ePrix Londres em 2015/16 – Flash

1 06 2024

Já parece quase pré-história recordar os primeiros anos de existência da Fórmula E, particularmente a velocidade ainda extremamente reduzida dos monolugares ou a sua autonomia ridícula que forçava os pilotos a, literalmente, trocar de carro nas boxes a meio das provas (uma das razões que levou Mercedes e Porsche a adiarem a sua entrada na categoria), mas a verdade é que foram esses primeiros anos que moldaram significativamente o futuro da categoria e a distinguiu de aventuras mal-sucedidas anteriores.

Uma das primeiras grandes conquistas da categoria elétrica foi ter conseguido que a sua ronda final fosse um ePrix de Londres, um dos objetivos mais míticos da Fórmula 1 de Bernie Ecclestone que nunca se materializou. Com carros a velocidades mais reduzidas, era mais fácil acomodar a FE que a F1. Ou assim seria de pensar, não tivessem havido significativos problemas com a original pista de Battersea Park.

Isto levou a que o ePrix de Londres durasse no calendário apenas umas escassas duas edições, ainda que a de 2015/16 tenha sido dos fins-de-semana mais caóticas da categoria, com uma decisão de título entre Lucas di Grassi e Sébastien Buemi que se foi tornando cada vez mais explosiva. Só em 2021 foi possível ressuscitar a prova, agora na ExCeL Arena.

A primeira opção?

Sem surpresas de maior, Londres foi desde muito cedo um dos grandes objetivos da Fórmula E, com Alejandro Agag a referir que a sua escolha preferido era Battersea Park, mesmo com localizações como a ExCeL Arena a demonstrarem interesse, o que o levou a começar a negociar com o município de Wandsworth onde se localizava.

Pequenas alterações foram sendo realizadas pela organização da FE em conjunto com o arquiteto Simon Gibbons à proposta inicial, a maior parte com o intuito de abrandar os carros com o uso de chicanes, mas grandes dificuldades foram sentidas na primeira edição de 2014/15 devido ao desnível do alcatrão e às árvores que bloqueavam a vista dos espectadores. Se os espectadores até apareceram em bom número, o primeiro problema seria o mais crítico. O Dragon de Jérôme D’Ambrosio teve uma falha de suspensão na primeira curva e a solução encontrada na secção foi algo amadora: mexeram na barreira, começaram a prova de sábado atrás do Safety Car e baniram ultrapassagens no local. No domingo foi feito trabalho para permitir que a segunda prova decorresse com “normalidade”…

Entretanto, os residentes locais descobriram que se uma categoria elétrica era silenciosa, os helicópteros que sobrevoavam para gravações não eram. Os protestos foram-se fazendo sentir, mesmo com o município a referir que o retorno (£2,85M) sobre o investimento era benéfico. Quando os protestantes começaram a procurar a via judicial, a FE e o município anunciaram que fariam uma última ronda dupla em 2016/17 e procurariam outro circuito para continuar em Londres em anos seguintes. O grupo aceitou parar as suas ações com base nessa promessa.

As contas da corrida em Battersea nunca foram ideais para nós. Era uma corrida cara de organizar. Nunca foi a nossa localização preferida.” disse o mesmo Agag que tinha insistido precisamente que era, um ano antes. “Gostamos de estar nas ruas. Por isso, às vezes, crias uma virtude da necessidade.“.

2015/16

Ainda se estava longe de saber que género de corrida seria. Ronda dupla final do campeonato de 2015/16, a pista receberia um dos mais aguerridos campeonatos ao fim. Depois de um primeiro ano de forças mais ou menos iguais entre equipas na luta do título (vencido pela NEXTEV de Nelson Piquet Jr), o segundo ano mostraria a tendência da categoria entre 2015 e 2017, com a ABT Audi e a Renault e.Dams a dominarem as vitórias.

Assim, Battersea via Lucas di Grassi (Audi) chegar de Berlim com uma liderança de 1 ponto sobre Sébastien Buemi (Renault). Na primeira prova, com a chuva a ajudar a atrapalhar as contas, foi Nicolas Prost (Renault) quem fez pole position. Di Grassi partiu 11º e Buemi 14º. Em corrida foram ambos os candidatos ganhando posições, até estarem respetivamente em 4º e 5º. Foi aqui, a 10 voltas do fim, que di Grassi tentou passar Jean-Éric Vergne (DS Virgin) e perdeu uma parte da asa dianteira, tendo que se defender bem de Buemi o resto da prova. Buemi até foi passado por Sam Bird (DS Virgin), mas fê-lo sob bandeira amarela e o 5º posto regressou ao suíço.

Di Grassi liderava agora por 3 pontos o campeonato, mas a qualificação da segunda prova daria pole a Buemi. Ou seja, 3 pontos para o Renault. Os candidatos ao título partiriam para a última corrida do ano empatados em pontos, vitórias e 2º lugares. Dois 3º lugares de di Grassi contra um de Buemi davam o desempate a favor do brasileiro, que partia de 3º logo atrás do suíço.

Os 3 primeiros mantiveram as suas posições até à primeira curva, onde di Grassi falhou a travagem e abalroou Buemi, dando danos terminais a ambos. As suspeitas foram óbvias, mas a FE estava no seu período de dois carros por piloto em cada corrida, pelo que ambos foram para as boxes entrar nos segundos carros. Fora do Top 10, haviam 2 pontos pela volta mais rápida e ambos fizeram da corrida uma longa sessão de qualificação para ver quem vencia o campeonato.

Buemi acabaria como o mais rápido, conseguindo vencer o título e fazendo questão de ainda acusar di Grassi não do acidente como de o tentar bloquear em várias tentativas suas porque “ele sabia que nós éramos mais rápidos“…

A fuga para o ExCel

O caminho para conseguir assegurar uma nova corrida de Fórmula E ainda demorou 3 anos, com a opção a recair sobre a opção anteriormente preterida: o ExCeL Arena. O pavilhão londrino utiliza uma pista que circula metade dentro do pavilhão propriamente dito e metade fora, o que até já gerou corridas sob chuva interessantes (na medida em que metade da pista permaneceu seca).

Originalmente para ser a prova final de 2019/20, o circuito teve que esperar por 2021 para estrear por causa da pandemia Covid-19 (o pavilhão foi usado pelo NHS britânico como hospital temporário), que levou 2019/20 a terminar com 6 rondas quase consecutivas em Berlim.

A criação de uma chicane que fazia lembrar o “E” do logo da FE acabaria por trazer grandes dores de cabeça às equipas, uma vez que ao diminuir as necessidades de regeneração de energia para o resto da volta poderia gerar uma corrida de pilotos sempre ao ataque (temendo-se uma procissão ou um acidente grande). A FIA acabaria por decretar uma diminuição da energia disponível de 4 kWh para ambas as provas de Londres.

A chicane seria modificada para o ano seguinte, com alterações adicionais a serem necessárias para conseguir acomodar os mais velozes carros de Gen 3 da categoria. O grande ponto de interrogação sobre o ePrix neste momento prende-se com a possibilidade a atualização do Gen 3 e o futuro Gen 4 poderem mesmo deixar o ExCeL como demasiado perigoso para a categoria elétrica.

Legado

Tal como quase todas as decisões acertadas, a escolha de Londres como final de campeonato já não levanta grandes dúvidas sobre quão acertada foi a ninguém. Vários dos pilotos e equipas da FE são britânicos e dar-lhes a oportunidade de ter uma prova caseira, que ainda por cima é estrategicamente interessante para a categoria, é aquilo a que se pode chamar um win-win.

Se é verdade que ninguém quer decidir títulos com acidentes nem ter provas com o circuito a destruir os carros, também é verdade que as primeiras edições de Battersea fizeram mais por dar uma memória com um certo charme à FE. O certo amadorismo inicial, antes olhado com repulsa, assume agora um carácter de evolução quando comparado com os standards atuais (se bem que ainda tenham as suas próprias falhas).

É incerto ainda que futuro Londres terá no calendário com o ExCeL, à medida que a categoria parece estar a mudar o seu conceito de correr no centro das cidades para soluções mais periféricas (mas fáceis de organizar), a ponto de até se estar a assistir a um ressurgimento dos circuitos permanentes.

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“Flash” anterior: HRT em 2010

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Fontes:
Racing Circuits \ Battersea Park
Wikipedia \ London ePrix


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