Havia muito que a Fórmula E tinha para compensar este ano, dadas as circunstâncias caóticas de dois anos de perturbações pandémicas, qualificações aleatórias e abandono de marcas automóveis. As boas notícias para a categoria é que o ano de 2022 saldou-se num sucesso tremendo.
Em primeiro lugar o novo sistema de qualificação com fases a eliminar foi do agrado de pilotos, equipas e fãs, ajudando a tornar a luta pelo título uma disputa mais ordeira e com uma história mais clara. Depois, em resposta a indefinições de calendário, a categoria conseguiu substituir corridas em falta com rapidez (nomeadamente a saída de Vancouver por Marraquexe). Por último, conseguiu atrair Maserati e McLaren para compensar a saída da Mercedes.
Mercedes e Jaguar pareceram desde o início serem as estruturas mais bem preparadas para um ataque ao título de 2022, com a DS Techeetah um passo atrás do que habitualmente faz e a Venturi a aproveitar todas as oportunidades para ser uma “privada” com grandes performances (impressionantemente acabando no vice-campeonato).
A Porsche foi das maiores decepções da temporada, perdendo por completo o comboio do desenvolvimento e piorando os seus resultados (ainda que corra o rumor de que foi por se terem focado em 2023 bem cedo). Já a Andretti provou que sabe operar com sucesso mesmo sem o apoio de fábrica da BMW.
Entre as últimas equipas, Antonio Giovinazzi teve uma adaptação absolutamente terrível à Fórmula E e não deverá voltar, tendo a sua Dragon Penske passado a última força do campeonato (passada pela NIO 333). Sam Bird e Maximilian Günther foram dois outros enormes desapontamentos, com os vencedores de e-Prix a deixarem-se bater facilmente pelos colegas de equipa.
Foi uma temporada em que os estreantes tiveram menos espaço (normal, dada a estabilidade das regras face a 2021), mas Oliver Askew e Dan Ticktum até mostraram potencial. Foi também um ano de despedida de Alexander Sims à FE, e para muitas mudanças de equipa assim que a última corrida terminou (por exemplo, a saída de Sébastien Buemi da estrutura e.dams onde andava desde a Temporada 1 em 2014/15).
1 – Stoffel Vandoorne

Com um colega de equipa campeão no carro ao lado do seu, Stoffel Vandoorne deve ter ficado bem preocupado quando ficou em 2º atrás de Nyck de Vries na primeira prova do ano. Só que afinal não tinha motivos para se preocupar. O outro Mercedes foi incrivelmente inconstante durante o resto do ano, capaz do melhor e do pior. Já Vandoorne optou por uma dinâmica mais estável: indo do bom ao muito bom.
Os rivais do belga ao assalto ao título foram muito mais claros em 2022, o que lhe dificultou a tarefa, mas Vandoorne parecia sempre (mesmo quando não estava na liderança) que acabaria por ir ter o título parar-lhe ao colo pela simples competência que exibia em todas as provas. Evitou incidentes durante os e-Prix e pontuou em todas as provas excepto uma (e-Prix da Cidade do México), com pódios em metade delas.
A única vitória do ano foi no e-Prix do Mónaco, onde se defendeu com garra de todos os rivais e venceu pela primeira vez desde os tempos de GP2. Nem sequer devendo o seu título a ajudas do colega da Mercedes, Vandoorne entregou aos alemães um triunfo na despedida. O que fará na aventura que se segue (provavelmente na DS Dragon) deverá preocupar os adversários, sendo a segunda vez seguida no topo da lista Top 10 deste blog.
2 – Jake Dennis

Tendo sido a grande surpresa da temporada de 2021, a ausência de apoio de uma marca de fábrica na Andretti deixava Jake Dennis com uma tarefa bem mais complicada para 2022, até pelas novas funções de líder de equipa a que foi promovido com a troca de Maximilian Günther pelo estreante Oliver Askew do outro lado da garagem.
Um 3º lugar na primeira prova do ano até deu alguma esperança sobre qual seria o rendimento da Andretti durante o resto do ano, só que foi Sol de pouca dura. Em 5º na segunda prova de Diriyah, Dennis passou as 10 corridas seguintes sem entrar no Top 5. Mas foi capaz de pontuar na esmagadora maioria dessas provas, contribuindo para a quase totalidade dos pontos da equipa americana.
Quando a Andretti acertou em cheio com o acerto de carro para o e-Prix de Londres, a corrida caseira do britânico, Dennis não perdoou: fez pole position nas duas provas, venceu convincentemente a primeira e andou em luta acirrada com Lucas di Grassi pela segunda (terminando em 2º).
Com unidades motrizes Porsche no seu Andretti para 2023, Dennis é um sério candidato a ser um dos grandes pilotos da Fórmula E num futuro próximo.
3 – Mitch Evans

A contratação de Sam Bird para a Jaguar em 2021 poderia ter significado uma falta de fé da equipa em Mitch Evans, ou poderia ser uma maneira de motivar o neo-zelandês. Independentemente das intenções, ocorreu a segunda hipótese. Pelo segundo ano consecutivo, e com ainda maior gravidade que no primeiro, Evans aniquilou por completo Bird (que tinha vencido provas em todos os anos de FE até este).
A rapidez do homem da Jaguar foi francamente impressionante ao longo da temporada, levando-o a triunfar nas 2 corridas do fim-de-semana de Roma com autoridade, por exemplo. Em Seul, quando a esperança do título já era baixa, também foi capaz de vencer com categoria.
No total foram 4 vitórias e 7 pódios contra 1 única vtória do rival Vandoorne, o que espelha bem o grande calcanhar de Aquiles da equipa britânica: consistência. 4 corridas fora dos pontos contra apenas 1 de Vandoorne fizeram-no perder o comboio do título tal como no ano anterior.
A presença da Jaguar logo atrás da Mercedes é, no entanto, encorajadora. E as capacidades de Evans a liderar a estrutura também auguram um bom futuro.
4 – Edoardo Mortara

Há muito que se tinha compreendido que Edoardo Mortara estava a merecer uma promoção a uma equipa de topo. O mais improvável era que fosse a Venturi a tornar-se essa equipa de topo. Leal à equipa monegasca desde o seu início na categoria, Mortara viu a sua fé recompensada com a velocidade do seu carro de 2022, fazendo uso pleno dos motores Mercedes (e com o anúncio de que a Maserati tomará conta da equipa a partir do próximo ano).
Nesta temporada Mortara fez brilharetes constantes e venceu o novo colega de equipa, o campeão Lucas di Grassi, algo que nem os mais otimistas estariam à espera. A maneira como entre Berlim e Jakarta o piloto da Suíça não saiu do pódio uma única vez merece aplausos de todo o paddock.
De Nova Iorque em diante, no entanto, foi incrível a maneira como a temporada do piloto se desfez. Más qualificações, acidentes ou simples erros (seus e da Venturi) tomaram conta dos destinos e impediram que Mortara levasse um título improvável. Até a maneira como foi penalizado por se defender erraticamente em Seul se pode imputar a uma enormidade de nervos ao volante.
Terá de fazer melhor em 2023 para se certificar de que não vai tudo por água abaixo novamente.
5 – Jean-Éric Vergne
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Com um DS Techeetah bem longe do nível dos monolugares que o levaram a dois títulos consecutivos, Jean-Éric Vergne teve que puxar muito pelo seu carro para conseguir fazer um desafio ao título ser possível em 2022.
A consistência foi a palavra-chave do ano, com uma acumulação incrível de 5 pódios nas primeiras 9 corridas (não falhando os pontos em nenhuma delas). Só que por detrás desta fantástica forma, frustrações acumulavam-se. A cada novo 2º lugar por margem mínima, Vergne mostrava cada vez mais irritação pelo rádio com a ausência de triunfos.
Pode ter sido isso ou não a levá-lo a um conjunto de incidentes e falhas mecânicas em Nova Iorque e Londres que o deixaram com 0 pontos em ambos os fins-de-semana. Aí o título foi-se, o colega de equipa aproximou-se muito e a posição nesta lista caiu.
De pedra e cal no universo DS, Vergne deverá integrar a equipa DS Dragon para 2023, um prémio merecido (ainda que com uma estrutura possivelmente mais débil que a da Techeetah).
6 – Lucas di Grassi

Em 2022, Lucas di Grassi tornou-se o primeiro piloto a atingir 1000 pontos na Fórmula E mas nem tudo foram rosas para o brasileiro. Pela primeira vez fora do universo da Audi ABT, di Grassi sempre pareceu a prazo na Venturi mas isso não diminuía a necessidade de ter uma boa temporada para se mostrar a outras equipas.
As coisas até começaram bem, com um pódio na companhia do colega Mortara, só que passou a maioria do ano meio perdido em corridas em que Mortara terminava com frequência entre os 3 primeiros. Dificilmente um bom cartão de visita.
Mas de Nova Iorque em diante, tudo mudou. Chegou o segundo pódio do ano e depois chegou a primeira vitória do ano, mesmo quando o outro lado da garagem enfrentava o seu período mais difícil do ano.
A boa forma do final de temporada removeu as dúvidas que brevemente poderiam ter passado pelo paddock sobre as capacidades de di Grassi.
7 – António Félix da Costa

Já é tradição que António Félix da Costa não comece bem os seus campeonatos. O piloto da DS Techeetah demorou muito tempo a encontrar-se na temporada de 2022, acabando a ronda dupla de Diriyah a zeros e acumulando pontos de 4º para baixo nas provas em que finalmente terminou. No entretanto, Vergne comandava a equipa a seu bel-prazer.
Na segunda metade do ano as coisas começaram-se a compôr, possivelmente potenciadas pela segurança de saber que tinha um lugar garantido na Porsche para 2023. Começou com um sólido 4º lugar em Jakarta, seguido do primeiro pódio do ano em Marraquexe. Na corrida seguinte em Nova Iorque chegou a primeira vitória da DS neste ano, e foi de Félix da Costa com confiança total.
Daí até ao final do ano foram só lugares pontuáveis, apesar de o português ter deixado algo a desejar em Seul (quando chocou com Dennis numa disputa pelo 2º lugar). Se tivesse tido pontos “a sério” poderia ter acabado o ano na frente de Vergne (no que seria a 3ª vez em 3 anos).
Limpar a primeira metade do ano será a sua primeira prioridade na Porsche. De resto, já provou que não se deixa intimidar por chegar à equipa onde um piloto rival está já bem estabelecido.
8 – Robin Frijns

De várias maneiras pode-se considerar a temporada de Robin Frijns como o oposto da de Félix da Costa. Frijns teve que cumprir novamente o papel de ponta de lança da privada Envision, uma equipa que fazia questão de dizer no início do ano (talvez para se assegurar a si mesma) que a ausência da equipa de fábrica da Audi não lhes traria problemas como clientes. A verdade é que os britânicos começaram a perder rendimento a olhos vistos depois de um início em cheio.
Início esse protagonizado principalmente por Frijns. O holandês fez 3 pódios nas primeiras 5 corridas do ano. Aproveitando distrações alheias em Diriyah para ascender a posições elevadas, podendo ter triunfado no México se tivesse mais um bocadinho de sorte e arreliando concorrentes bem melhor equipados no México: foi assim que o piloto se imiscuiu entre os líderes.
Por tudo isto dever-lhe-á ter sido bem difícil de digerir que, quando a vitória chegou para a Envision, tenha sido o colega de equipa a obtê-la. Ainda por cima numa corrida em que Cassidy a recebeu, depois de uma bandeira vermelha em que caso a prova tivesse recomeçado Frijns estaria na liderança.
Ainda assim acabou o campeonato na frente do duelo interno, indo abandonar a estrutura para parte incerta ainda. Com alguma sorte, conseguirá entrar numa estrutura com melhores meios que os que a Envision / Virgin lhe soube dar em anos recentes.
9 – Nyck de Vries

Com o mundo a seus pés após o título mundial de 2021, Nyck de Vries passou a maior parte do seu tempo após a conclusão da temporada a agir algo defensivamente sobre aqueles que sugerissem que a sorte de Valência o beneficiara. Isto não parecia ir influenciar a sua defesa de campeonato, que começou com uma vitória em Diriyah.
Só que nas 6 provas seguintes só chegaram 10 pontos para de Vries, o que acabou por terminar quaisquer aspirações que o holandês pudesse vir a ter para a revalidação do titúlo. Depois chegou uma vitória em Berlim, com confiança, mas logo de seguida vieram 4 provas sem nada melhor que um 6º lugar e aí ficou cimentado o papel de segundo piloto da Mercedes.
Neste papel acabou por deixar algo a desejar, recusando-se a ceder a posição a Vandoorne em Londres.
Mesmo com uma inconsistência muito clara e alguma falta de fairplay com o seu colega de equipa, de Vries também mostrou alguns flashes de enorme velocidade que o levam a ainda estar no radar para a Fórmula 1 (ou para uma eventual continuação na Fórmula E com uma equipa de fábrica).
10 – Nick Cassidy

Tendo feito parte de um rol de rookies de 2021, Nick Cassidy teve alguma dificuldade em destacar-se face à concorrência de outros pilotos como Jake Dennis ou o colega de equipa Robin Frijns. Apesar disso, tinha deixado o seu cartão de visita, com 2 poles e 2 pódios. Numa Envision a usar propulsores Audi, quando os alemães já estavam fora de combate, em 2022 seria mais difícil de aparecer com destaque.
Sofrendo um pouco mais com o azar ao longo do ano que Frijns, mas com ambos a sofrerem com a inconsistência da sua equipa em igual medida, Cassidy foi acumulando pontos quando possível até ao e-Prix de Nova Iorque. Nesse e-Prix, o neo-zelandês esteve simplesmente intocável e fez pole positions em ambas as provas (a última retirada por motivos extra-desportivos), culminando com a sua primeira vitória na categoria ao segurar pressão de candidatos ao título (beneficiando de uma bandeira vermelha após um acidente dos 5 primeiros, ele incluído).
A boa forma não se ficou por aí, tendo continuado para mais um pódio em Londres numa inversão de boa forma quase completa em comparação com Frijns.
Em 2023 contará com Sébastien Buemi ao seu lado, e motores da Jaguar, o que lhe dará mais pressão mas também mais oportunidades.