Jarno Trulli em 2004 – Flash

27 11 2021

A tarefa de classificar a passagem de Jarno Trulli pelo campeonato do mundo de Fórmula 1 é complexa.

Em qualificação e nos seus melhores dias era quase imbatível (até na sua passagem com equipa própria na Fórmula E conseguiu uma pole position). Em corrida, no entanto, há uma razão para que ainda hoje a situação de um piloto a empatar vários atrás de si continue a ser chamada de “comboio Trulli” (Trulli Train).

Muitas vezes a arrastar carros do meio da tabela até posições superiores, a verdade é que Trulli teve a oportunidade de mostrar o seu talento em equipas que contemporâneos seus adorariam ter tido, nomeadamente a Renault e a Toyota (nas suas fases de construção). A transição entre as duas equipas, com a temporada de 2004 ainda a decorrer foi um dos momentos definitivos da sua carreira, desde o relacionamento pouco harmonioso com Flavio Briatore até à única vitória na F1 no desafiante circuito de Monte-Carlo.

Antes e depois de 2004, no entanto, houve espaço para demonstrações de todo o seu incrível talento ao volante: o pódio no terrível Prost de 1999, os vários “momentos quase” aos comandos do Toyota e a mudança de equipa a meio da época de estreia na F1 em 1996.

Aproveitando as oportunidades

Com um nome finlandês, em homenagem a Jarno Saarinen (campeão de 250cc em motas em 1972), Jarno Trulli fez um percurso similar ao de muitos outros jovens talentos no caminho até à Fórmula 1, nomeadamente com um título mundial de karting em 1991 e passagens pelas diversas Fórmula 3 nacionais.

Acabou por ser um título na F3 Alemã com 6 vitórias e 10 pódios, em conjunção com um 3º lugar no Grande Prémio de Macau, que lhe abriu as portas da F1. Mas apenas um pouco. Apenas na eterna retardatária, a Minardi. A equipa italiana, apesar de ter permitido a estreia de outro rápido italiano no ano anterior (Giancarlo Fisichella), tivera uma temporada sem pontos em 1996 (primeira vez desde 1990) e as perspetivas para 1997 com Trulli não eram brilhantes (particularmente com o motor Hart…).

Só que a sorte de uns é o azar de outros. Quando Olivier Panis partiu ambas as pernas num forte acidente durante o Grande Prémio do Canadá, a Prost viu-se no mercado à procura de um substituto. As boas performances de Trulli em 7 provas de Minardi (geralmente melhor que o experiente Ukyo Katayama) valeram-lhe uma promoção inesperada para um monolugar que colocara Panis no 3º lugar do campeonato até ao acidente. Boas performance também com a equipa francesa (onse se inclui os primeiros pontos na categoria com um 4º lugar no GP da Alemanha) impressionaram Alain Prost o suficiente para lhe fazer uma oferta de piloto oficial ao lado de Panis para 1998.

Infelizmente para Trulli os dois fatores preponderantes da boa época de 1997 (carro projetado pela antecessora Ligier e motor Mugen-Honda) desapareceram para 1998, quando a equipa procurou afirmar-se como equipa de fábrica da Peugeot. Os fracassados AP01 e AP02 de 1998 e 1999 deram a Trulli temporadas muito difíceis, em que ainda assim bateu Panis, que o relegaram para segundo plano de várias equipas de topo.

O primeiro pódio da sua carreira, numa atípica corrida de 1999 no Nürburgring de condições meteorológicas impresíveis, chamou a atenção da esforçada equipa Jordan, no entanto. Tendo somado 2 vitórias e um 3º lugar nos construtores, a equipa irlandesa parecia perfeita para Trulli, ao lado do líder Frentzen. 2000 provou ser um rude acordar para estas aspirações, com carros pouco fiáveis e alguns acidentes à mistura. 2001 foi ainda pior, desta vez com o italiano na condição de líder de equipa e com 3 pilotos diferentes a rodarem no segundo carro da equipa.

Com um projeto nascente de regresso da Renault como construtora a ser desenvolvido em Enstone, Trulli acabaria por ser contratado por Flavio Briatore para substituir o saído Fisichella (que fez o caminho inverso para a Jordan). 2002 seria a transição, num carro ainda projetado pela antiga Benetton (e como tal, não muito rápido), mas com a vantagem de que o novo colega de equipa, Jenson Button, não duraria para além do ano, fruto de não ser apreciado por Briatore.

Um carro com forte investimento da Renault trouxe um 2003 bem diferente, em que os franceses provaram ser uma estrutura sólida e capaz de aproveitar as oportunidades deixadas escapar pelas 3 principais equipas (Ferrari, McLaren e Williams). Trulli conquistou o segundo pódio da carreira, no GP da Alemanha, e pontuou em 10 das 16 corridas. Só que do outro lado da garagem chegou um novato chamado Fernando Alonso, que somou 4 pódios e a primeira vitória da carreira.

2004

Era este o principal desafio da carreira de Trulli em 2004: provar a Briatore de que era ele o homem indicado para liderar o assalto da Renault na F1, ao invés do “menino d’ouro” Alonso.

Tendo construído uma reputação sólida como um dos melhores qualificadores da Fórmula 1, Trulli conseguia geralmente equiparar-se bem a Alonso nos sábados. Era em melhorar a performance de domingo que estava a maneira de virar o jogo a seu favor. Nas primeiras 5 provas do ano o saldo era 21 pontos para ambos e os pódios também igualados em 1 para cada. Foi neste contexto que chegou o GP do Mónaco.

Com a qualificação a ser o mais importante aspeto em Monte-Carlo, Trulli aproveitou um Renault muito bem adaptado ao circuito para fazer uma das mais estonteantes voltas da sua vida, garantindo pole position por mais de 3 décimas sobre o 2º e 4 décimas sobre Alonso em 4º. Com os nervos naturais da situação a aliarem-se a duas partidas abortadas, Trulli viu-se forçado a defender posição contra Alonso durante o início da corrida, seguidos de Button (agora na BAR).

A primeira ronda de paragens nas boxes não mudou quase nada, mas logo a seguir seguiu-se o caos. Primeiro foi Alonso que teve um incidente com Ralf Schumacher no túnel, que acabou com o seu abandono; depois, no Safety Car que se seguiu, um desentendimento entre Michael Schumacher e Juan-Pablo Montoya eliminou mais um obstáculo à vitória de Trulli. No final sobrou apenas Button para segurar, o que Trulli fez com sucesso para vencer o GP do Mónaco.

Tudo parecia feito para permitir ao piloto italiano mostrar-se como um rival à altura de Alonso, até porque ganhou mais pontos ao colega de equipa nas 3 corridas seguintes, mas Trulli tinha a sensação de que Briatore não o levava com suficiente seriedade. No de França, em casa, Alonso bateu-se com o Ferrari de Schumacher pela vitória enquanto Trulli segurava o outro de Barrichello para 3º. Quando o pódio foi perdido na última curva da última volta, Briatore ficou furioso.

Para Trulli estas explosões e a oferta de condições menos “sérias” nas negociações do novo contrato indicavam que poderia ser altura de terminar o relacionamento. Uma posterior zanga no GP da Bélgica, quando Trulli fez mais uma pole mas terminou a corrida apenas em 9º, ditou que o piloto nem pôde acabar o ano com a Renault, sendo substituído por Jacques Villeneuve.

Aproveitando ainda faltarem 3 corridas para o final do campeonato, Trulli aproveitou para as disputar com a equipa com a qual assinara contrato para 2005: a Toyota.

O tigre de papel: Toyota

As corridas finais de 2004 não foram espetaculares mas a contratação de Trulli fazia parte de um vasto programa de renovação da estrutura fundada em 2002, que incluía a colocação de Ralf Schumacher no outro carro para 2005 e a prévia contratação do projetista Mike Gascoyne em 2003. Aproveitando mudanças de regulamento (diminuição do tamanho das asas e difusores), a equipa apostou forte nessa temporada.

Não foi preciso esperar muito. Na segunda prova de 2005 chegou o primeiro pódio da Toyota, cortesia de Trulli na Malásia. Na prova seguinte chegou o 2º. No total foram 3 pódios nas primeiras 5 corridas, que deram à equipa japonesa o estatuto de melhor das restantes atrás de Renault e McLaren. O 3º lugar nos construtores apenas foi perdido para a Ferrari devido à farsa do GP dos EUA (com apenas 6 carros), mas Trulli provou ser algo inconsistente na segunda metade da temporada e foi batido em pontos por Schumacher.

A partir daqui começaram as alterações duvidosas na harmonia interna da estrutura. A mudança de fornecedor de pneus por motivos nacionalistas (de Michelin para Bridgestone) tornou o modelo de 2006 um monstro para guiar, colocando a equipa de volta ao pelotão do meio. 2007 trouxe ainda piores performances, mas com Trulli a liderar a equipa de forma clara, a ponto de o colega de equipa Schumacher ser corrido a favor de Timo Glock a partir de 2008.

A enorme mudança de regulamentos de 2009 dava outra oportunidade à Toyota. A equipa foi das poucas a apostar num conceito inovador de difusor traseiro, dando-lhe a melhor temporada pós-2005. Em condições de chuva na Malásia, Trulli insistiu em mudar os pneus mas a equipa opôs-se por ser demasiado arriscado (uma decisão errada). Na corrida seguinte a Toyota colocou-se em 1º e 2º na primeira curva do Bahrain, mas estratégias erradas ditaram apenas a conquista de um pódio. Houve também um 2º lugar de Trulli no Japão, mas o piloto tinha a sensação de que 7 anos sem uma vitória poderiam pesar na decisão da Toyota sobre continuar ou não na F1 em clima de crise financeira.

E assim foi.

A Toyota abandonou nos últimos momentos de 2009, deixando aquilo que seria chamado por quem o testou como um ótimo carro de 2010 sem possibilidade de correr em pista.

Por seu turno, Trulli apostou ingressar numa das novas estruturas da F1 em 2010: a Lotus malaia de Tony Fernandes. Só que o italiano rapidamente compreendeu que as promessas de investimentos avultados na equipa nunca se concretizaram. Correndo no fundo do grid durante dois anos, Trulli decidiu que já vira o suficiente, e saiu da categoria.

Tendo fundado ainda uma equipa de Fórmula E, Trulli chegou a conseguir uma pole position no e-Prix de Berlim de 2015 mas a equipa só durou até meio da segunda temporada.

Legado

É difícil de argumentar que Jarno Trulli não é um dos pilotos mais rápidos da história da categoria no que toca a ritmo de uma volta. As voltas canhão do brilhante italiano eram fenomenais de ver. O grande problema de Trulli, em qualquer fase da sua carreira, sempre foi conseguir mostrar esse andamento nas várias fases de fins-de-semana de corrida, uma consistência essencial para quem almeja ser algo no mundo de F1.

Ainda assim, 11 pódios ao serviço de 3 equipas na F1 é um marco que mostra também versatilidade no ritmo do italiano. Outra impressionante estatística são as 8 temporadas entre os 10 primeiros (em 15 participações) do campeonato, tornada ainda mais impressionante quando se considera que na maioria dos anos Trulli nunca teve carro para andar nos primeiros lugares da grelha.

Nos dias de hoje, Trulli passa a maior parte do seu tempo ocupada com a sua quinta onde produz vinho em Abruzzo e a acompanhar o filho mais velho, Enzo Trulli, na sua própria carreira de automobilismo (foi este ano campeão de F4 dos EAU).

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“Flash” anterior: Lotus em 1968
“Flash” seguinte: Lancia em 1956

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Fontes:
Beyond the Grid \ Jarno Trulli
Bleacher Report \ Jarno Trulli
Wikipedia \ Jarno Trulli





Toro Rosso em 2008 – Flash

20 03 2021

Como equipa B da estrutura-mãe da Red Bull, a AlphaTauri seria, em circunstâncias normais, a equipa com maiores dificuldades em construir uma base de fãs. Ao contrário de outras equipas secundárias da Fórmula 1 não tem sequer um nome de significado histórico, como a Alfa Romeo. Trata-se de uma marca de roupa criada por uma produtora de bebidas energéticas. No entanto, quando Pierre Gasly venceu o Grande Prémio de Itália no ano passado, não houve quase ninguém que não ficasse feliz pela AlphaTauri.

Para explicar a simpatia gerada pela equipa de Faenza é necessário olhar para as origens da estrutura, que estreou no campeonato do mundo em 1985 como Minardi. Sem grandes fundos, capacidade técnica ou infraestrutura, a Minardi poderia e deveria ter caído no esquecimento coletivo a que caíram várias contemporâneas (Osella, Zakspeed, Larrousse,…), mas a maneira como Giancarlo Minardi soube manter os seus carros nas pistas mesmo com resultados muito modestos trouxe a admiração e simpatia do mundo do automobilismo.

Quando finalmente a equipa parecia já não ter mais fôlego em 2005 chegou o investimento da Red Bull e a renomeação. Mantendo a sede em Itália e o nome italiano (Toro Rosso, italiano para “Red Bull”), os austríacos souberam cultivar toda a história da Minardi e garantiram que a equipa (que entretanto mudou de nome para AlphaTauri) prosseguisse no calendário da F1, de boa saúde financeira pela primeira vez.

A equipa conseguiu também modificar o modo como é percepcionada: de pequena estrutura, que milagres ocasionais permitiam pontuar, a média estrutura capaz de somar pontos constantemente e ocasionalmente a envergonhar operações melhor financiadas. O ano que mais contribuiu para esta alteração foi 2008.

Da Fórmula 2 até à venda Red Bull

Neto do dono de um concessionário da Fiat, Giancarlo Minardi decidiu expandir a sua equipa de Fórmula 2 para a categoria principal em 1985. Inicialmente com apenas 1 carro, guiado por Pierluigi Martini e tendo que ser adaptado para as primeiras duas corridas ao motor Ford em vez do Motori Moderni previsto, a equipa teve como melhor resultado um 11º lugar no Grande Prémio da Alemanha antes de expandir as suas operações para um segundo carro.

Crescendo para a sua melhor fase até 1989-90, a equipa acabaria por ser vítima do fim das pequenas equipas que proliferaram e faliram, passando a deixar de fazer parte do meio do grid para passar ao final do grid. Prestes a falir no final de 1994, a Minardi optou por se fundir com a Scuderia Italia, outra equipa italiana de F1. Quando se tornou notório que não estavam resolvidos, Flavio Briatore decidiu comprar uma parcela da equipa a pedido de Bernie Ecclestone, líder da FOM. O imbróglio do contrato Mugen-Honda provocado por Briatore, em que o empresário puxou o fornecimento à última da hora para uma outra equipa sua (Ligier), manteve as energias da equipa divididas entre a pista e os tribunais.

Houve ainda espaço para o envolvimento de outro empresário, Gabriele Rumi, que trouxe a Fondmetal como parceira da equipa. A marca foi responsável pelo desenvolvimento de motores da Minardi até os problemas de saúde de Rumi ditarem o fim da parceria. Em 2000, e com a equipa não fazer melhor que 10º lugar no campeonato desde 1993, a contratação do endinheirado mas errático Gastón Mazzacane mostrava bem as dificuldades da estrutura. Chegava ao fim o envolvimento de Giancarlo Minardi na equipa.

Em 2001, a equipa foi comprada pelo australiano Paul Stoddart, que fez uso da sua companhia de aviação (European) para patrocinar a Minardi. Foi uma ajuda tardia e insuficiente. A Minardi arrastou-se com pilotos pagantes (e os ocasionais talentos como Fernando Alonso e Mark Webber) e dificuldades até à temporada de 2005 quando a Red Bull, tendo comprado a Jaguar no ano anterior, decidiu adquirir a estrutura de Faenza para formar a sua segunda equipa. O nome Minardi tem até hoje o recorde de maior número de Grande Prémios sem vitória, pódio, pole ou volta mais rápida (340).

Com, pela primeira vez, um novo nome, a Toro Rosso foi palco de controvérsia logo na estreia em 2006. Devido aos custos elevados da adaptação da Fórmula 1 a motores V8, a FIA tinha concedido à Minardi a possibilidade de continuar com um motor V10 desde que limitado em rotações. A compra da equipa acabou por não retirar a exceção, o que enfureceu as rivais da Toro Rosso, que viam nisso e no facto de a equipa ir simplesmente copiar o chassis da Red Bull de 2005 (que fora decente) enormes injustiças.

A verdade é que a Toro Rosso não mostrou grande ritmo em 2006, pontuando uma vez. Os pilotos eram agora jovens do programa da Red Bull. Vitantonio Liuzzi e Scott Speed foram os escolhidos. Liuzzi era irregular mas mostrava alguns lampejos de velocidade. Já Speed fora principalmente escolhido por razões de marketing por ser dos EUA. Ambos foram mantidos para 2007 (quando a equipa já usou V8 mas criou grande polémica ao usar o mesmo carro que a Red Bull) mas o novo chefe da equipa, Franz Tost, não era fã de Speed e chegou ao ponto de haver um confronto físico após o GP da Europa. Mostrando a Speed a porta da rua, a equipa apostou numa jovem promessa da Red Bull, Sebastian Vettel.

O alemão, apesar de um erro crasso que impediu a Red Bull e Toro Rosso de fazerem um pódio conjunto no GP do Japão, mostrou que tinha talento de sobra para a categoria com uma mão cheia de pontos no GP da China. As boas performances de Vettel acabaram por ditar também o fim de Liuzzi no final da temporada: a diferença entre os dois fora notória.

2008

Para a temporada seguinte a Toro Rosso optou por colocar uma aposta improvável ao lado de Sebastian Vettel, contratando o 4 vezes campeão de Champ Car em título, Sébastien Bourdais. Com a sua dupla de “Sebs”, a estrutura procurava mostrar que não fora 7ª colocada do mundial em 2007 por acaso. Mais uma vez fizeram uso de um chassis exatamente igual ao da equipa principal, apesar das insistências de que não eram cópias. O gracejo de que Adrian Newey (projetista Red Bull) não seria capaz de distinguir ambos os carros se fossem pintados de branco não desapareceu.

Foram vários os abandonos da equipa na primeira metade da temporada, apesar de Bourdais ter pontuado na estreia com um 7º lugar. A equipa procurou reerguer-se e conseguiu ajudar Vettel a fazer excelentes performances nos GPs do Mónaco e Canadá. À chegada ao GP da Alemanha, a equipa viu o piloto da casa pontuar novamente, uma ótima celebração do cumprir do objetivo da existência da Toro Rosso: Vettel iria rumar à equipa principal em 2009 para substituir David Coulthard (que se reformou), a primeira vez que um jovem da marca faria a trajetória de equipa B a equipa A.

Foi justamente por volta dessa prova que algo de inesperado ocorreu. Com motores Ferrari, a Toro Rosso contrastava com a Red Bull que utilizava propulsores da Renault. A meio da temporada de 2008, a Ferrari parecia ter motores melhores que os da rival francesa, o que levou a uma embaraçosa inversão de papéis: a Red Bull via-se com frequência batida pela sua segunda equipa.

Sebastian Vettel começou a aliar à sua velocidade natural uma cada vez maior consistência, embora Sébastien Bourdais estivesse a ser uma decepção. Quando a equipa chegou a Monza para o Grande Prémio de Itália e a sua corrida caseira, estaria longe de imaginar a carga de água que se abateria pela primeira vez em 27 anos no circuito. Optando por arriscar, a Toro Rosso modificou o setup do STR3 de 6ª para sábado, colocando-o com um arrasto aerodinâmico reduzido. Esta alteração, aliada à boa aderência mecânica do carro e a potência do motor Ferrari fez maravilhas.

O resultado foi a pole position de Vettel e o 4º lugar na grelha de Bourdais. Com o Red Bull principal de Mark Webber em 3º e o líder do campeonato Lewis Hamilton de fora na Q1, o ambiente era de festa. A corrida, para gláudio dos italianos trazia uma pista molhada também. Bourdais teve problemas mecânicos que o impediram de partir da sua posição na frente do pelotão. Assim, as esperanças estavam todas nos ombros de Vettel.

O alemão começou atrás do Safety Car e conseguiu controlar bem o seu ritmo para permanecer na frente. O único sobressalto foi mesmo quando o carro lhe escorregou na 8ª volta, mas o piloto evitou o pior. Entretanto, Hamilton ultrapassava carro após carro no seu McLaren até estar apenas 3 segundos atrás de Vettel. Parecia inevitável que o McLaren mais rápido acabasse a festa da Toro Rosso, só que na segunda ronda de paragens os ingleses apostaram em chuva intensa que não se verificou. Hamilton teve de trocar os pneus de chuva pelos intermédios e Vettel não voltou a ser apanhado, cruzando a linha de chegada para a primeira vitória da sua carreira.

A pequena Minardi via a sua sucessora triunfar pela primeira vez. E a segunda equipa da Red Bull vencia antes da primeira…

O ano já teria sido de glória se ficasse por aqui, mas Vettel estava com a confiança em alta e a Toro Rosso tinha um carro capaz. O alemão pontuou em quase todos os restantes Grande Prémios, incluíndo a última prova pelos italianos quando ultrapassou Hamilton em piso molhado e por pouco não impediu o título do homem da McLaren que precisava do ponto extra. O 4º lugar de Vettel nesse GP do Brasil levou a que a Toro Rosso terminasse em 6º lugar nos construtores, à frente da Red Bull em 7º. A promoção do jovem à equipa principal parecia quase uma demoção.

Sucesso Red Bull reduz Toro Rosso à insignificância

2009 foi um rude acordar para a equipa. As novas regras terminaram com a possibilidade de partilhar carro com a Red Bull, obrigando a estrutura a desenhar o seu próprio chassis, e o talismã Vettel saiu e foi substituído por outro Sébastien (Buemi, sem grandes provas dadas nas categorias de promoção). Na Red Bull, Vettel e Webber fizeram uso pleno de um carro excelente que elevou a equipa a candidata ao título, enquanto que a Toro Rosso parecia ter dificuldades em sequer pontuar. Batido agora por Buemi, Bourdais foi despedido (por SMS) a meio do ano para dar lugar ao ponto de interrogação que era Jaime Alguersuari.

A dupla Buemi-Alguersuari sobreviveu dois anos adicionais. No ano final em 2011, Helmut Marko, dirigente do programa de jovens Red Bull, informou ambos que estavam a competir pela possibilidade de substituir Webber. Quando Webber renovou por mais um ano, a competição mudou: o vencedor era o único a ser mantido na Toro Rosso porque a marca de bebidas energéticas estava de olho no segundo carro para Daniel Ricciardo (que despontava na World Series by Renault). No final do ano, e já com os lugares quase todos fechados, Marko informou que não precisava mais dos serviços de Buemi e Alguersuari. Jean-Éric Vergne, outro talento Red Bull, formaria dupla para 2012 com Ricciardo na equipa italiana.

Com os títulos de Vettel, Marko começou a ser cada vez mais implacável com os jovens da Red Bull. Apenas foras de série teriam hipóteses. A Toro Rosso começava a parecer um relógio suíço com os seus constantes 7º e 8º lugares no campeonato. Quando Webber finalmente se reformou no final de 2013 foi Daniel Ricciardo o promovido. Vergne ficou apenas mais um ano, ao lado de Daniil Kvyat, enquanto a equipa passava a ter motores Renault como a estrutura principal. Kvyat acabaria promovido para 2015 quando Vettel saiu da estrutura Red Bull para a Ferrari.

Franz Tost, diretor técnico, começava a queixar-se da falta de estabilidade e controlo sobre as duplas de pilotos. Era a 2ª vez em 4 anos que a equipa via ambos os pilotos do ano anterior não continuar. Pelo menos a dupla de estreantes de 2015 mostrava talento de sobra: Max Verstappen e Carlos Sainz. O revés acabou por chegar quando a Red Bull se zangou com a Renault no final de 2015, forçando a Toro Rosso a usar motores Ferrari com um ano de idade. Em 2016, após quatro rondas a Red Bull fez uso do seu controlo novamente. Verstappen trocou com Kvyat, devido a pressões sobre o piloto russo que foi devolvido à equipa.

A dança de motores continuou, com um regresso breve aos bons termos com a Renault e o ano de 2018 em que a marca passou a temporada como cobaia da Red Bull para a competitividade dos Honda. Nesse ano a equipa teve dois estreantes novamente (Pierre Gasly e Brendon Hartley), porque Kvyat foi largado e Sainz perdeu fé na marca de bebidas e rumou à equipa principal da Renault. No seu último ano de existência, em 2019, a equipa voltou a ter um rebaixamento quando teve que ceder Alexander Albon à Red Bull por troca com Gasly. Apesar disso, voltou a terminar pela primeira vez desde 2008 em 6º lugar, com dois pódios (um do rebaixado Gasly, outro do regressado Kvyat).

Legado

Reduzida à insignificância do pelotão do meio na Fórmula 1, a Toro Rosso tem mesmo assim continuado a saber operar como uma estrutura frugal que tem dado oportunidades a vários jovens de mostrar o seu talento na categoria máxima do automobilismo. E dando-lhes ainda a possibilidade de ascender à Red Bull, onde poderão lutar por vitórias. Claro que para lá chegar, terão que saber sobreviver ao machado de Helmut Marko. Até agora, Vettel, Ricciardo e Verstappen parecem ter sido os únicos capazes.

Para 2020 a equipa viu o seu nome alterar para AlphaTauri, de modo a promover a mais recente marca de roupa dos austríacos. A mudança não parece ter sido apenas estética, porque os dirigentes austríacos têm sido “apanhados” a referir-se à equipa de Faenza menos como “equipa B” e mais como “equipa irmã”. A manutenção de Gasly (que se tem transformado num líder dentro da estrutura, até por ter dado à estrutura a sua segunda vitória, novamente em Monza) é fulcral para a subida de forma da AlphaTauri, que se chegou a especular alguns anos atrás como de interesse para a Honda. A saída de cena dos japoneses colocou um travão nesses planos.

A verdade é que a equipa que outrora precisara de acordos especiais para garantir a sua sobrevivência no fundo da grelha é, há já vários anos, uma das estruturas mais sólidas da Fórmula 1 e uma ótima porta de entrada para pilotos que não tenham mundos e fundos ao seu dispor para chegar ao expoente máximo do automobilismo mundial.

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“Flash” anterior: Eddie Irvine em 1999
“Flash” seguinte: Silvio Moser em 1970

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Fontes:
– F1 2008/2009; (2008); SANTOS, Francisco; Talento.
Autosport PT \ Franz Tost: da agressão a Speed a vitória de Vettel
Super Danilo \ Equipes de Fórmula 1: Minardi
Wikipedia \ Minardi
YouTube \ Your Favourite Italian Grand Prix: 2008





Michelin em 2005 – Flash

7 02 2021

Quando em 2018 foi necessário escolher quem teria o direito de ser a fornecedora de pneus exclusiva da Fórmula 1 para o período 2020-23 coube à Pirelli e à Michelin apresentarem os seus melhores argumentos. Ambas concordavam com a introdução das jantes de 18 polegadas mas, como a alteração seria apenas em 2021, teriam que desenvolver por apenas 1 ano jantes de 13 polegadas. Para a Pirelli, fornecedora atual, seria apenas continuar mais 1 ano com o seu modelo mas para a Michelin implicaria criar um modelo para apenas 1 ano. Os franceses desistiram.

Caso não o tivessem feito teria sido a primeira participação da Michelin no campeonato do mundo de F1 desde 2006, a última temporada em que mais de um fornecedor de pneus estava envolvido na categoria. A Michelin acabaria por não continuar após a época, passando o testemunho à rival Bridgestone, que proseguiu sozinha.

Tendo estado envolvida na categoria desde 2001, o programa da Michelin provou ser curto mas com os seus pontos altos (particularmente os títulos de pilotos e construtores de 2005 e 2006 com a Renault). E poderia ter sido diferente não tivessem ocorrido os eventos do Grande Prémio dos EUA de 2005.

O regresso da “guerra de pneus”

Fundada em 1889 pelos irmãos André e Édouard Michelin como fábrica de borracha, a Michelin fez a sua primeira patente para um pneumático removível em 1891 (depois de um ciclista com um problema lhes ter pedido ajuda) que acabaria por os levar ao triunfo na primeira prova de ciclismo de longa distância (Paris-Brest-Paris). Expandindo-se drasticamente ao longo das décadas (por vezes às custas de práticas desumanas, como nas suas enormes plantações de borracha na Indochina Francesa), a marca tornou-se a gigante multinacional que é hoje.

Tendo participado em categorias de automobilismo ao longo dos anos, a Michelin tinha já competido na Fórmula 1 entre 1977 e 1984 com algum sucesso (particularmente com Ferrari e Renault) quando decidiu regressar à categoria principal do automobilismo a partir de 2001.

Na época, a Bridgestone vinha de dois anos como fornecedores exclusivos da categoria, pelo que a concorrência dos franceses viria muito bem preparada. No primeiro ano a Michelin apenas conseguiu convencer a Williams e algumas equipas do fundo da grelha a aderir. Mesmo assim obteve a sua primeira vitória logo na quarta prova do ano, no GP de San Marino com o Williams de Ralf Schumacher.

Impulsionada pelo primeiro ano, a Michelin conseguiu atrair outra das candidatas ao título, a McLaren, para 2002. Infelizmente, foi um ano de domínio para a Ferrari em cooperação com a Bridgestone. Já 2003 correu muito melhor. Apesar de ser um novo título Ferrari / Bridgestone, a Michelin conseguiu 7 vitórias (com McLaren, Williams e Renault) e teve o seu melhor ano desde o regresso.

Mais uma vez a marca teve de sofrer um ano de domínio da rival japonesa Bridgestone em 2004, mas as regras de pneus iriam sofrer uma alteração radical para 2005.

2005

Para a temporada de 2005, a FIA decidiu que deixariam de existir paragens para trocas de pneus, ou seja, Bridgestone e Michelin teriam que criar pneus capazes de durar uma corrida (e qualificação) inteira. Outra questão importante foi o ressentimento crescente das equipas com a Bridgestone, que acusavam de privilegiar a Ferrari e ignorar os pedidos de design das rivais. Isto levou a que para 2005 a Bridgestone tivesse apenas a Ferrari e as duas piores equipas do grid (Jordan e Minardi) como clientes. Todas as restantes estruturas foram fornecidas pela Michelin.

E a marca francesa tinha motivos para sorrir. Os pneus da Michelin exibiam níveis de performance superiores aos da Bridgestone, ao mesmo tempo que a Ferrari tinha um dos seus piores inícios de campeonato. Nas 8 primeiras corridas a Michelin venceu 8, com McLaren e Renault. E assim chegou o fim-de-semana do Grande Prémio dos EUA.

Realizado na versão Road Course de Indianápolis, que utiliza parte da oval, existiam alguns sinais do que poderia acontecer alguns meses antes. A Firestone, marca de pneus que fornecia a IndyCar na época, reparou na degradação extrema dos compostos para as 500 milhas de Indianápolis. A Bridgestone usou esta informação para optar por compostos mais conservadores (duros) e lentos para o fim-de-semana. A Michelin não.

Nos treinos livres Ralf Schumacher viu o seu pneu traseiro esquerdo rebentar na última curva e teve um acidente contra o muro. Por coincidência no anterior tinha tido um acidente quase idêntico que o deixara de fora da F1 por 6 corridas. Desta vez a causa era outra. O pneu Michelin sofrera uma baixa de pressão catastrófica até ceder. A Michelin avisou a FIA que descobrira ser um problema de todos os compostos que trouxera. Os pneus Michelin, seguros para uma volta de ataque, não conseguiam fazer mais do que 5 voltas seguidas sem risco grave de falha.

As equipas da Michelin apressaram-se a apresentar propostas para garantir a realização da corrida, incluíndo a criação uma chicane na curva em questão para reduzir a velocidade com que passavam nela (que se acreditava ser o problema dos pneus), ou a permissão de trocar de pneus a cada 5 voltas (na prática eliminando as hipóteses desses carros mas garantindo que 20 bólides correriam). Estas propostas acolheram a concordância de 2 das equipas Bridgestone, Jordan e Minardi. Mas a Ferrari opõs-se.

Bernie Ecclestone, líder da Formula One Management, entretanto tentou largar as culpas no circuito, enquanto Max Mosley, presidente da FIA, não se digna a aparecer. Limita-se a ameaçar, do seu escritório em Londres, que assim não haveriam pontos atribuídos. Quando as equipas não se pareceram importar, Mosley ameaçou acabar com as competições FIA na América do Norte. Tony George, dono de Indianápolis, torceu o nariz. As soluções estavam fora da mesa.

A ideia de deixar a Ferrari fazer a figura triste de correr sozinha acabou por não funcionar. A Jordan quebrou a união das restantes 9 equipas e foi para a pista. Numa luta pelos dois últimos lugares com a Minardi, a Jordan tentava ganhar uma mão cheia de pontos. Paul Stoddart da Minardi ainda ponderou não correr na mesma, mas as equipas Michelin convenceram-no a correr: se não o fizesse a equipa mais pequena do grid ficaria quase certamente em ainda pior estado financeiro que já estava.

Assim chegou o dia da corrida. No seu gridwalk mais estranho de sempre, Martin Brundle tentava obter respostas sobre o que se estaria prestes a passar. Ninguém lhe respondia nada de concreto. As equipas Michelin só a alguns minutos da partida se dirigiram para o grid. Fizeram a volta de formação e, num dos espetáculos mais surrealistas da história da categoria, dirigiram-se para as boxes para abandonar a prova antes da partida. Apenas 6 dos 20 carros (os Bridgestone) se alinharam na grelha e partiram.

Durante vários minutos houve um silêncio sepulcral das dezenas de milhar de espectadores nas bancadas, incrédulos. Recuperando do choque, o público em peso vaiou e começou a atirar garrafas para a pista. Outros abandonaram o autódromo. Num mercado que desesperadamente tentava cativar, a Fórmula 1 acabava de destruir a sua credibilidade nos EUA que até hoje tenta recuperar.

Todos os envolvidos se culparam mutuamente, inclusive uma memorável entrevista de Paul Stoddart durante a prova (na qual o australiano colocou o dedo na ferida de vários problemas na F1 com direito a diversos palavrões). A verdade é que uma completa falta de solidariedade e senso comum tinham deixado todos mal na fotografia.

Mas a Michelin recebeu uma grande parcela das culpas, e sabiam-no. Ofereceram refunds a todos os fãs presentes, bem como 20 mil bilhetes para a corrida do ano seguinte. Apesar de nesse ano terem dominado a rival Bridgestone e vencido 18 das 19 provas (e ambos os títulos), a marca sofrera danos pesados à sua imagem e anunciou que no final de 2006 abandonariam a categoria.

Abandono e entrada noutras categorias

Com o anúncio do abandono da Michelin para 2006, a Williams e a Toyota optaram por passar nesse ano para a Bridgestone, sabendo que seriam os japoneses a ficar como fornecedor único e querendo ganhar experiência com os compostos. A Michelin mencionou “profunda desacordo” com as chefias da F1 pela saída. Já a FIA atirou que as equipas há muito pediam um único fornecedor e que isso tornaria a categoria mais barata, segura e “acima de tudo, evitaria uma repetição dos problemas que ocorreram no GP dos EUA de 2005″…

Para a Michelin, no entanto, 2006 era um ano de redenção para provar que saíriam de cabeça erguida da categoria com ambos os títulos na mão. A tarefa foi dificultada pelo regresso das paragens nas boxes após um único ano de ausência (mas com as consequências desastrosas de Indianápolis). Com a queda de forma da McLaren, a Michelin disputou pelo título com o auxílio da Renault contra uma Ferrari recuperada com Bridgestone.

Por uma margem muito menor de pontos, a Michelin conquistou os títulos de 2006, vencendo 9 das 18 corridas, ou seja, dividindo o número de vitórias com a Bridgestone.

A Bridgestone ficou a fornecer a categoria de 2007 a 2010 até ser substituída pela Pirelli. A marca italiana tem conseguido defender o seu direito de fornecedora exclusiva contra algumas propostas da Michelin, geralmente por ter menos exigências que os franceses. À Michelin cabe neste momento o fornecimento exclusivo na Fórmula E, MotoGP e mundial de Ralis, pelo que não estarão excessivamente preocupados com o fim do seu capítulo na F1.

Legado

O ano de 2005 acabou por ditar o fim das guerras de pneus na Fórmula 1. Sem qualquer apetite para uma repetição de problemas semelhantes, dado que foi um excesso de confiança que levou a Michelin a arriscar mais que a Bridgestone naquele GP dos EUA de 2005, a categoria passou a tornar obrigatório um único fornecedor de 2007 em diante, um costume que acabou por se alastrar a vários outras categorias de automobilismo.

Para a presença americana na F1, o evento foi absolutamente devastador. Sempre desconfiados em relação à categoria de caráter europeu, os americanos terminaram o contrato de Indianápolis pouco depois e deixaram a F1 sem corrida no país entre 2008 e 2012. Apenas a construção de uma pista para o efeito, no Texas, pareceu ajudar a recuperar a reputação.

O evento também mostrou a fragilidade das equipas pequenas do grid face aos ditames das grandes. Jordan e Minardi, forçadas a correr em 2005, mudaram de dono até ao final do ano (a Jordan passou a Midland e a Minardi foi comprada pela Red Bull). Max Mosley continuou o seu caminho de estranhas decisões até uma quase cisão da F1 em 2009, sendo que no final desse ano finalmente deixou de liderar a FIA. A Ferrari permaneceu com a reputação de nunca aceitar decisões que não a colocassem no centro da categoria, ainda que para isso quebrem a confiança do público geral na própria F1 (como mais tarde se voltou a ver no GP da Alemanha de 2010 ou com a recente “clarificação” dos motores).

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“Flash” anterior: TAG Porsche em 1984
“Flash” seguinte: Eddie Irvine em 1999

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Fontes:
Autosport \ Michelin troubled by parts of F1 2020 tyre plan
Bleacher Report \ Why Pirellis, Not Michelins, Are the Right Tyres for Formula 1
CNN \ Michelin signals Formula One exit
Contas da F1 \ EUA 2005: Fiasco da Michelin
Motorsport \ The Blame Game (2005 US GP)
Público \ FIA rejeita mudança de pneus da Michelin
Wheels \ Not their finest hour: Michelin, 2005 US GP





Michele Alboreto em 1985 – Flash

27 12 2020

A tentação da Ferrari em ter um italiano ao volante dos seus carros sempre foi uma das imagens de marca da equipa. Não que este fosse um desejo estranho para a Fórmula 1 num passado próximo, com as equipas a não serem tão internacionais como são hoje. Mas a Ferrari, depois de ter tido Alberto Ascari a vencer títulos nos anos 50, sonhava voltar a ver um compatriota campeão nos seus chassis.

O piloto mais próximo de repetir a dose foi um homem que disse “não sinto esta famosa mitologia sobre a equipa Ferrari (…); não vejo a cor do carro nem o cavalinho no meu volante. Apenas vejo as duas rodas da frente e as minhas mãos no volante, e tento ir o mais rápido possível”. Michele Alboreto também corria com azul e amarelo no capacete em vez das cores italianas. Em jovem quando via o Grande Prémio de Itália levava uma bandeira com as cores da britânica Lotus por ser um enorme fã do sueco Ronnie Peterson.

Alboreto forjou amizades próximas com os colegas com quem dividiu equipa e até carro, ou não tivesse ele também competido no mundial de resistência, mas também de chefes de equipa e rivais em pista. A ascendência de Alboreto na Fórmula 1 parecia metódica e bem-encaminhada, com o auge a chegar no vice-campeonato de 1985, mas acabou por não dar os frutos prometidos.

De versatilidade inquestionável, o italiano participou na categoria até aos 37 anos numa altura em que não era comum estar até tão tarde na F1, e participou em 215 corridas numa altura em que os calendários não eram tão preenchidos de etapas como hoje.

Resistência e as lições de Ken Tyrrell

Tendo visto em primeira mão a morte de Jochen Rindt no Grande Prémio de Itália de 1970 com 13 anos, Michele Alboreto não se deixou intimidar com o lado mortífero da Fórmula 1 e começou nas categorias inferiores (Fórmula Abarth) em 1978 o seu percurso desportivo. A boa prestação valeu a participação na F3 italiana e europeia, conseguindo 2º lugar na primeira e 6º na segunda. Não querendo dar um passo maior que a perna, ficou mais um ano na categoria e venceu o título europeu em 1980.

Participou também no mundial de resistência ao serviço da Lancia ao lado de Eddie Cheever e Walter Röhrl. A ligação a Cheever foi útil: o americano guiava pela Tyrrell na F1 e, quando Ricardo Zunino ficou a mais de 2 segundos do americano numa qualificação em 1981, Ken Tyrrell aproveitou para assinar Alboreto, motivado também pelos patrocínios associados ao italiano. Assim, o piloto competiu nesse ano em resistência, Fórmula 1 e Fórmula 2 (sem grande entusiasmo na última, por estar na pouco competitiva Minardi). A primeira etapa na F1 começou bem, qualificando-se à frente de Cheever.

Com outras ofertas para 1982, Michele Alboreto apostou novamente em continuidade por acreditar que Ken Tyrrell era o professor ideal para a sua aprendizagem na categoria (“o Ken ensinou-me tanto sem nunca me fazer sentir sob pressão”). Com o novo estatuto de líder da equipa, Alboreto floresceu e obteve o primeiro pódio em Imola (numa corrida boicotada por várias equipas), bem como a primeira vitória em Las Vegas (aproveitando falhas mecânicas dos Renault).

No mundial de resistência vieram mais vitórias nas 6h de Fuji e nos 1000km de Silverstone e Nürburgring. A passagem na categoria chegou ao fim em 1983: o foco passou para a Fórmula 1 e no interesse que Enzo Ferrari tinha demonstrado pelos seus serviços. Os motores turbo vinham para ficar na F1 e o Ford Cosworth naturalmente aspirado da equipa Tyrrell estava a dar as últimas. Literalmente. Alboreto venceu novamente nos EUA, em Detroit, dando à Tyrrell a última vitória da sua história no último ano na equipa.

Os membros da equipa Tyrrell a tecerem grandes elogios ao italiano, inclusivamente o próprio Ken Tyrrell que elogiou a capacidade de adaptação à cultura inglesa do piloto, bem como a sua ausência de ego. Eram atributos importantes com que Alboreto procurava fugir ao jogo político que caracterizava a Ferrari, para onde rumou em 1984 batendo René Arnoux no seu primeiro ano e vencendo mais uma corrida (GP da Bélgica).

1985

Depois do domínio da McLaren no ano anterior, a Ferrari contava encurtar a distância para os britânicos. Michele Alboreto certamente fez a sua parte. Um 2º lugar no Brasil foi seguido de um 2º lugar em Portugal (o único piloto a terminar na mesma volta do novo vencedor de F1, Ayrton Senna). Em Imola houve um turbo partido que encurtou a corrida mas veio também a volta mais rápida.

Na quarta corrida, no Mónaco, Alboreto partiu de 3º, ultrapassou Nigel Mansell e herdou a liderança com o abandono de Senna. Pisando óleo, o piloto saiu de pista mas manteve o motor a funcionar enquanto Alain Prost o passou no seu McLaren. Alboreto passou Prost novamente mas sofreu um furo. Atirado para 4º lugar, o italiano começou a fazer “voltas canhão” subindo até 2º com a volta mais rápida da corrida por mais de 1 segundo. A Ferrari estava na corrida ao título.

A seguir veio a vitória no Canadá e uma coleção de pódios, apesar de a Ferrari ter ficado preocupada com a diferença para a McLaren em algumas corridas. Com a vitória na nona ronda na Alemanha, Michele Alboreto assumiu a liderança do campeonato do mundo sobre Prost. Infelizmente, a McLaren lançou-se em 3 vitórias seguidas e ao mesmo tempo Alboreto sofreu pesadamente com os desenvolvimentos de motor da Ferrari, abandonando as 5 últimas corridas do ano consecutivamente por falhas mecânicas. No GP da Europa Alboreto levou o carro a arder para dentro das boxes para abandonar, numa mensagem clara de quem eram os culpados.

Nas palavras do colega de equipa Stefan Johansson: “tentámos encontrar mais potência e a fiabilidade foi à vida. No final da temporada já nem sequer tínhamos nenhuma das duas”. A distância de 20 pontos para Prost no final do ano não fez jus ao mérito de Michele Alboreto em 1985. O piloto astutamente fez também a observação de que usar a pista de Fiorano (com velocidades mais baixas) para testes deixava a Ferrari vulnerável em pistas de média e alta velocidade.

De decepção em decepção até à glória em Le Mans

Segundo Johansson, quando ele e Alboreto viram o Ferrari de 1986 murmuraram entre si de que seria um ano muito longo. E foi, com apenas 1 pódio. A chegada de John Barnard no ano seguinte como projetista acabaria por ditar, a longo prazo, o fim do italiano na Ferrari. Alboreto não o terá conquistado ao descrevê-lo como “um médico a tentar fazer uma operação por telefone”. Gerhard Berger substituiu Johansson a partir de 1987, e a boa relação entre o piloto austríaco e o projetista britânico acabaria por ser mais um golpe de política na equipa italiana até porque Berger bateu Alboreto.

Farto dos dramas de Maranello, Michele Alboreto foi atirado para fora da Scuderia no final de 1988. Numa das últimas corridas ao serviço dos italianos, no Grande Prémio de Portugal, Alboreto ficou sem gasolina na reta da meta, passando de 3º a 5º. “Na Ferrari até o indicador de combustível mente!”, rematou ao sair do carro.

Nos dois anos finais na Ferrari, Alboreto namorou com a hipótese de entrar na equipa Williams. Em 1988 optou por não se mudar por não haver ainda a garantia que haveria vaga (no final houve mesmo). Em 1989, a Williams contratara um piloto novo (Thierry Boutsen) e não quis contratar Alboreto por não querer ter um lineup completamente diferente do ano anterior.

A solução para se manter na F1 foi reunir-se novamente com Ken Tyrrell. Apesar de conquistar um pódio, a solução durou apenas 6 corridas. Tyrrell assinou com a tabaqueira Camel e pediu a Alboreto que largasse o seu patrocinador principal, a rival Marlboro. Alboreto recusou e ficou sem lugar, fazendo as corridas seguintes pela Larrousse que era patrocinada… pela Camel.

Batido pelo não muito cotado Philippe Alliot na equipa, Alboreto passou os 3 anos seguintes na Arrows/Footwork com uma dedicação reinvigorada, contribuindo particularmente bem no último ano na equipa. Para 1993 o piloto assinou com a Scuderia Italia, guiando um carro horrendo que nem o motor Ferrari conseguiu safar de passar vergonhas.

Com 37 anos, Alboreto assinou com a antiga equipa de Fórmula 2, a Minardi (que estava na F1 desde 1985), conseguindo arrastar o carro até aos pontos no Grande Prémio do Mónaco antes de terminar a carreira na Fórmula 1, com a sua última vitória a ser ainda o Grande Prémio da Alemanha que o havia colocado na liderança do campeonato em 1985.

Depois de se aventurar nos carros de turismo e na IndyCar, o piloto italiano voltou a meter-se no mundial de resistência, onde venceu as 24 horas de Le Mans em 1997 num carro partilhado com o ex-colega de equipa Stefan Johansson e a futura lenda de Le Mans, Tom Kristensen. Saboreou também glória em Atlanta (2000) e nas 12 horas de Sebring (2001) com a Audi. Tragicamente, enquanto testava o seu Audi em Abril de 2001 no Lausitzring, Alboreto sofreu um grave acidente em que perdeu a vida.

Legado

Tendo tomado todas as decisões certas ao longo da sua carreira, Michele Alboreto poderia e deveria ter tido uma carreira ainda mais estelar que a que acabou por ter. Os feitos do italiano não devem, no entanto, ser menosprezados. Um Ferrari mais fiável em 1985 poderia ter dado ao piloto o título mundial, com todos os efeitos positivos associadas na sua auto-confiança para futuras temporadas.

A verdadeira definição de um racer na mais pura acepção da palavra, ficou com um currículo invejável nas várias categorias por onde passou apesar da crítica de que lhe faltava um certo extra de talento, que distinguia rivais como Prost e Senna. Mais relevante ainda, deixou uma forte impressão nas pessoas com que conviveu, incluindo no rival para o título de 1985, Prost, que o descreveu como alguém com quem era impossível ter um problema.

O engenheiro de pista Brian Lisles marvilhava-se com a apetência de Michele Alboreto para voltas de qualificação: “Ele dizia que era aí que usava ‘aquele meio segundo que tenho no bolso’. Ele voltava [da pista], a sorrir de orelha a orelha, e o coitado do carro ficava ali a sibilar e a pingar enquanto arrefecia. Ele adorava isso. Nós também”.

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“Flash” anterior: Midland em 2006
“Flash” seguinte: GP Coreia do Sul em 2010

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Fontes:
Autosport.pt
Motorsport
Terceiro Tempo





GP Europa em 1999 – Flash

22 11 2020

As regras pelas quais a Federação Internacional do Automobilismo rege os seus campeonatos refere, entre outras normas, a necessidade de ter etapas em pelo menos 3 continentes diferentes para que um campeonato possa ser classificado de mundial, e os seus respetivos campeões como campeões do mundo.

Em 2020 a FIA utilizou a situação de Covid-19 como “motivo de força maior” para que esta regra pudesse ser ignorada, já que as alterações de última hora deixaram a Fórmula 1 em apenas 2 continentes (Europa e Ásia).

Já em 1950, primeiro campeonato oficial da categoria, era apenas necessário que a F1 não estivesse exclusivamente no continente europeu.

E mesmo assim foi preciso recorrer a uma tecnicalidade.

Convergindo os regulamentos com os das 500 milhas de Indianápolis, a Fórmula 1 viu a corrida nos EUA integrar o calendário como ronda. No entanto, nenhuma equipa de F1 participou. Nem o inverso sucedeu: nenhum dos pilotos das 500 milhas participou em qualquer outra corrida do campeonato, apesar de terem sido classificados nas contas finais do campeonato de F1.

A ridícula situação persistiu até 1960, sem alterações (com exceção da participação da Ferrari com Alberto Ascari em 1952). Para 1961, a categoria usou um Grande Prémio dos Estados Unidos “a sério”, com a participação dos pilotos regulares, em Watkins Glen.

Desde então a categoria mudou muito. Nos anos 10 deste século houve inclusive temporadas com mais etapas fora da Europa do que dentro. Apesar de a sobrelotação do calendário ser agora um problema, houve uma altura em que realizar mais de uma corrida por país era essencial para compôr o lineup.

Assim surgiram os Grande Prémios de San Marino, da Suíça e… da Europa.

A origem

O título de Grande Prémio da Europa foi originalmente concebido como uma nomenclatura honrosa para outros Grande Prémios existentes. Desta forma o GP de Itália de 1923 foi o GP da Europa desse ano, por exemplo. A prática durou até 1977.

Na vez seguinte que surgiu no calendário foi em 1983, e para passar a ser a única nomenclatura de uma corrida em Brands Hatch. A pista britânica, que em anos pares estava no calendário como GP do Reino Unido (dividindo a honra com Silverstone), oferecera-se para substituir a ronda que não ocorreu em Nova Iorque e precisou de um nome de Grande Prémio.

No ano seguinte, por Brands Hatch sediar o mencionado GP do Reino Unido, a versão encurtada do Nürburgring foi convidada a ter a ronda europeia de 1984. Em 1985 voltou para Brands Hatch, que começou a tomar o gosto por ter uma corrida todos os anos, mas não durou. A entrada da Hungria no calendário em 1986 ditou o final da curta experiência do GP da Europa.

Em 1993 foi outra corrida que falhou à última hora, na Ásia, que foi substituída com a ronda europeia, desta vez em Donington Park, onde Ayrton Senna venceu uma das suas mais icónicas corridas à chuva.

A ronda europeia acabou por ficar a partir daí até 2012 (com exceção de 1998). Jerez de la Frontera teve as rondas em 1994 e 1997, mas nos restantes anos até 2007 foi o Nürburgring a ter o GP da Europa, colocando duas corridas alemãs no calendário por o Hockenheim ter o GP da Alemanha.

1999

Antepenúltima etapa de uma das mais caóticas temporadas da história da Fórmula 1, o Grande Prémio da Europa de 1999 acabou por ser um dos seus melhores exemplos da imprevisibilidade da temporada.

Com o campeonato atirado de pernas para o ar devido à ausência de Michael Schumacher (perna partida no GP do Reino Unido), o Nürburgring via o colega de Schumacher na Ferrari, Eddie Irvine, e Mika Häkkinen da McLaren empatados na liderança. E um improvável Heinz-Harald Frentzen que, em grande nível e tendo vencido os GP de França e Itália, estava a apenas 10 pontos de distância. David Coulthard da McLaren também acalentava ainda esperanças de ser campeão, estando 2 pontos abaixo de Frentzen.

Frentzen colocou o seu Jordan em 1º lugar na qualificação e foi protagonista na estranha primeira partida em que os sinais ficaram vermelhos mas alguns pilotos do topo do grid fizeram uma falsa partida. Na segunda partiu bem e segurou a dianteira mas atrás dele o Sauber de Pedro Diniz capotou e a parte do carro acima da cabeça, que deveria ser indeformável, cedeu por completo. O brasileiro ficou preso no carro e temeu-se que pudesse ter danos no pescoço, mas felizmente escapou ileso.

Não foi o único incidente que comparado com as normas de segurança modernas deixou a desejar. 10 voltas depois Alessandro Zanardi teve um incidente com o Arrows de Takagi e deixou o motor morrer, com o Williams preso em zona perigosa. Safety Car para recolher o carro? Não, um conjunto de comissários correram para a pista ativa para o retirar. “E agora há uma grua na pista, maravilhoso…” ironizou Martin Brundle da ITV na altura.

Entretanto as nuvens negras que ameaçavam a prova finalmente aproximaram-se o suficiente para que começasse a chover. Häkkinen, em 2º lugar, arriscou montar pneus de chuva. Não foi o único mas foi uma péssima decisão porque parou de chover logo a seguir. O rival ao título Irvine parou para pneus de piso seco mas a Ferrari não tinha uma das rodas prontas, e o britânico ficou 37 agonizantes segundos à espera (Brundle memoravelmente na cabina de comentário gritou “agora vão ter uma reunião de comité! Ponham o pneu e mandem-no para a pista!”). Os dois candidatos ao título estavam fora dos lugares cimeiros.

Frentzen liderava, e com os rivais fora parecia lançado. Mas após a primeira paragem nas boxes o Jordan do alemão imobilizou-se. Oficialmente a equipa disse tratar-se de uma falha elétrica mas anos depois descobriu-se que fora uma desculpa para proteger o piloto: tinha sido uma falha do piloto e do engenheiro de pista em recordarem-se de desligar o anti stall depois da paragem. Quando, após a corrida, os mecânicos tentaram ligar o carro ele funcionou perfeitamente.

Coulthard agora liderava na frente de Ralf Schumacher. O Schumacher mais novo vinha a fazer uma temporada fenomenal e uma corrida ótima. Quando começou novamente a chover e o McLaren de Coulthard saiu em frente para abandonar a prova, o alemão parecia ir terminar o jejum de vitórias da Williams. Um furo negou-lhe a possibilidade. O líder seguinte Fisichella também não conseguiu segurar o carro nas condições difíceis.

Algumas voltas antes, na pequena equipa Stewart, criada 2 anos antes apenas, os pilotos Rubens Barrichello e Johnny Herbert tomaram decisões fulcrais. Barrichello, com mais pontos e contrato assinado para 2000 pela Ferrari, optou por pneus de piso seco enquanto que Herbert, sempre azarado e com apenas 2 pontos somados na temporada, preferiu os pneus de piso molhado.

A chuva ficou por mais tempo que o previsto e a 14 voltas do final da corrida, Herbert descobriu-se na liderança da corrida com Barrichello em 3º lugar. Assim continuaram até ao final. Herbert conquistou a primeira vitória da equipa (e a sua terceira e última na F1). A equipa, que no ano seguinte seria Jaguar, apenas voltaria a vencer 10 anos depois como Red Bull no GP da China de 2009.

Nas voltas finais, o italiano Luca Badoer da Minardi estava com, possivelmente, o pior carro do grid em 4º lugar que valia 3 pontos quando o motor Ford cedeu e o deixou na berma da pista. O destroçado Badoer ajoelhou-se ao lado do Minardi em lágrimas. Não voltaria a ter a hipótese de somar pontos e tem a infelicidade de ter o recorde de maior número de corridas disputadas sem pontuar na F1 (50 GPs).

De terras alemãs a terras espanholas

Aproveitando muito bem a popularidade de Michael Schumacher no seu país natal durante os seus títulos, o Nürburgring continuou a sediar Grande Prémios da Europa durante a passagem do alemão pela Ferrari (várias das provas foram também vencidas por ele). Mas a primeira reforma do alemão após 2006 e as dificuldades financeiras dos dois circuitos alemães levaram-nos a estabelecer um acordo já antes feito pelos britânicos: em anos ímpares o Grande Prémio da Alemanha seria no Nürburgring, em anos pares seria no Hockenheim.

Havia uma complicação para estes planos: o Hockenheim era detentor dos direitos ao nome Grande Prémio da Alemanha e não mostrou grande vontade de o partilhar com o rival Nürburgring. Assim em 2007, a única pista alemã no calendário teve que correr ainda com o nome de Grande Prémio da Europa. De 2009 em diante, no entanto, a quesília foi resolvida (com exceção de 2020 quando o Nürburgring, chamado de emergência ao calendário, foi forçado a ser o GP de Eifel).

Mas 2008 continuou a contar com o Grande Prémio da Europa. Aproveitando agora o entusiasmo dos espanhóis com Fernando Alonso, a cidade de Valência construiu um circuito citadino que tomou a nomenclatura europeia ao ser a segunda prova espanhola do calendário. A falta de entusiasmo dos pilotos com a pista e a necessidade de abrir espaço para novas corridas ditou o fim da presença de Valência em 2012.

O último Grande Prémio da Europa acabou por ser em 2016, quando Baku apareceu no calendário e optou, para consternação geral, por usar o nome em vez de GP do Azerbaijão. A estranha decisão foi revertida logo no ano seguinte.

Legado

Como se viu em 2020, com as decisões do calendário emendado, os decisores da Fórmula 1 parecem ter optado por não continuar com nomes oficiais associados a continentes, preferindo usar os nomes das regiões, pelo que provavelmente será difícil voltar a ver o Grande Prémio da Europa num campeonato do mundo de Fórmula 1.

Associado com frequência aos anos 1990 e 2000 da categoria, o GP desapareceu justamente quando a expansão da Fórmula 1 para mercados fora da Europa se intensificou, uma tendência extremamente interessante de analisar por não ter sido acompanhada entre o conjunto de pilotos e equipas, que permanecem maioritariamente europeus (o último campeão de F1 não-europeu continua a ser de 1997, Jacques Villeneuve do Canadá).

A julgar pelas palavras recentes de Chase Carrey sobre o calendário de 2020, a sua maioria de corridas europeias será uma exceção quando comparado aos anos precedentes e aos que se sucederão.

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“Flash” anterior: BAR em 2004
“Flash” seguinte: Midland em 2006

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Fontes:
F1 \ The History of the European Grand Prix
F1 \ Top 10 Moments of Pit Lane Drama
F1 \ UNCOVERED: Jordan insider explains real reason Frentzen retired from the ’99 European GP
Wikipedia \ European Grande Prix





O regresso da Minardi

1 04 2012

Em 2005 a Red Bull comprou a pequena Minardi. O objectivo desta segunda equipa dos austríacos seria o de ter uma nova base onde testar o valor dos seus jovens, antes de os colocar na equipa principal. Numa equipa que tinha Klien, Liuzzi e Speed para apenas uma vaga, dava bastante jeito algo como a Toro Rosso.

 

E dava ainda mais jeito, porque não traria muitos custos extra, graças à possibilidade dos carros clientes.

No entanto com a abolição dos carros clientes, e com o programa de jovens da Red Bull a apenas apresentar como um futuro campeão Vettel (queimando muitos outros que considerou não serem talentosos o suficiente), Dietrich Mateschitz tem reconsiderado a existência da equipa italiana.

Por essa razão, o austríaco acordou hoje a venda da equipa de Faenza à Aabar, que já detinha acções da equipa (e colocou, entre outros, a patrocínio da Cepsa), que conseguiu garantir a permissão de Giancarlo Minardi, para renomear a equipa para Minardi, e garantir assim um pouco de publicidade extra.

O presidente da Aabar, Mohamed Hamad Al Mehairi, afirmou que “a Minardi sempre foi uma equipa com um grande carinho da parte do público, pelo que me pareceu uma excelente ideia reavivá-la”. O árabe brincou ainda dizendo que “se tivermos maus resultados, podemos sempre dizer que só estamos a cumprir a tradição!”.

O novo nome e identidade apenas serão tomados em 2013, sendo que no que toca aos pilotos se tem especulado com os nomes de Felipe Massa ou Mark Webber, e para o segundo lugar foi garantido que será entregue a um dos actuais jovens da Red Bull (Ricciardo e Vergne).

Veja aqui a conferência em que foi anunciada esta decisão.

 





Ano 0+1

10 01 2011

Ao longo dos anos temos sido confrontados com a chegada de equipas novas à Fórmula 1, a maior parte das quais com “bugets” minúsculos quando comparados com os das equipas do pelotão da frente. Scuderia Italia, Forti, EuroBrun, e, mais recentemente, a Virgin são exemplos disso.

Aproveitando os “restos” deixados pelas restantes equipas, estas pequenas equipas possuem normalmente dois destinos: ou conseguiam subir de forma progressivamente até ao sucesso (creio que se pode considerar a Red Bull como a prova viva disso), ou acabam por se debater com problemas monetários durante toda a sua vida (curta, na maior parte dos casos) até chegarem a um fim forçado.

Nesta última categoria encontra-se, na minha opinião, o maior exemplo de paixão pelo desporto que existe no mundo: a Minardi. Inscrita pela primeira vez no campeonato de F1 de 1985, e criado por Giancarlo Minardi, a equipa caracterizou-se por escassos resultados de volume, e sobrevivência à justa. Contudo o desportivismo com que sempre tomaram parte nas corridas, nunca deixaram que a ausência de resultados os afastasse da competição, numa metáfora perfeita de “o importante não é ganhar, é participar”.

A Hispania não arrecadou muitos fãs no seu primeiro ano.

No extremo oposto encontra-se a HRT. Começou imediatamente errada: originalmente uma candidatura de Adrian Campos, a equipa acabaria por enfrentar problemas e mesmo antes do início da temporada foi necessário ser vendida à Hispania de José Ramon Carabante. Com muitos pagamentos em atraso, tratou-se de uma verdadeira corrida para, simplesmente, ter ambos os carros no grid do Barhain.

Para fazer esta tarefa Carabante encarregou Colin Kolles (ex-Jordan, Midland, Spyker e Force India) de dirigir a equipa. O alemão tentava garantir o máximo de apoios possíveis e uma boa maneira de os conseguir era através de pilotos endinheirados, contudo Campos já contratara Bruno Senna que não trouxera um tostão. A solução fora contratar Karun Chandhok, um indiano apoiado por Bernie Ecclestone.

Confesso que no primeiro GP temi o pior, pois a equipa não tinha corrida um km com o novo carro, e Chandhok não mostrara grande potencial na GP2.

A equipa acabou por conseguir sobreviver ao ano, com uma rescisão com a Dallara e com a Toyota pelo meio… Na primeira metade do ano foi possível notar que Senna estava bastante mal, começando a perder para Chandhok, que impressionou com performances bastante boas tendo em conta que conduzia um carro que fora mais lento que um GP2 em Monte-Carlo. Contudo, isto não lhe serviu de muito, pois com a falta de dinheiro que a equipa enfrentava, o endinheirado Yamamoto apanhou o seu lugar.

O certo é que após um ano de incógnitas, que a equipa tratou como “ano 0”, parece que este ano não deverá ser muito diferente. Com a assinatura de um contrato com a antiga estrutura da Toyota, parecia que tudo estava resolvido, contudo foi rescindido por falta de pagamento. De volta à situação do ano anterior, a equipa parece ter retornado à ideia dos pilotos pagantes, com o primeiro a ter sido anunciado a semana passado: Narain Karthikeyan.

Não pilota um F1 desde 2005, e o seu retorno é explicado por um gigante patrocínio da Tata e pelo facto de o GP da Índia estrear este ano no calendário. Mas acima de tudo Narain é o novo piloto, porque Karun recusou assinar pela mesma equipa que o mandara embora quando precisaram de dinheiro rápido. Confesso que foi uma agradável surpresa constatar que o indiano se recusou a submeter a essa humilhação, mesmo retirando-se de um lugar no grid de Jaypee, um sonho pessoal.

Parece-me óbvio que a segunda vaga ficara para quem der o maior número de euros à equipa, que a cada dia tem menos simpatia dos fãs pelos modos como a gere. Tudo isto leva a que equipa vá viver em 2011 mais um ano 0. Vamos ver como corre este ano 0+1…