Não sendo uma ronda de substituição a nenhuma das provas recorrentes do calendário “habitual” da Fórmula 1, é no entanto inegável que a presença desta corrida no final deste campeonato de 2021 tem tudo a ver com o impacto da pandemia Covid-19 na organização da F1.
Sem uma grande fatia das suas receitas naturais em 2020, com os sucessivos adiamentos de Grande Prémios (e a sua posterior realização sem público a obrigar a uma redução dos valores pagos pelos circuitos), a categoria arranjou um novo patrocinador sob a forma da Aramco, a petrolífera estatal da Arábia Saudita. Quando escassos meses depois foi anunciada a realização de um GP no país, poucos ficaram surpresos. Quid pro quo em ação.

Com um circuito permanente a ser preparado para 2023 em Qiddiyah (não muito longe do circuito de Fórmula E em Diriyah), o país mostrou ter bastante pressa em sediar uma prova e, por isso, anunciou que em 2021 e 2022 o GP da Arábia Saudita num circuito semi-citadino em Jeddah. À medida que se aproximou a data da prova, no entanto, começaram a surgir cada vez mais pontos de interrogação sobre se as obras de construção estariam prontas a tempo (vídeos dos progressos, divulgados a 5 semanas do GP, fizeram mais para criar dúvidas que esclarecer, particularmente com o anúncio de que as obras seriam “de dia e noite”).
Os problemas associados a este GP estão longe de começar aí. Governado por algumas das mais repressivas leis do mundo, responsáveis por espezinhar direitos humanos, o Reino da Arábia Saudita colocou-se numa posição difícil internacionalmente após a divulgação de fortes indícios de que o príncipe herdeiro fora quem orquestrara o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi do Washington Post. Isto levou a que várias organizações humanitários (como a Amnistia Internacional) repudiassem esta tentativa de “limpeza de imagem” que o país do Médio Oriente fez com a F1, havendo inclusive pedidos de boicote da prova a Lewis Hamilton.
Sem dar importância às críticas, a Fórmula 1 fez os seus comunicados insípidos sobre inspirar mudanças positivas no país e continuou o seu caminho, à semelhança da excessiva tolerância que já demonstrara nos anos 80 com a África do Sul do Apartheid.
Dois dos mais ativistas pilotos de F1, no entanto, fizeram questão de passar a mensagem de quem nem tudo estava bem. Lewis Hamilton não só continuou a usar o seu capacete Pride como também fez questão de dizer não se sentir confortável em território saudita, referindo as leis repressivas contra pessoas LGBTQ+ e mulheres. Sebastian Vettel por seu turno organizou uma corrida de kart feminina, mencionando as conversas com as pilotos sobre a situação por elas vivida no país. Mick Schumacher foi outro piloto a vestir as cores arco-íris.
O paddock aproveitou para prestar homenagens ao fundador da Williams, Sir Frank Williams, com etiquetas nos carros e um minuto de silêncio. O atual líder, Jost Capito, ficou em casa devido a testar positivo para Covid-19.
Toto Wolff seria chamado ao barulho no fim-de-semana devido ao novo patrocinador, Kingspan. A empresa está a ser investigada devido ao incêndio da torre Grenfell de 2017 que provocou a morte de 72 pessoas no Reino Unido, e o austríaco teve que vir a público defender-se perante acusações de insensibilidade de um grupo formado por sobreviventes e familiares de vítimas. Hamilton também foi questionado pela imprensa, deixando no ar não ter ficado satisfeito com ser associado à Kingspan.
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Ronda 21 – Grande Prémio da Arábia Saudita 2021

Com uma pista que confirmou a sua posição de circuito citadina ultra-rápido, Jeddah mostrou também os perigos que lhe eram inerentes em situações de pilotos em voltas canhão contra pilotos nas suas voltas de desaceleração. O principal episódio dos treinos livres foi Lewis Hamilton ter bloqueado de forma perigosa Nikita Mazepin numa das chicanes rápidas e cegas do circuito. A investigação ao piloto inglês ainda provaria fazer correr alguma tinta, mas o principal era mesmo que os perigos inerentes à qualificação seriam severos (Sergio Pérez apelidou o circuito de “desnecessariamente perigoso” dado ter sido feito de raiz).
Quando seria expectável um domínio Mercedes em território saudita, a Red Bull deu uma luta que os primeiros não estariam à espera, nem com particular vontade de enfrentar. Nem o motor do GP do Brasil de Hamilton lhe pareceu dar particular alento. Não que as duas equipas tenham tido grande descanso. O grid estava mais apertado que nunca, os pneus demoravam a aquecer e a pista tinha uma enorme evolução. Resultado: era preciso estar em pista a todo o momento, de modo a ter a certeza da passagem.
Os Aston Martin definharam no Q1 e Carlos Sainz teve duas escapadelas de traseira que só com muita sorte e domínio de carro não o fizeram terminar no muro. Entretanto, Max Verstappen e Hamilton estavam em mais um espetacular duelo. A um minuto do final do Q3 Hamilton fez pole provisória. Verstappen lançou-se que nem um demónio e estava já 3 décimas na frente do inglês quando o pneu traseiro direito deu um toque no muro, partindo-lhe a suspensão. Mercedes na frente com Verstappen em 3º.
O que aguardou o paddock para domingo já foi bem mais trapalhão.
A corrida até começou normal o suficiente, com os 5 primeiros a manterem as suas posições, mas um acidente de Mick Schumacher na mesma secção rápida que já tinha dado problemas a outros pilotos provocou um Safety Car. Os Mercedes pararam nas boxes (com Valtteri Bottas a fazer o favor de abrandar desnecessariamente e a atrasar Verstappen) mas a Red Bull manteve o seu líder em pista, uma decisão inspirada dada a posterior bandeira vermelha accionada para arranjar a barreira. Hamilton protestava mais atrás por o rival poder trocar de pneus e ter ganho a posição (algo que já beneficiou o inglês em diversas ocasiões, a última em Silverstone).
A segunda partida foi a mais caótica. Hamilton retaliou ao deixar bem mais do que 10 carros de espaço para Verstappen na reta (proibido durante partidas mas a FIA permitiu por ser um “reinício” e não uma “partida”) e conseguiu partir melhor. Quando o holandês tentou por fora e foi espremido usou a escapatória para se manter na frente, enquanto que Esteban Ocon aproveitou para se colocar na frente de Hamilton (tendo beneficiado de não parar antes da bandeira vermelha também).
Atrás deles Charles Leclerc e Sergio Pérez tentaram ocupar um espaço em que só cabia um carro, com Pérez a ficar com danos terminais e a ocupar a pista. Vários pilotos abrandaram repentinamente para o evitar, incluíndo George Russell que provou ser um obstáculo impossível de evitar para um Mazepin sem culpas. Russell e Mazepin fora e mais uma bandeira vermelha.

O foco passou para as rádios da Mercedes e da Red Bull com a FIA sobre a manutenção de posição de Verstappen. Michael Masi fez algo de inesperado, propôs à Red Bull “passar para 2º na partida” ou ele teria que reportar a situação aos comissários. A Red Bull aceitou “ceder posição a Ocon e partir 2º”, gerando-se um silêncio constrangedor na rádio devido a Masi se ter esquecido do Alpine intrometido na luta… Depois de alguma negociação, a Red Bull aceitou que a ordem da partida seguinte fosse “Ocon-Hamilton-Verstappen”.
No terceiro início de prova estes três colocaram-se lado a lado para a primeira curva. Verstappen saiu na liderança, enquanto Ocon e Hamilton tinham um pequeno contacto. Rapidamente começou a acontecer uma luta privada pela vitória entre os candidatos ao título (interrompida a espaços por vários SC Virtuais devido a detritos vários em pista, de incidentes como o de Tsunoda e Vettel ou de Vettel com Räikkönen). Quando Hamilton se aproximou o suficiente para estar na zona de DRS voltou a haver, tal como no Brasil, uma situação em que Verstappen travou tarde e ambos saíram de pista. Desta vez a FIA pediu a devolução da posição e a Red Bull informou o seu piloto.
Verstappen acedeu e procurou fazer a devolução antes de uma zona de deteção de DRS, chegando a travar. Hamilton, ainda não informado sobre a devolução pela equipa (por esta ainda não ter sido informada pela FIA) não percebeu o abrandamento e não quis passar antes da deteção de DRS, abrandando também. Atrapalhados um com o outro, o inevitável aconteceu: Hamilton acertou na traseira de Verstappen, com o primeiro a danificar a asa dianteira e o segundo o difusor.
Enquanto as equipas se exaltavam, Verstappen conseguiu ainda umas voltas mais tarde devolver a posição e recuperá-la com DRS logo de seguida. A FIA não gostou e o holandês teve que deixar passar o rival outra vez, já não conseguindo depois acompanhar o ritmo devido a ter pneus médios contra os duros do inglês (que na terceira partida reclamara da decisão, mas beneficiando no final da prova).
Quanto ao resto do grid: Vettel e Räikkönen envolveram-se num incidente trapalhão e desnecessário; Norris e outros pilotos foram tramados pelo timing da bandeira vermelha; Tsunoda voltou a calcular muito mal uma ultrapassagem e foi penalizado; Ocon fez uma prova brilhante em que para sua frustração foi passado na reta final por Bottas para o último lugar do pódio; e Giovinazzi conseguiu pontos na penúltima prova pela Alfa Romeo.
Motivo de preocupação e entusiasmo para todos os fãs e envolvidos na Fórmula 1: Verstappen e Hamilton partem para a prova final empatados em pontos (primeira vez desde 1974 na categoria) mas com um desempate que favorece o primeiro. Tanto Mercedes como Red Bull parecem estar com a mentalidade de “não chegámos até aqui para perder agora”, antecipando-se que a probabilidade de um acidente entre ambos em Yas Marina ser quase certa.
A FIA, tal como no resto do ano, há muito que se deixou ultrapassar pelos acontecimentos de uma disputa com cada vez menos tréguas. A inconsistência e atrapalhação de Masi foram evidentes em Jeddah, resta ver se a F1 não contará com um final bem feio para uma temporada excelente.
Uma última nota para o sabor amargo que foi ver os oficiais sauditas a fazerem pleno uso da oportunidade de marketing proporcionado pela F1, com direito ao príncipe herdeiro ser filmado antes da primeira partida.
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Resultado: 1. Hamilton \ 2. Verstappen \ 3. Bottas \ 4. Ocon \ 5. Ricciardo \ 6. Gasly \ 7. Leclerc \ 8. Sainz \ 9. Giovinazzi \ 10. Norris (Ver melhores momentos)
Campeonato: 1. Verstappen (369,5) \ 2. Hamilton (369,5) \ 3. Bottas (218) \ 4. Pérez (190) \ 5. Leclerc (158) —– 1. Mercedes (587,5) \ 2. Red Bull (559,5) \ 3. Ferrari (307,5) \ 4. McLaren (269) \ 5. Alpine (149)
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Corrida anterior: GP Qatar 2021
Corrida seguinte: GP Abu Dhabi 2021
GP Arábia Saudita seguinte: 2022
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Fórmula 2 (Rondas 19-20-21) \ Acidente na feature ofusca fim-de-semana

Após uma pausa gigantesca entre provas (uma situação mais evitada no calendário de 2022), a F2 regressou com uma quantidade impressionante de alterações no pelotão, fruto dos esforços finais de pilotos de F3 para integrá-lo.
Os homens da Trident na F3, Clément Novalak e Jack Doohan, foram escolhidos para uma troca completa de pilotos na MP Motorsport, por saídas de Lirim Zendeli e Richard Verschoor. Na Campos, Ollie Caldwell tomou o lugar de David Beckmann, enquanto que na dança das cadeiras da HWA só o insatisfatório (mas rico) Alessio Deledda está seguro como se vê pela saída de Jake Hughes para entrada do novo recruta do programa de jovens da Williams, Logan Sargeant.
Apesar do anúncio da contratação de Guanyu Zhou pela Alfa Romeo F1, o piloto chinês não ajudou a silenciar vozes que diziam que o colega da academia Alpine, Oscar Piastri, merecia mais a oportunidade com a sua performance do fim-de-semana. Zhou teve uma terrível primeira prova sprint que lhe comprometeu o sábado inteiro, enquanto que Piastri fez a quarta pole position consecutiva e triunfou na segunda prova sprint.
A primeira das corridas traria uma dobradinha de neo-zelandeses com Marcus Armstrong na frente de Liam Lawson, com Robert Shwartzman a precisar de compensar uma penalização de 5 segundos por ultrapassar fora dos limites de pista. Os Safety Car abundaram ao longo da corrida. Já na segunda prova Piastri soube ser paciente depois da boa partida e foi caçando Jehan Daruvala até atingir o 1º lugar final (apesar de Daruvala já ter uma penalização por o ter bloqueado), depois de uma grande confusão no pelotão do fim na partida que eliminou 4 carros.
Christian Lundgaard também sofreu o desprazer dos comissários por ter ganho vantagem ao sair de pista. Isto, com o SC provocado por Lawson nas voltas finais, significou que o pódio não foi composto pela ordem de chegada em pista, levando à promoção do Trident de Viscaal e do Prema de Shwartzman.
Havia uma expectativa de que uma corrida pudesse ocorrer no domingo mas parecia que tudo conspirava para frustrar os planos dos organizadores. Primeiro foi um atraso para reparar uma barreira danificada sem motivo apontado. Quando esta ficou concertada já se podia partir, mas Théo Pourchaire deixou o carro morrer no 4º lugar e os rivais até o foram evitando até que Enzo Fittipaldi chegou ao local e não pôde fazer nada.
As câmaras afastaram-se do local de imediato e a corrida foi parada, enquanto chegavam notícias oficiosas (muito depois confirmadas) de que Pourchaire saíra de ambulância consciente e Fittipaldi de helicóptero mas também consciente (com um tornozelo partido). Até houve uma tentativa de recomeçar mas depois de um par de voltas Ollie Caldwell despistou-se e eliminou Guilherme Samaia, ocupando a pista e dando azo a nova bandeira vermelha (que tornou os resultados mais complicados, dado que metade do grid tinha ido às boxes).
Um domingo para esquecer e uma disputa do título prolongada até Abu Dhabi (se bem que o campeonato de equipas já é da Prema).
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Resultado (Sprint 1): 1. Armstrong \ 2. Lawson \ 3. Vips \ 4. Drugovich \ 5. Shwartzman \ 6. Lundgaard \ 7. Ticktum \ 8. Piastri (Ver melhores momentos)
Resultado (Sprint 2): 1. Piastri \ 2. Viscaal \ 3. Shwartzman \ 4. Ticktum \ 5. Doohan \ 6. Pourchaire \ 7. Fittipaldi \ 8. Zhou (Ver melhores momentos)
Resultado (Feature): 1. Piastri \ 2. Shwartzman \ 3. Boschung \ 4. Zhou \ 5. Drugovich \ 6. Vips \ 7. Lundgaard \ 8. Armstrong \ 9. Lawson \ 10. Ticktum
Campeonato: 1. Piastri (213,5) \ 2. Shwartzman (162) \ 3. Zhou (149) \ 4. Ticktum (139,5) \ 5. Pourchaire (124) —– 1. Prema (375,5) \ 2. Carlin (235,5) \ 3. UNI-Virtuosi (221) \ 4. Hitech (209) \ 5. ART (174)
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Corrida anterior: Rússia 2021 \ Rondas 16-17-18
Corrida seguinte: Abu Dhabi 2021 \ Rondas 22-23-24
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Fontes:
– Autosport \ Citação Pérez
– Autosport \ Mercedes e Kingspan
– F1 \ Falecimento de Sir Frank Williams
– F1PT \ Hamilton desconfortável na Arábia Saudita
– Motorsport \ Vettel organiza corrida de kart feminina
– Planet F1 \ Qiddiyah em 2023