro endinheirado no próximo ano. Já a saída de George Russell será complicada de gerir. O inglês era geralmente quem fazia a diferença (como se viu com dois Top 3 em qualificação) e um regressado Alexander Albon tem sapatos bem grandes para preencher. Para já será preciso que consigam colocar o novo carro a funcionar melhor do que fizeram nos testes de Sakhir.
A menos cotada de todas as equipas parece ser a Alfa Romeo, muito por culpa de uma percepção de que a estrutura não parece ter um rumo claro para longo prazo. A contratação de Valtteri Bottas é um bom sinal, até pelo final forte de temporada do finlandês em 2021, mas Guanyu Zhou é percebido como uma solução de curto prazo devido ao seu patrocínio (e por terem Théo Pourchaire como opção para 2023). O envolvimento da marca Alfa Romeo numa estrutura Sauber também pareceu meramente morno desde o seu início. O C42 mostrou algum ritmo nos testes de pré-temporada, só que foram muitos os problemas mecânicos nos vários dias.
Fórmula 2 – Dupla nova na Prema pode nivelar a luta pelo título

Em 5 anos de Fórmula 2, a Prema conseguiu 3 títulos de pilotos e 2 de equipas. A estatística podia dizer-nos muito mas, ao contrário de em 2021, a equipa italiana não vai correr com um elemento do ano anterior. A dupla é totalmente nova, com o campeão de F3 em título num dos carros (pelo 4º ano seguido) e um piloto experiente no outro. Dennis Hauger e Jehan Daruvala não terão vida fácil.
Na ART existe aquele que é o candidato mais óbvio: Théo Pourchaire. Dado como quase certo na Alfa Romeo F1 caso seja campeão, Pourchaire (vice de F3 em 2020) tem um enorme talento e 1 ano de F2 já debaixo da sua asa. O colega, Frederik Vesti está a estrear-se depois de uma campanha de F3 que deixou algo a desejar.
A estrutura com a dupla mais forte aparenta ser a Carlin. Liam Lawson possui uma carreira repleta de vice-campeonatos (F4 Alemã, Australiana e, mais recentemente, DTM), a confiança da Red Bull e um bom primeiro campeonato de F2. Logan Sargeant recuperou com tenacidade a sua carreira quando ficou sem dinheiro para prosseguir e impressionou a Williams, que o colocou no seu programa de jovens. Ambos deram boa conta do recado nos testes de pré-temporada e serão fortes candidatos.
Daqui para baixo será mais complicado. Jack Doohan vem de uma excelente temporada de F3 com a Trident e assinou agora com a competente Virtuosi, mas pode não ser candidato já este ano. Os pilotos da Hitech ainda não convenceram o paddock. A MP é um pouco inconstante, apesar da qualidade de Felipe Drugovich (regressado) e de Clément Novalak (estreante) serem incontestáveis.
Fórmula 3 – Trident tenta segurar a coroa

Como é hábito, metade da grelha da Fórmula 3 parte para 2022 como completos estreantes, alguns deles inclusive nas principais equipas. É este o caso das duas primeiras colocadas de 2021, a Trident e a Prema. Os primeiros alinham com Zane Maloney (que impressionou no seu teste de pré-temporada), com Jonny Edgar (do programa de jovens Red Bull) e Roman Staněk. Os segundos alinham com Oliver Bearman (recente adição da academia Ferrari), Jak Crawford (Red Bull) e mantêm Arthur Leclerc (irmão de Charles e jovem Ferrari na sua segunda temporada de F3).
À partida, qualquer um destes lineups sólidos poderão trazer o campeão que sucederá a Dennis Hauger, mas existem algumas exceções.
Primeiro, um dos pilotos mais impressionantes do ano passado, Victor Martins, que mudou da MP para a ART e tem o apoio da Alpine. Zak O’Sullivan faz a sua estreia pela Carlin (que possui muito menos competitividade que na F2), integrando o programa da Williams após ter vencido o prémio BRDC. E Isack Hadjar, mais um jovem Red Bull, espantou todos ao liderar dois dias de testes com a Hitech.
Será mais um ano de grandes lutas na F3, com direito à entrada da Van Amersfoort na F2 e F3 por substituição da HWA, que nunca pareceu ter encontrado uma boa base de trabalho.