A tarefa de classificar a passagem de Jarno Trulli pelo campeonato do mundo de Fórmula 1 é complexa.
Em qualificação e nos seus melhores dias era quase imbatível (até na sua passagem com equipa própria na Fórmula E conseguiu uma pole position). Em corrida, no entanto, há uma razão para que ainda hoje a situação de um piloto a empatar vários atrás de si continue a ser chamada de “comboio Trulli” (Trulli Train).
Muitas vezes a arrastar carros do meio da tabela até posições superiores, a verdade é que Trulli teve a oportunidade de mostrar o seu talento em equipas que contemporâneos seus adorariam ter tido, nomeadamente a Renault e a Toyota (nas suas fases de construção). A transição entre as duas equipas, com a temporada de 2004 ainda a decorrer foi um dos momentos definitivos da sua carreira, desde o relacionamento pouco harmonioso com Flavio Briatore até à única vitória na F1 no desafiante circuito de Monte-Carlo.
Antes e depois de 2004, no entanto, houve espaço para demonstrações de todo o seu incrível talento ao volante: o pódio no terrível Prost de 1999, os vários “momentos quase” aos comandos do Toyota e a mudança de equipa a meio da época de estreia na F1 em 1996.
Aproveitando as oportunidades
Com um nome finlandês, em homenagem a Jarno Saarinen (campeão de 250cc em motas em 1972), Jarno Trulli fez um percurso similar ao de muitos outros jovens talentos no caminho até à Fórmula 1, nomeadamente com um título mundial de karting em 1991 e passagens pelas diversas Fórmula 3 nacionais.
Acabou por ser um título na F3 Alemã com 6 vitórias e 10 pódios, em conjunção com um 3º lugar no Grande Prémio de Macau, que lhe abriu as portas da F1. Mas apenas um pouco. Apenas na eterna retardatária, a Minardi. A equipa italiana, apesar de ter permitido a estreia de outro rápido italiano no ano anterior (Giancarlo Fisichella), tivera uma temporada sem pontos em 1996 (primeira vez desde 1990) e as perspetivas para 1997 com Trulli não eram brilhantes (particularmente com o motor Hart…).
Só que a sorte de uns é o azar de outros. Quando Olivier Panis partiu ambas as pernas num forte acidente durante o Grande Prémio do Canadá, a Prost viu-se no mercado à procura de um substituto. As boas performances de Trulli em 7 provas de Minardi (geralmente melhor que o experiente Ukyo Katayama) valeram-lhe uma promoção inesperada para um monolugar que colocara Panis no 3º lugar do campeonato até ao acidente. Boas performance também com a equipa francesa (onse se inclui os primeiros pontos na categoria com um 4º lugar no GP da Alemanha) impressionaram Alain Prost o suficiente para lhe fazer uma oferta de piloto oficial ao lado de Panis para 1998.
Infelizmente para Trulli os dois fatores preponderantes da boa época de 1997 (carro projetado pela antecessora Ligier e motor Mugen-Honda) desapareceram para 1998, quando a equipa procurou afirmar-se como equipa de fábrica da Peugeot. Os fracassados AP01 e AP02 de 1998 e 1999 deram a Trulli temporadas muito difíceis, em que ainda assim bateu Panis, que o relegaram para segundo plano de várias equipas de topo.
O primeiro pódio da sua carreira, numa atípica corrida de 1999 no Nürburgring de condições meteorológicas impresíveis, chamou a atenção da esforçada equipa Jordan, no entanto. Tendo somado 2 vitórias e um 3º lugar nos construtores, a equipa irlandesa parecia perfeita para Trulli, ao lado do líder Frentzen. 2000 provou ser um rude acordar para estas aspirações, com carros pouco fiáveis e alguns acidentes à mistura. 2001 foi ainda pior, desta vez com o italiano na condição de líder de equipa e com 3 pilotos diferentes a rodarem no segundo carro da equipa.
Com um projeto nascente de regresso da Renault como construtora a ser desenvolvido em Enstone, Trulli acabaria por ser contratado por Flavio Briatore para substituir o saído Fisichella (que fez o caminho inverso para a Jordan). 2002 seria a transição, num carro ainda projetado pela antiga Benetton (e como tal, não muito rápido), mas com a vantagem de que o novo colega de equipa, Jenson Button, não duraria para além do ano, fruto de não ser apreciado por Briatore.
Um carro com forte investimento da Renault trouxe um 2003 bem diferente, em que os franceses provaram ser uma estrutura sólida e capaz de aproveitar as oportunidades deixadas escapar pelas 3 principais equipas (Ferrari, McLaren e Williams). Trulli conquistou o segundo pódio da carreira, no GP da Alemanha, e pontuou em 10 das 16 corridas. Só que do outro lado da garagem chegou um novato chamado Fernando Alonso, que somou 4 pódios e a primeira vitória da carreira.
2004
Era este o principal desafio da carreira de Trulli em 2004: provar a Briatore de que era ele o homem indicado para liderar o assalto da Renault na F1, ao invés do “menino d’ouro” Alonso.
Tendo construído uma reputação sólida como um dos melhores qualificadores da Fórmula 1, Trulli conseguia geralmente equiparar-se bem a Alonso nos sábados. Era em melhorar a performance de domingo que estava a maneira de virar o jogo a seu favor. Nas primeiras 5 provas do ano o saldo era 21 pontos para ambos e os pódios também igualados em 1 para cada. Foi neste contexto que chegou o GP do Mónaco.
Com a qualificação a ser o mais importante aspeto em Monte-Carlo, Trulli aproveitou um Renault muito bem adaptado ao circuito para fazer uma das mais estonteantes voltas da sua vida, garantindo pole position por mais de 3 décimas sobre o 2º e 4 décimas sobre Alonso em 4º. Com os nervos naturais da situação a aliarem-se a duas partidas abortadas, Trulli viu-se forçado a defender posição contra Alonso durante o início da corrida, seguidos de Button (agora na BAR).
A primeira ronda de paragens nas boxes não mudou quase nada, mas logo a seguir seguiu-se o caos. Primeiro foi Alonso que teve um incidente com Ralf Schumacher no túnel, que acabou com o seu abandono; depois, no Safety Car que se seguiu, um desentendimento entre Michael Schumacher e Juan-Pablo Montoya eliminou mais um obstáculo à vitória de Trulli. No final sobrou apenas Button para segurar, o que Trulli fez com sucesso para vencer o GP do Mónaco.
Tudo parecia feito para permitir ao piloto italiano mostrar-se como um rival à altura de Alonso, até porque ganhou mais pontos ao colega de equipa nas 3 corridas seguintes, mas Trulli tinha a sensação de que Briatore não o levava com suficiente seriedade. No de França, em casa, Alonso bateu-se com o Ferrari de Schumacher pela vitória enquanto Trulli segurava o outro de Barrichello para 3º. Quando o pódio foi perdido na última curva da última volta, Briatore ficou furioso.
Para Trulli estas explosões e a oferta de condições menos “sérias” nas negociações do novo contrato indicavam que poderia ser altura de terminar o relacionamento. Uma posterior zanga no GP da Bélgica, quando Trulli fez mais uma pole mas terminou a corrida apenas em 9º, ditou que o piloto nem pôde acabar o ano com a Renault, sendo substituído por Jacques Villeneuve.
Aproveitando ainda faltarem 3 corridas para o final do campeonato, Trulli aproveitou para as disputar com a equipa com a qual assinara contrato para 2005: a Toyota.
O tigre de papel: Toyota
As corridas finais de 2004 não foram espetaculares mas a contratação de Trulli fazia parte de um vasto programa de renovação da estrutura fundada em 2002, que incluía a colocação de Ralf Schumacher no outro carro para 2005 e a prévia contratação do projetista Mike Gascoyne em 2003. Aproveitando mudanças de regulamento (diminuição do tamanho das asas e difusores), a equipa apostou forte nessa temporada.
Não foi preciso esperar muito. Na segunda prova de 2005 chegou o primeiro pódio da Toyota, cortesia de Trulli na Malásia. Na prova seguinte chegou o 2º. No total foram 3 pódios nas primeiras 5 corridas, que deram à equipa japonesa o estatuto de melhor das restantes atrás de Renault e McLaren. O 3º lugar nos construtores apenas foi perdido para a Ferrari devido à farsa do GP dos EUA (com apenas 6 carros), mas Trulli provou ser algo inconsistente na segunda metade da temporada e foi batido em pontos por Schumacher.
A partir daqui começaram as alterações duvidosas na harmonia interna da estrutura. A mudança de fornecedor de pneus por motivos nacionalistas (de Michelin para Bridgestone) tornou o modelo de 2006 um monstro para guiar, colocando a equipa de volta ao pelotão do meio. 2007 trouxe ainda piores performances, mas com Trulli a liderar a equipa de forma clara, a ponto de o colega de equipa Schumacher ser corrido a favor de Timo Glock a partir de 2008.
A enorme mudança de regulamentos de 2009 dava outra oportunidade à Toyota. A equipa foi das poucas a apostar num conceito inovador de difusor traseiro, dando-lhe a melhor temporada pós-2005. Em condições de chuva na Malásia, Trulli insistiu em mudar os pneus mas a equipa opôs-se por ser demasiado arriscado (uma decisão errada). Na corrida seguinte a Toyota colocou-se em 1º e 2º na primeira curva do Bahrain, mas estratégias erradas ditaram apenas a conquista de um pódio. Houve também um 2º lugar de Trulli no Japão, mas o piloto tinha a sensação de que 7 anos sem uma vitória poderiam pesar na decisão da Toyota sobre continuar ou não na F1 em clima de crise financeira.
E assim foi.
A Toyota abandonou nos últimos momentos de 2009, deixando aquilo que seria chamado por quem o testou como um ótimo carro de 2010 sem possibilidade de correr em pista.
Por seu turno, Trulli apostou ingressar numa das novas estruturas da F1 em 2010: a Lotus malaia de Tony Fernandes. Só que o italiano rapidamente compreendeu que as promessas de investimentos avultados na equipa nunca se concretizaram. Correndo no fundo do grid durante dois anos, Trulli decidiu que já vira o suficiente, e saiu da categoria.
Tendo fundado ainda uma equipa de Fórmula E, Trulli chegou a conseguir uma pole position no e-Prix de Berlim de 2015 mas a equipa só durou até meio da segunda temporada.
Legado
É difícil de argumentar que Jarno Trulli não é um dos pilotos mais rápidos da história da categoria no que toca a ritmo de uma volta. As voltas canhão do brilhante italiano eram fenomenais de ver. O grande problema de Trulli, em qualquer fase da sua carreira, sempre foi conseguir mostrar esse andamento nas várias fases de fins-de-semana de corrida, uma consistência essencial para quem almeja ser algo no mundo de F1.
Ainda assim, 11 pódios ao serviço de 3 equipas na F1 é um marco que mostra também versatilidade no ritmo do italiano. Outra impressionante estatística são as 8 temporadas entre os 10 primeiros (em 15 participações) do campeonato, tornada ainda mais impressionante quando se considera que na maioria dos anos Trulli nunca teve carro para andar nos primeiros lugares da grelha.
Nos dias de hoje, Trulli passa a maior parte do seu tempo ocupada com a sua quinta onde produz vinho em Abruzzo e a acompanhar o filho mais velho, Enzo Trulli, na sua própria carreira de automobilismo (foi este ano campeão de F4 dos EAU).
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“Flash” anterior: Lotus em 1968
“Flash” seguinte: Lancia em 1956
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Fontes:
– Beyond the Grid \ Jarno Trulli
– Bleacher Report \ Jarno Trulli
– Wikipedia \ Jarno Trulli