Os anticorpos Andretti

21 01 2023

O número de equipas do campeonato de Fórmula 1 está preso em 10 equipas desde 2017 e, antes disso, permaneceu estável nesse número no início dos 2000’s. 10 não é um número arbitrário. Na altura em que Bernie Ecclestone geria por intermédio da CVC Capital Partners a distribuição de rendimentos da F1 e a FIA abriu concurso para a entrada de novas equipas na categoria. Isto quereria dizer que haveriam mais divisões do pote a fazer e ninguém o quereria fazer.

A solução de Ecclestone? Apenas as 10 primeiras equipas do campeonato receberiam dinheiro, enquanto que as outras 2 nem um cêntimo veriam. Era a diferença entre à volta de €35 milhões e absolutamente nada, o que correspondia (em alguns casos) a metade do orçamento das pequenas equipas.

O previsível aconteceu: as 3 novas estruturas definharam em poucos anos, sempre a vários segundos de distância dos líderes. Apenas a entrada da Haas como nova equipa em 2016 impediu a grelha de reduzir para menos de 10 estruturas, que se mantêm até aos nossos dias.

Quem está obstinadamente a tentar quebrar este padrão há 12 meses é a Andretti. A histórica estrutura americana tem vindo a bater à porta com crescente insistência, tendo sabido superar até agora os obstáculos que lhe vinham sendo colocados pelo caminho. A recusa da Sauber em ser adquirida levou-os a pensar numa entrada pelos próprios meios. As dúvidas sobre o que a equipa acrescentaria ao bottom-line da categoria foram respondidas com um anúncio de que a Andretti havia chegado a acordo com a General Motors para o projeto (via Cadillac).

E ainda assim, subsistem anticorpos da parte de outras equipas.

A tal ponto que Mohammed bin Sulayem já fez questão de vir a público declarar o seu apoio à inscrição nova, de modo a atenuar a reação muito fria que a FOM no seu conjunto tem declarado. Quão fria? Enquanto a imprensa de automobilismo dedicava vários artigos nos seus sites, o oficial da F1 não gastou uma única palavra.

As atuais pequenas equipas temem que uma nova equipa as mantenha no último lugar da grelha, mas agora em 11º em vez de 10º. As grandes equipas olham para o atual sistema de distribuição (em que a 11ª equipa também teria de receber prémios da categoria) e temem que preciosos milhões lhes transformem contas que já estão no seu limite para cumprirem o teto orçamental. Qual é a seriedade dos impedimentos que estão a provocar? Até já se fala de subir o fundo anti diluição (que obriga novas estruturas a pagar €200 milhões para compensar a curto prazo as restantes pelas perdas de rendimento) para uns incríveis €600 milhões…

A cartada da Andretti está jogada. A tentação de finalmente ter a GM envolvida na F1 é poderosa o suficiente para fazer quebrar a unidade das equipas (Alpine e McLaren estarão do lado dos americanos) e levar a um abrir de hostilidades entre a FIA e a FOM. Adicionalmente, a ameaça de ação legal contra um comportamento similar ao de um cartel também poderá entrar em jogo.

Os argumentos em defesa desta lógica têm-se prendido com o facto de que fundos anti diluição de outros desportos serem proporcionalmente superiores e da defesa da categoria contra donos de equipa que queiram entrar por um preço mínimo e posteriormente vender por um muito superior.





Imparável – GP Bélgica 2022

28 08 2022

Em várias ocasiões do campeonato do mundo, o circuito de Spa-Francorchamps já esteve afastado do calendário da Fórmula 1. Já foi intercalado, como sede do GP da Bélgica, com Zolder e Nivelles mas em anos recentes até já teve ocasiões em que nenhuma pista belga esteve presente. Algo sempre lastimado pelos pilotos, que adoram o traçado de Spa.

E é bem provável que possa estar para se ausentar já no próximo ano. Em 2021 o circuito ficou alagado pela chuva intensa e produziu uma “corrida” de 2 voltas atrás de Safety Car, que deixou os fãs furiosos. Juntando a isto a pouca capacidade de público de uma pista construída no meio da floresta e os fracos acessos à região, e obtém-se a receita perfeita para a FOM se sentir pouco tentada a renovar o contrato da Bélgica (apesar de talvez conseguir resistir até 2022, uma vez que o acordo com a África do Sul parece demorar).

Não que isso tenha impedido os donos do circuito de terem feito obras importantes na curva Eau Rouge, alargando a escapatória devido a um aumento exponencial de acidentes graves nessa secção em anos recentes.

Ainda se estava no primeira dia da pausa de Verão após a Hungria e já corria tinta na silly season da Fórmula 1, com o anúncio da Aston Martin de que haviam contratado por “vários anos” (2+1 de opção, acredita-se) Fernando Alonso. Houve uma tentativa da imprensa espanhola em vender a assinatura do espanhol como um bater de porta deste. Na verdade, parece evidente que foi uma incompatibilização mútua: a Alpine queria uma renovaçõ de apenas um ano e a colocação de Oscar Piastri no ativo; Alonso queria mais do que um ano e parecia perder fé na Alpine.

Ou assim parecia. Na verdade o timing de Alonso tramou por completo a contratação de Piastri, que terá assinado um pré-acordo com a McLaren. Isto deixou os franceses sem grandes hipóteses de contratação no mercado, prejudicando a imagem da marca (a ponto de já terem ameaçado processar Piastri pelo montante gasto pela academia de jovens nele). Do lado da McLaren, a equipa chegou a acordo com Daniel Ricciardo para uma rescisão (que poderá ver Ricciardo regressar a Enstone).

Já na Williams a renovação de Alexander Albon foi fácil e natural.

No tocante aos regulamentos, continuou-se a assistir a uma discussão entre as equipas sobre os limites do chão dos carros. No final o acordo foi para 15mm em vez de 25mm, uma solução de compromisso. A FIA também ultimou a fórmula de motores para 2026, que usará combustíveis mais “verdes” e possuirá uma maior componente elétrica (abrindo a porta à entre das marcas do grupo VW).

Dessas marcas, a primeira já deu o tiro de partida: a Audi anunciou na sexta-feira oficialmente o seu ingresso como fornecedora de motores a partir de 2026, fazendo questão de dar uma bicada à Mercedes sobre ir construir as unidades na Alemanha (a Mercedes fabrica no Reino Unido). Ainda não há confirmação oficial sobre com que equipa se emparelhará, mas o rumor mais forte é que será a Sauber (a Alfa Romeo até já disse que não prosseguirá a aliança com os suíços para além de 2023).

Ronda 14 – Grande Prémio da Bélgica 2022

Com todas as novidades que o GP da Bélgica trouxe nos seus dias anteriores à ação em pista, a utilização de Liam Lawson pela AlphaTauri no primeiro treino livre até passou despercebida. O neo-zelandês da F2 fez trabalho com sequências longas de difícil avaliação. Menos complicado não foi conseguir perceber como se alinhava a grelha após a qualificação, dado que foram numerosos os pilotos a trocarem de componentes estrategicamente.

Max Verstappen, Charles Leclerc, Lando Norris, Esteban Ocon, Mick Schumacher e Valtteri Bottas foram os felizes contemplados, forçando-os a saber de antemão que partiriam das últimas posições. O facto de serem tantos potenciou que tivessem que ir até ao mais longe possível na mesma, uma vez que poderiam partir de entre 15º e 20º.

Verstappen dominou por completo os procedimentos em qualificação (garantindo o seu 15º lugar), apesar de ter sido criticado por não fornecer cone de ar a Sergio Pérez (algo que todas as outras equipas fizeram entre colegas). Carlos Sainz pareceu sempre o mais eficaz dos dois Ferrari e garantiu assim o direito de largar em 1º, seguido de Pérez. Fernando Alonso completou o trio da frente ao terminar em 5º com a ajuda de Esteban Ocon, apesar de se ter mostrado resignado com ser passado por alguns dos penalizados durante a corrida.

Alexander Albon brilhou no seu Williams ao chegar ao Q3 e partir de 6º, enquanto Daniel Ricciardo e Pierre Gasly viram as suas más qualificações serem compensadas com lugares no Top 10 da grelha. Foi um sábado terrível para Alfa Romeo e Haas.

No domingo havia uma sensação no ar de que, mesmo a partir de posições tão baixas, Verstappen possivelmente conseguiria colocar-se na rota da vitória e acabou por ser precisamente isso que ocorreu. O holandês manteve-se longe dos sarilhos da partida e usou os seus pneus macios para passar os rivais com uma facilidade quase cómica, até chegar perto da traseira de Sainz. Daí em diante foi um passeio para o campeão do mundo, com Pérez a completar a dobradinha Red Bull.

Já o rival Leclerc teve um dia para esquecer. Tendo tido que parar na primeira volta para resolver um problema da roda dianteira direita (que depois se revelou ser uma tira da viseira de Verstappen presa ao travão…), Leclerc correu com uma estratégia alternativa o resto da prova e parecia encaminhado para 5º quando a Ferrari o parou para pneus macios de modo a roubar a volta mais rápida da corrida. Só que o ritmo não se revelou suficiente e o piloto excedeu a velocidade no pitlane, valendo-lhe uma penalização que o deixou em 6º.

Alonso fez uma ótima partida mas a defender-se de Hamilton em Les Combes viu-se violentamente tocado pelo Mercedes, queixando-se no rádio. Apesar de tudo o espanhol ficou com danos mínimos e Hamilton abandonou (e assumiu as culpas). Daí em diante o Alpine viu-se em terra de ninguém em 5º, demasiado lento para os da frente e demasiado rápido para os de trás. Foi um bom dia geral para a Alpine, que viu Ocon fazer uma ótima recuperação até 7º.

Os últimos lugares pontuáveis foram todos conquistados com grandes performances. Sebastian Vettel fez uma partida limpa para chegar a andar em 5º, conseguindo manter o seu Aston Martin num ritmo bastante bom que lhe valeu um 8º lugar. Atrás dele chegou Pierre Gasly, que teve que partir do pitlane devido a problemas mecânicos e voltou a pontuar neste ano difícil para a AlphaTauri. Por último, Albon conseguiu dar à Williams um ponto conquistado com grande esforço, segurando um comboio de vários carros (não fazendo erros e tendo ótima velocidade de ponta).

Lance Stroll foi o primeiro dos pilotos fora dos pontos, tendo sido espremido na primeira volta pelo colega de equipa, enquanto que Daniel Ricciardo caiu na classificação (muito devido à terrível velocidade de ponta da McLaren). Valtteri Bottas foi uma vítima inocente de um despiste de Nicholas Latifi.

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Qualificação: 1. Sainz \ 2. Pérez \ 3. Alonso \ 4. Hamilton \ 5. Russell (Ver melhores momentos)

Resultado: 1. Verstappen \ 2. Pérez \ 3. Sainz \ 4. Russell \ 5. Alonso \ 6. Leclerc \ 7. Ocon \ 8. Vettel \ 9. Gasly \ 10. Albon (Ver melhores momentos)

Campeonato: 1. Verstappen (284) \ 2. Pérez (191) \ 3. Leclerc (186) \ 4. Sainz (171) \ 5. Russell (170) —– 1. Red Bull (475) \ 2. Ferrari (357) \ 3. Mercedes (316) \ 4. Alpine (115) \ 5. McLaren (95)

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Corrida anterior: GP Hungria 2022
Corrida seguinte: GP Holanda 2022

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Fórmula 2 (Rondas 21-22) \ Lawson e Doohan recuperam terreno

Acompanhando a Fórmula 1 neste regresso ao ativo, a Fórmula 2 viu várias mexidas no seu mercado de pilotos. A substituição de Ollie Caldwell por Lirim Zendeli na Campos foi a mais simples e provisório, apenas para fazer frente à suspensão do primeiro. Já Jake Hughes e Cem Bölükbaşı não voltarão até ao final do ano, substituídos por David Beckmann (na Van Amersfoort) e Tatiana Calderón (na Charouz), respetivamente.

Em condições difíceis de qualificação coube a Felipe Drugovich retomar a iniciativa no seu campeonato com a pole position de sexta-feira, seguido de perto pelo compatriota Enzo Fittipaldi. Na corrida sprint o brasileiro estava num tranquilo 6º lugar quando uma oportunidade de Safety Car se proporcionou e o homem da MP foi um de vários pilotos que arriscaram parar para montar os pneus macios. Com muito mais aderência que os rivais, Drugovich conseguiu chegar em 4º, com o bónus de ter terminado na frente do rival Théo Pourchaire.

Já o vencedor da corrida foi Liam Lawson, que realizou uma ótima ultrapassagem sobre o regressado Ralph Boschung para vencer (Jehan Daruvala não partiu sequer por problemas mecânicos). Mais atrás Logan Sargeant perdeu o controlo do seu carro numa sequência rápida e provocou o único SC da corrida.

Para domingo Jack Doohan e Drugovich tinham reservado um duelo particular de prova inteira pela vitória, que acabou vencido pelo primeiro (ainda que o segundo dificilmente tenha ficado desapontado, dado que Pourchaire abandonou com problemas mecânicos).

Lawson completou o pódio, depois de ter tido vários incidentes com Fittipaldi em que mostrou frustração com ser espremido, com Richard Verschoor logo atrás (fazendo uma prova ótima). Logan Sargeant acumulou pontos numa prova em que foi perdendo pneus, enquanto que Clément Novalak fez uma estratégia inversa funcionar para roubar o 10º lugar a Dennis Hauger na última volta.

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Qualificação: 1. Drugovich \ 2. Fittipaldi \ 3. Sargeant \ … \ 8. Pourchaire \ 9. Daruvala \ 10. Boschung

Resultado (Sprint): 1. Lawson \ 2. Doohan \ 3. Boschung \ 4. Drugovich \ 5. Verschoor \ 6. Pourchaire \ 7. Armstrong \ 8. Beckmann (Ver melhores momentos)

Resultado (Feature): 1. Doohan \ 2. Drugovich \ 3. Lawson \ 4. Verschoor \ 5. Fittipaldi \ 6. Sargeant \ 7. Beckmann \ 8. Iwasa \ 9. Vips \ 10. Novalak (Ver melhores momentos)

Campeonato: 1. Drugovich (205) \ 2. Pourchaire (162) \ 3. Sargeant (127) \ 4. Doohan (121) \ 5. Lawson (114) —– 1. ART (253) \ 2. Carlin (241) \ 3. MP (232) \ 4. Hitech (168) \ 5. Prema (161)

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Fórmula 3 (Rondas 13-14) \ Bearman atira-se para a luta pelo título

A temperamental meteorologia de Spa-Francorchamps provocou o caos na qualificação da F3, atirando os principais candidatos ao título para fora dos 18 primeiros. Isto deixou o palco aberto para outros protagonistas. Caio Collet fez a pole position, seguido de Zane Maloney e Francesco Pizzi. Arthur Leclerc ficou em 20º, Isack Hadjar em 23º, Victor Martins em 24º e Jak Crawford em 30º (último).

A partida para o sprint viu confusão no final da reta Kemmel entre os dois primeiros (Zak O’Sullivan e Juan Manuel Correa) que terminou com as suas aspirações, sendo passados por Brad Benavides até este ser passado por Oliver Bearman da Prema. Após um curto Safety Car para o carro preso de Christian Mansell, a prova recomeçou e viu uma ultrapassagem de Roman Staněk a Oliver Goethe. Assim que esta terminou Goethe envolveu-se em Les Combes com Zane Maloney, valendo o Halo para voltar a evitar males maiores.

Bandeira vermelha para a reparação de pista e no recomeço Bearman fugiu na liderança, enquanto atrás dele as ultrapassagens se multiplicavam. Bearman triunfou, seguido de Staněk e Smolyar, enquanto que os candidatos ao título recuperaram muito bem (Leclerc até 5º e Hadjar até 9º, para além de Crawford que ficou em 11º mesmo à beira dos pontos).

No dia de feature acabou por ser o piloto que partiu de 2º a brilhar. Zane Maloney esteve vários níveis acima dos rivais e triunfou, mesmo sendo atirado para fora em Les Combes pelo pole Collet. No regresso à pista, Collet não teve cuidado e atirou Pizzi para fora, valendo-lhe 5 segundos de penalização. Mais atrás, Kush Maini desligou o cérebro e eliminou 3 pilotos diferentes, incluíndo Martins, provocando o primeiro de dois SC.

Foi um bom dia para a Trident, que viu Staněk repetir um 2º lugar, e para a Prema ver Oliver Bearman chegar em 3º e lançar-se com pujança para a luta do título.

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Qualificação: 1. Collet \ 2. Maloney \ 3. Pizzi \ … \ 10. Benavides \ 11. Correa \ 12. O’Sullivan

Resultado (Sprint): 1. Bearman \ 2. Staněk \ 3. Smolyar \ 4. Edgar \ 5. Leclerc \ 6. Alatalo \ 7. Vidales \ 8. Benavides \ 9. Hadjar \ 10. Collet (Ver melhores momentos)

Resultado (Feature): 1. Maloney \ 2. Staněk \ 3. Bearman \ 4. Goethe \ 5. Edgar \ 6. Collet \ 7. Alatalo \ 8. Vidales \ 9. Smolyar \ 10. Ushijima (Ver melhores momentos)

Campeonato: 1. Hadjar (106) \ 2. Bearman (105) \ 3. Martins (104) \ 4. Leclerc (101) \ 5. Staněk (96) —– 1. Prema (286) \ 2. Trident (196) \ 3. MP (167) \ 4. ART (153) \ 5. Hitech (133)

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Corrida anterior: Hungria 2022 \ Rondas 11-12
Corrida seguinte: Holanda 2022 \ Rondas 15-16

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Fontes:
A Bola \ Ricciardo deixa McLaren no final deste ano
Autosport \ Calderón na Charouz
Autosport PT \ Audi anunciou entrada na F1 para 2026
ESPN \ Piastri na McLaren?
F1 \ Albon renova com Williams
FormulaRapida \ Beckmann na Van Amersfoort
Grande Prêmio \ Aston Martin assina Alonso
Grande Prêmio \ Zendeli na Campos
Motorsport \ Novos regulamentos ultimados
Stuff \ Lawson no FP1 com a AlphaTauri





Nada para ver aqui – GP Arábia Saudita 2022

27 03 2022

Imagine que precisa com uma alguma urgência, e para garantir o seu estilo de vida, de um empréstimo avultado que nenhum banco legítimo lhe providencia. Por esse motivo, dirige-se a um sujeito muito pouco recomendável, que rapidamente lhe dá o montante com a promessa de que só ocasionalmente poderá precisar de um “pequeno favor”, quase inofensivo, mais à frente.

E imagine que você seguia alegremente com a sua vida e de repente esse dia chega, e você não acha o favor pequeno. Mas não consegue nem por nada deste mundo recuar, até porque o sujeito em questão parece cada vez menos razoável e mais disposto a algo perigoso. Só que já não há por onde desistir. E toda a gente acha que foi culpa sua de sequer confiar no sujeito.

Foi esta a experiência da Fórmula 1 na Arábia Saudita este fim-de-semana.

Sem participação oficial no calendário da Fórmula 1 há uns meros 4 meses atrás, a Arábia Saudita conseguiu passar de uma não-presença a uma presença quase indispensável para a saúde financeira da categoria num abrir e fechar de olhos. Para além de patrocinar a categoria através da petrolífera Aramco, o país também fez uso da empresa para se tornar o novo co-patrocinador principal da equipa Aston Martin (que Lawrence Stroll procura fazer crescer ao estatuto de mega-estrutura da F1), e tem feito enormes investimentos para sediar a F1.

O primeiro desses investimentos foi a construção em tempo recorde do circuito citadino de Jeddah. O custoso projeto de uma pista ao lado do Mar Vermelho nem sequer foi feito para durar mais do que as das edições inaugurais do GP da Arábia Saudita: um complexo permanente em Qiddiyah, mais para o centro do país, receberá já a partir de 2023 os monolugares da categoria.

No entretanto, continuava a ser necessário guiar ao redor do traçado de Jeddah e as suas 27 curvas (a maioria das quais de alta velocidade). Com vários alertas sobre o perigo que a enorme velocidade e a proximidade dos muros em conjugação, os promotores avisaram de antemão que fariam “pequenas modificações” ao traçado para corrigir.

Aquilo que será mais difícil de modificar é mesmo a percepção geral de que a Arábia Saudita tem transformado o automobilismo no seu veículo de propaganda, de modo a abafar as continuações de tratamento desumano dos seus próprios cidadãos. E na sexta-feira a realidade da situação surgiu no seu pior: um ataque terrorista a uma refinaria de petróleo da Aramco a 10 km do circuito durante o primeiro treino livre, com o fumo preto visível durante a sessão.

Reuniões de emergência começaram entre promotores, autoridades, FIA, FOM, chefes de equipa e pilotos. Ao fim de menos de meia-hora foi-se para o segundo treino livre (atrasado 15 minutos para “reparações de pista” disse a FIA). Só após esse treino, todos voltaram para reunião. Mohammed ben Sylayem (FIA) e Stefano Domenicalli (FOM) saíram da reunião anunciando que a corrida avançaria na mesma, com a “reconfortante” mensagem que os alvos dos terroristas eram industriais e não civis… Nas redes sociais, os fãs começaram a usar o meme de “nada para ver aqui”.

Só que os pilotos não saíram da sala, mesmo quando todos os outros tinham abandonado. Os membros da Grand Prix Driver’s Association estiveram juntos e sem sair da sala durante mais de 4 horas, em que se tornou claro que não havia unanimidade na decisão ao contrário do reportado. Foram horas tensas em que Domenicalli e Ross Brawn voltaram à sala, tal como os chefes de equipa. Lewis Hamilton e Pierre Gasly terão sido os mais vocais nas conversas que se seguiram (principalmente Hamilton). Pelas 3h da manhã locais, os pilotos saíam e George Russell (diretor GPDA) foi ter ao race control com Andreas Seidl (que pareceu ser o porta-voz dos chefes de equipa). Haveria corrida, fruto de enormes pressões enfrentadas pelos pilotos. Mas a demonstração de união de pilotos, como em décadas não se via, terá assustado os dirigentes da F1.

Ronda 2 – Grande Prémio da Arábia Saudita 2022

Mais uma vez sem poder contar com Sebastian Vettel (que continuou a não ter testado negativo para Covid-19), o GP da Arábia Saudita chegou à pista com uma aparente realidade: os carros com motores Mercedes pareciam ainda menos competitivos que no Bahrain.

A qualificação tratou de servir a confirmação, com Lewis Hamilton a falhar sequer a participação no Q2. O inglês terá apostado errado no setup do carro e pagou caro ao longo do resto do fim-de-semana, enquanto que a atenção do paddock se focou no estado de saúde de Mick Schumacher após um acidente fortíssimo do alemão no Q2. Felizmente para a Haas, tudo estava bem com Schumacher. Infelizmente para a Haas, o piloto não correu no domingo por precaução.

Ferrari e Red Bull voltaram a digladiar-se pela pole position e acabou por ser o improvável Sergio Pérez a conseguir a sua primeira pole position da carreira por 25 milésimas (mais de 200 corridas até o conseguir). O mexicano frustrou assim Charles Leclerc, em 2º, enquanto que a Alpine conseguiu colocar os seus carros em 5º e 7º, Valtteri Bottas mantinha a sua sequência de Q3 e Kevin Magnussen sofria com as forças G no pescoço.

O início da corrida viu, na sua maioria, uma manutenção da ordem do dia anterior. Durante esta primeira fase coube à Alpine animar o jogo, com Esteban Ocon e Fernando Alonso a começarem uma série de ultrapassagens um no outro com alguma agressividade. Com os pneus médios de todos a começarem a degradar-se, Pérez foi o primeiro a arriscar parar de forma a cobrir uma qualquer tentativa de undercut que pudesse surgir.

Teria sido uma jogada inteligente caso Nicholas Latifi não se tivesse acidentado sozinho contra o muro e trazido o Safety Car para a pista. A partir daí todos os carros tiveram direito a uma paragem gratuita, e o Red Bull caiu para 4º. Bem, quase todos os adversários. Os que haviam começado em pneus duros (Hamilton, Magnussen e Hülkenberg) não pararam e viram a sua vantagem esfumar, por ainda terem de parar mais à frente. Guanyu Zhou tentou servir uma penalização de 5 segundos mas não o podia ter feito sob SC e, portanto, apanhou um drive through

No recomeço Leclerc liderou na frente de Verstappen. A luta de aproximação e desaproximação entre os dois durou durante várias voltas até que na volta 38 três pilotos tiveram simultaneamente problemas mecânicos que os pararam em pista: Daniel Ricciardo, Fernando Alonso e Valtteri Bottas. Com os dois primeiros a bloquearem a entrada das boxes parcialmente, a FIA decretou um SC Virtual. Magnussen e Hülkenberg conseguiram parar e trocar de pneus mas Hamilton teve azar e já apanhou o pitlane fechado, tendo que esperar até ao fim do VSC.

As voltas finais foram de ataque total entre Leclerc e Verstappen. O piloto da Ferrari ganhava terreno no primeiro setor e perdia nos outros dois. O resultado foram vários momentos de ação lado a lado, incluíndo um jogo quase ridículo de ativação de DRS que chegou a ver ambos a travar a fundo e a bloquear as rodas numa reta da meta. No final, Verstappen acabaria por passar e ter que se defender nas duas voltas finais. Um derradeiro ataque de Leclerc acabaria gorado por bandeira amarela no primeiro setor (incidente entre Lance Stroll e Alexander Albon).

Vale ainda destacar as recuperações de Magnussen e Hamilton até aos pontos, uma performance inspirada de Lando Norris num McLaren que continuou sem ritmo e a confirmação de que 2022 deverá ser um ano de luta Ferrari vs Red Bull. Pelo menos, até a Mercedes acertar melhor o passo.

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Qualificação: 1. Pérez \ 2. Leclerc \ 3. Sainz \ 4. Verstappen \ 5. Ocon (Ver melhores momentos)

Resultado: 1. Verstappen \ 2. Leclerc \ 3. Sainz \ 4. Pérez \ 5. Russell \ 6. Ocon \ 7. Norris \ 8. Gasly \ 9. Magnussen \ 10. Hamilton (Ver melhores momentos)

Campeonato: 1. Leclerc (45) \ 2. Sainz (33) \ 3. Verstappen (25) \ 4. Russell (22) \ 5. Hamilton (16) —– 1. Ferrari (78) \ 2. Mercedes (38) \ 3. Red Bull (37) \ 4. Alpine (16) \ 5. Haas (12)

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Corrida anterior: GP Bahrain 2022
Corrida seguinte: GP Austrália 2022

GP Arábia Saudita anterior: 2021
GP Arábia Saudita seguinte: 2023

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Fórmula 2 (Rondas 3-4) \ Drugovich de volta ao seu melhor

Se Jeddah, com alguns dos melhores pilotos de F1 ao volante, já era perigosa, sabia-se de antemão que a grelha de Fórmula 2 daria ainda mais confusão.

Os treinos livres já tinham deixado Cem Bölükbaşı com uma concussão e de fora do resto do fim-de-semana, mas a qualificação também teve uma grande espeta de Logan Sargeant, um incêndio no carro de Théo Pourchaire e uma variedade de bandeiras vermelhas. A pole acabaria nas mãos de Felipe Drugovich da MP, seguido de Richard Verschoor da Trident.

A primeira corrida quase não teve voltas “úteis” de competição, dada a variedade de SC que foram ativados. Primeiro por um acidente de Amaury Cordeel e depois, durante o reinício de prova, por um desentendimento sem culpas entre Sargeant e Jack Doohan. Para ajudar à festa, Dennis Hauger, o líder na altura, passou pela via das boxes quando as boxes estavam fechadas. A Prema ficou furiosa com a penalização que se seguiu, uma vez que tinham questionado a FIA por rádio duas vezes antes sobre o assunto.

O vencedor Liam Lawson, da Carlin, sumarizou bem a prova: “isto foi uma corrida de sobrevivência”. Atrás do neo-zelandês chegou outro jovem Red Bull (Jüri Vips) e Jake Hughes (que acabaria desclassificado por falha de conformidade técnica).

Para a corrida feature a confusão foi bem menor. Drugovich conseguiu segurar Verschoor na largada e acabou a suster a pressão do holandês para um triunfo final que o colocou na liderança do campeonato de F2 pela primeira vez, nesta sua terceira temporada da categoria. Jehan Daruvala fez uma boa recuperação de 14º até ao 3º posto final, enquanto que os favoritos se tramaram com fiabilidade (ou falta dela). Lawson viu uma roda solta acabar a sua corrida, enquanto que um problema elétrico terminou a de Pourchaire.

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Qualificação: 1. Drugovich \ 2. Verschoor \ 3. Armstrong \ … \ 8. Vips \ 9. Hughes \ 10. Hauger

Resultado (Sprint): 1. Lawson \ 2. Vips \ 3. Drugovich \ 4. Williams \ 5. Verschoor \ 6. Iwasa \ 7. Daruvala \ 8. Sato (Ver melhores momentos)

Resultado (Feature): 1. Drugovich \ 2. Verschoor \ 3. Daruvala \ 4. Hughes \ 5. Armstrong \ 6. Hauger \ 7. Iwasa \ 8. Nissany \ 9. Doohan \ 10. Vips (Ver melhores momentos)

Campeonato: 1. Drugovich (43) \ 2. Lawson (34) \ 3. Verschoor (32) \ 4. Vips (28) \ 5. Pourchaire (25) —– 1. Hitech (48) \ 2. Carlin (43) \ 3. MP (43) \ 4. Trident (37) \ 5. Prema (33)

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Corrida anterior: Bahrain 2022 \ Rondas 1-2
Corrida seguinte: Emilia Romagna 2022 \ Rondas 5-6





Guerra declarada à qualificação

15 09 2021

A FIA parece ter declarado guerra às qualificações no seu palmarés de categorias.

Retirar outra conclusão acerca das alterações que a organização internacional tem vindo a realizar em algumas das suas principais competições não parece possível.

A primeira vítima deste desvirtuamento foi a Fórmula E. Com pistas mais curtas e os muros bem próximos, a categoria elétrica tinha um sistema de qualificação bem simples de compreender: 4 grupos de 6 carros competiam contra o relógio à vez, com o agregado de todos os pilotos a gerar uma Super Pole que definiria depois as 6 posições da frente entre si. De maneira a não haver controvérsia sobre evolução de pista a beneficiar os últimos grupos, a composição destes era aleatória. Simples.

Na última temporada, uma única alteração: os grupos já não são aleatórios, serão antes postos os 6 primeiros do campeonato no Grupo 1 e por aí sucessivamente até os 6 últimos estarem no Grupo 4. Os resultados foram notáveis após as primeiras rondas. De uma luta pelo título decidida 2 corridas antes do fim em 2019/20, passou-se a uma ronda final de 14 pilotos com hipóteses de título em 2021.

À primeira vista uma medida eficaz até que se olha com mais atenção. É que a vencedora do campeonato de equipas, a Mercedes, por diversas vezes partiu das últimas posições da grelha, fruto da evolução de pista e pelotão próximo da FE, e os seus resultados em corrida espelham bem estas desvantagens (vitórias acompanhadas de 17º lugares nas provas seguintes).

As críticas não se fizeram esperar, se bem que não é ainda claro se estas grelhas “partidas” não são precisamente aquilo que Alejandro Agag deseja.

Categorias de promoção

O clássico formato da Fórmula 2 e 3 também modificado em 2021. O sistema anterior era relativamente simples: qualificação definia a grelha de uma corrida de média duração no sábado, com uma posterior corrida curta no domingo a utilizar os resultados da primeira com os 8 primeiros invertidos.

Se já era costume em definir bem o que era a reputação de ser um vencedor feature ou um vencedor sprint, o sistema de 2021 tornou ainda mais marcada a diferença. Em nome da redução de viagens a fazer pelas equipas de F2 e F3 (e logo, dos custos) passariam a existir 3 corridas, 2 delas sprint (uma com um grid invertido da qualificação enquanto que a outra invertida da primeira) e a feature com os simples resultados de qualificação.

O impacto aqui foi menos notório do que o exemplo anterior. Continua a ser possível aos pilotos de topo conseguirem importantes pontos nas provas curtas dada a sua velocidade natural (que o diga Dennis Hauger com o seu fim-de-semana de F3 na Áustria), mas muitos fizeram uso da dificuldade em ultrapassar para obter aquilo que não mereciam (de que outra forma é que Roman Staněk, Enzo Fittipaldi ou Calan Williams teriam conseguido pódios este ano?).

Qualificação sprint: a corrida

Desconfia-se que apenas o veto de equipas como a Mercedes impediu a experiência de usar corridas sprint à moda da Fórmula 2 na categoria principal, com direito a posições invertidas. Mesmo com até os potenciais beneficiados do final do grid a não mostrarem grande entusiasmo com essa inversão, a FOM e vários membros da imprensa do paddock insistiram em testes da ideia, e assim chegaram 3 provas de “qualificação sprint” em 2021.

Procurando não ofender ninguém ao chamar-lhe uma “corrida” os organizadores optaram pelo, na melhor das hipóteses dúbio, título de “qualificação” e mantiveram uma qualificação “normal”, desta vez na sexta-feira e não no sábado. Os resultados da normal dariam a grelha para o sprint e este daria a de domingo, sendo composto de 100 km de extensão.

As duas experiências realizadas até agora (em Silverstone e Monza) foram recebidas com reações mistas da parte dos fãs (a última foi bastante negativa até). O problema parece residir na ideia de que os pilotos não querem arriscar demasiado (só há pontos para os 3 primeiros) e de que todos os carros têm os mesmos compostos de pneus.

Isto não impediu Ross Brawn de as classificar como sucessos de interação dos fãs (ele concede que é preciso, no entanto, “alguns ajustes”).

Porquê a insistência?

Insistir em práticas que uma enorme quantidade de fãs parece rejeitar pode parecer uma má decisão para qualquer um destes exemplos, mas é precisamente o que os organizadores destas competições FIA parecem querer.

Há motivos de ordem desportiva por detrás desta decisão, para além dos mais óbvios motivos financeiros (a possibilidade de ter mais um momento bancado por um patrocinador). Os números de audiência são sempre superiores em corridas quando comparados com os de treinos livres e qualificação. Na F1, e nas suas categorias inferiores, a remoção de um treino livre pela adição de uma corrida tem-se um resultado óbvio: aumento das audiências.

Mesmo entre fãs indecisos sobre se a qualificação sprint tinha atingido os seus objetivos, havia essa defesa de posição: “é melhor do que ter mais um treino livre”.

A nova sessão em si ser ou não funcional é académico. Depois de um ano em que a F1 correu sérios riscos financeiros, a FOM aceita todas as fontes novas de dinheiro a que conseguir chegar, como bem se viu com a ginástica de valores que trouxe o GP da Arábia Saudita a este ano.

Se no caso da F2 e F3 Bruno Michel já disse que teriam em conta o feedback recebido para ver em que moldes os próximos anos serão, na Fórmula E a situação é mais dúbia, dado que a categoria pareceu ter gostado da sua temporada próxima. Independentemente da maneira como essa proximidade foi obtida…

Desejo de imprevisibilidade, tentação de obter novas fontes de receita e tentativa de nivelar os carros mais rápidos para trás. Apesar destas batalhas de opinião pública perdidas inicialmente, há motivos de peso para crer que a guerra às tradicionais sessões de qualificação tenha apenas começado.





Sob o comando da Liberty Media

18 11 2020

No canal de YouTube oficial da Fórmula 1 é possível ver, escassas horas após a corrida, uma pequena compilação de 6-7 minutos com os melhores momentos do Grande Prémio que se realizou. No Twitter meros minutos depois de uma manobra de ultrapassagem ocorrer, é possível ver um pequeno clip de 30 segundos com a conta da rede social do piloto envolvido a ser indentificada no próprio post.

Estas interações das redes sociais da Fórmula 1 são perfeitamente comuns às de várias outras categorias de desporto, mas são inacreditáveis para fãs de F1 que seguissem a categoria aquando da criação deste blog, em 2010.

Na Fórmula 1 de 2010 era comum ver vídeos de YouTube que mostrassem transmissões (ou parte de transmissões) de corridas a serem rapidamente tirados do ar por desrespeito de direitos de autor pela Formula One Management. As próprias equipas eram banidas de usar nos seus sites vídeos dos seus carros em prova. E os vídeos de melhores momentos de corrida, apenas disponibilizados na arcaico site da F1, por vezes demoravam semanas a aparecer (e muitas vezes mais focados nas celebridades que compareceram ao Grande Prémio do que na ação em pista).

Bernie Ecclestone, o homem que transformara a Fórmula 1 num espetáculo global capaz de mover milhões de dólares por ano, transformava-se lentamente, na última década e meia de gestão da FOM, no responsável pela asfixia que a F1 sofria, num mundo que abraçava as redes sociais para permitir a expansão de negócios. Ecclestone, na altura com 80 anos, também tinha opinado que a Internet era uma moda passageira. Mesmo em 2010 era uma opinião pouco informada.

Por essa razão quando a compra da FOM pelo grupo Liberty Media se concretizou no final de 2016 e a empresa americana tomou como uma das suas primeiras decisões a de libertar vídeos de corridas, compilações e resumos dos testes de Inverno, as secções de comentários encheram-se de mensagens de “muito obrigado, Liberty!”.

Uma sequência de decisões da empresa americana, cuja direção da F1 foi entregue a Chase Carey, foi dando aos fãs uma apreciação cada vez maior do trabalho desenvolvido pela Liberty. Inclui-se aqui a criação do F1TV como serviço de streaming de corridas presentes e passadas da categoria, o regresso da F1 à França e a criação de programas como o Paddock Pass no canal de YouTube da categoria, entre outros.

De um valor de 2,5 biliões de dólares na altura da sua compra pela Liberty a categoria valia no início de 2020 10,6 biliões. Mesmo com a queda abrupta devido ao cancelamento de corridas deste ano, o valor já recuperou para a região dos 8,6 biliões.

Conteúdo é rei… por um preço

É difícil de marcar numa linha temporal um ponto preciso em que os fãs de Fórmula 1 tenham passado de uma disposição aduladora para uma de análise mais crítica dos negócios que a Liberty tem feito na categoria. Mas indiscutivelmente o estado de graça terminou há já algum tempo.

Em primeiro lugar, temos assistido a uma monetização crescente da F1 dos seus conteúdos digitais. O popular programa Paddock Pass de Will Buxton, muito seguido no canal de YouTube da F1, passou antes para o site oficial este ano. A análise dos momentos críticos das corridas (de Jolyon Palmer) passou a estar completa apenas no F1TV pago, com o YouTube a ficar com a versão condensada. Apesar da insistência agastada de Buxton, a certo ponto desta temporada, de que o seu programa continuava acessível “de borla”, a tendência da F1 em puxar olhos para os seus próprios recursos digitais tem sido visível.

Havia também a esperança que a nova liderança da categoria parasse o êxodo dos direitos de transmissão da Fórmula 1 de canais públicos para canais pagos. Nada mais longe da verdade, quando até na Alemanha se vê a RTL a perder os direitos para a concorrente paga, a Sky Deutschland. Em Portugal chegou a ocorrer o triste espetáculo da Eurosport que, depois de grande pompa e circunstância em anunciar que comprara os direitos à Sport TV, transmitiu as primeiras 4 corridas do ano normalmente antes de colocar a sua cobertura de F1 atrás de uma pay wall. Sem surpresa, com a fúria generalizada de espectadores, terminou a experiência, com os direitos agora a pertencerem à Eleven Sports.

No que toca ao calendário, a ação da Liberty não foi a injeção de melhores circuitos que se esperava. A proliferação de pistas aborrecidas e em países sem tradição, levada a cabo por Ecclestone, não foi revertida. Sim, a França e a Holanda estão de regresso ao calendário, mas Azerbaijão e Rússia continuam. Abu Dhabi continua a conseguir comprar a vaga de última corrida do ano, dando à insonsa pista a oportunidade de decidir lutas pelo título. As tentivas de conseguir uma segunda corrida nos EUA em Miami ou em Las Vegas continuam a esbarrar em empecilhos cada vez mais previsíveis.

Carey, vale a pena ressalvar, conseguiu uma conquista importante: a assinatura do Pacto de Concórdia novo em vigor a partir do próximo ano, que procurou mudar a mentalidade dos signatários para uma de cooperação pelo futuro da categoria e que toma alguns importantes passos em direção a uma distribuição de lucros mais igualitária. Foi logo após este Pacto que o americano deu o seu trabalho por terminado, anunciando que a partir de Janeiro será Stefano Domenicalli o novo líder da FOM.

O homem da Liberty, apesar de tudo, sofreu algum desgaste de imagem neste último ano. O exemplo mais gritante foi sem dúvida a atabalhoada maneira como terá tentado influenciar o governador do Rio de Janeiro a avançar com a construção de uma pista na cidade para substituir Interlagos, apesar dos mais do que conhecidos distúrbios ambientais que provocaria. Como a F1 está a promover a sua imagem “We Race As One”, baseada no respeito, o contraste não caiu bem.

A ascensão da Motorsport e o fim da imprensa independente

O tomar das rédeas da F1 pela Liberty tem coincidido com um processo preocupante que tem ocorrido nos meios de comunicação do desporto automóvel: a crescente influência da Motorsport Network.

Uma empresa internacional de media e tecnologia, a Motorsport tem vindo a adquirir um portfólio enorme de publicações: desde as históricas Autosport e F1 Racing inglesas, passando pela holandesa GP Update, a Sutton Images e várias outras, incluíndo uma participação na Formula E Holdings Limited (que organiza o campeonato de Fórmula E).

Com estas aquisições a empresa tem conseguido obter o potencial para controlar como uma grande quantidade da imprensa de F1 publica, fazendo soar o alarme entre a comunidade de jornalistas independentes.

Este ano, devido às restrições da pandemia, a Fórmula 1 tem limitado o acesso de jornalistas ao paddock físico, passando muitos membros da imprensa para entrevistas por vídeo-chamada e deixando a maioria do acesso em pessoa às estações de televisão. Como se sabe, o contacto pessoal com dirigentes, pilotos e outros membros das equipas e dos organizadores é justamente a comodidade mais valiosa da imprensa da categoria.

A situação foi incialmente avaliada como razoável, mas nos últimos meses jornalistas como Joe Saward têm alertado para o facto de a categoria gerida pela Liberty parecer estar a restringir deliberadamente acesso à imprensa escrita, limitando aquilo que estes possam reportar e obrigando os fãs a informarem-se através dos meios oficiais como o site de F1 ou a F1TV.

Recentemente, quando anunciou a sua saída, Carey deu uma entrevista. Não foi através de nenhuma publicação. Foi no canal de YouTube da F1, para o podcast Beyond the Grid de Tom Clarkson. Geralmente interessante e com ex-pilotos e chefes de equipa como convidados, este episódio com Carey roçou a quase propaganda, sem grande contraditório e com Clarkson a certa altura a fazer mesmo a pergunta “que peso psicológico é que isto [a pandemia] tem provocado em si?”…

A questão saudita

Devido à completa reformulação do calendário de 2020 devido à pandemia, a categoria tem registado perdas avulumadas este ano (104 milhões de dólares até agora, para ser mais preciso). Os factores são vários: a ausência de público nos circuitos, o menor número de corridas, os valores mais reduzidos pagos pelas corridas que puderam ocorrer e ainda a questão de valores de patrocínios e direitos de transmissão reduzidos durante os meses sem provas.

Por todas estas questões, o anúncio da assinatura de um contrato de parceria da F1 com a petrolífera saudita Aramco no início deste ano foi de timing excelente. A Aramco juntou-se assim a marcas como Heineken, Pirelli, DHL, Emirates, Rolex e Johnnie Walker, estimando-se que terá assinado por 10 anos com um valor de 40 milhões de dólares por ano. Rapidamente se compreendeu que o acordo viria com alguns favores por trás.

Procurando ao longo dos últimos anos melhorar a sua imagem a nível internacional, a Arábia Saudita tem-se interessado em particular pelo automobilismo para atingir este objetivo. Nas duas últimas temporadas sediou corridas de Fórmula E (bem como um teste de que envolveu a presença de várias pilotos mulheres, às cavalitas do fim da proibição de mulheres conduzirem no país). O passo seguinte mais lógico e esperado desde a assinatura do contrato F1-Aramco era o Grande Prémio de Fórmula da Arábia Saudita, anunciado este mês.

As críticas, pesadas, não se fizeram esperar. A mensagem de “We Race As One” e o logo de arco-íris foram ridicularizados como propaganda da categoria, que é acusada de apenas olhar para o dinheiro saudita a entrar nos cofres. Algumas opiniões interessantes e ponderadas sobre os benefícios de permitir esta aproximação do país do Médio Oriente também foram emitidas.

O problema principal para esta objeção de consciência reside no ambiente incerto que o desporto internacional atravessa. Num mundo de receitas incertas, a Arábia Saudita parece um parceiro razoavelmente estável à Liberty. E a Fórmula 1 esteve mais perto da ruína em 2020 do que à primeira vista poderia parecer.

2017-20

Indiscutivelmente, muito se modificou na Fórmula 1 durante a gestão da Liberty Media.

Várias alterações, imploradas anos antes da entrada dos americanos na categoria, conseguiram finalmente ver a luz do dia mas outras tantas continuam ainda em espera, enquanto problemas novos se avizinham para a F1.

Stefano Domenicalli assumirá os destinos da FOM a partir de 2021, sempre com Ross Brawn por perto no seu cargo de Managing Director. Ambos são competentes, tendo liderado equipas de F1 vitoriosas antes dos atuais cargos. Mas não poderão continuar a deixar passar em branco as oportunidades de fazer melhor.

Os próximos anos serão críticos para o futuro do pináculo do automobilismo, com os rumores de que a Liberty tenciona vender a F1 a outro investidor, com os regulamentos novos de 2022, com a nova distribuição de lucros trazida pelo Pacto de Concórdia e com a necessidade de definir as normas de motores para 2026.

O período de 2017-20 da Liberty na F1 possuiu mais altos que baixos, apesar de tudo. Resta ver como será a nova década.

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Fontes:
Beyond the Grid \ Chase Carey
GP Blog \ It seems final: GP Brazil moves to Rio after leaked letter from Carey
Jalopnik \ Bernie Ecclestone Hates These Damn Kids And Their Social Media
Joe Saward \ Notebook from Bonneville
Race Fans \ F1 posts $104 million loss in Q3 despite rise in revenue
Sport Business \ Aramco pays upwards of $40m per year to join F1 top tier





Uma ditadura a sério

24 04 2012

Por muito que a Fórmula 1 se tenha vendido ao longo dos últimos anos, com as idas para Abu Dhabi, Singapura, e outros sítios sem qualquer tradição no automobilismo, e que têm mais dinheiro que visão a longo prazo (dado não terem ainda percebido que as taxas que Ecclestone os obriga a pagar se tornarão rapidamente insustentáveis), nunca pensei assistir ao que se viu este fim-de-semana.

Fiquei sempre à espera que alguém tivesse a decência (ou em alternativa, um pouco de vergonha na cara) de cancelar a prova do Bahrain. Mas não. Aliás, aconteceu exatamente o oposto, num dos mais vergonhosos momentos deste (supostamente desporto).

Para começar, estão todos familiarizados com o primeiro artigo do Estatuto da FIA? “A FIA evitará manifestar qualquer discriminação política no decurso das suas atividades e de fazer qualquer ação nesse sentido”. Jean Todt também fez discursos na mesma linha, na sua defesa à F1 no Bahrain. Tudo isto, enquanto por todo o país a mensagem “UniF1ed” que não poderia estar mais em desrespeito desta mensagem.

Depois houve ainda o episódio da Force India, em que alguns membros da equipa por pouco não a apanharem com um cocktail molotov. Por esta razão, a equipa boicotou o 2º treino livre de modo a que os seus mecânicos pudessem ir para os hóteis antes de anoitecer.

Ora, quem não gostou foi o “anão tenebroso”. Ecclestone decidiu fazer uma pequena vingança, e levando a que os carros da equipa não fossem exibidos na qualificação, mesmo com a boa prestação de Paul di Resta. Para se justificar Bernie disse que a FOM se preocupava com quem estava em 1º, “e não quem está em 9º ou 11º”… Por curiosidade quem estava nessas posições eram Alonso e Raikkonen, dois campeões mundiais.

Depois, foram patéticas as declarações de Vettel, que tentou comparar a situação do país do Médio Oriente com o clima dos arredores de Interlagos… Por último, o pódio. Eu percebo que Grosjean festeje: afinal, é o seu primeiro pódio. Kimi foi contido, como é hábito. Mas e o Horner e o Vettel? Foi quase insultuoso festejar assim, quando se está a apertar a mão a um ditador responsável pelas mortes de manifestantes.

Quando, após a corrida, perguntaram a Mr. E se o Bahrain estaria no próximo calendário, ele respondeu: “Claro. Para sempre. Sem problemas”.

Fiquei com a impressão que, se calhar, a F1 foi realmente ao Bahrain por uma boa razão: foi mostrar aos bahrenitas o que é uma ditadura a sério.





Auto-destruição

3 12 2011

Aquilo que me atravessou a mente durante a época de 2009 foi como correria o ano seguinte caso a ameaça de um campeonato paralelo da FOTA se concretizasse. Para quem não se lembra a FOTA tinha sido criada no ano anterior, e rapidamente foi testada a sua união quando o presidente da FIA Max Mosley decidiu enlouquecer de vez com o ridículo tecto orçamental, que era excessivamente baixo para a maioria das equipas.

Quando pelos idos do GP da Hungria de 2008 foi anunciada a sua criação, a ideia principal era a de poder mais efectivamente lutar pelos interesses das equipas face às pressões da FIA ou da FOM. Contudo na altura de 2009 a FOTA viu-se com uma função algo diferente daquela para que havia sido concebida, a da criação e gestão da sua própria categoria. É certo que era triste a ausência da Williams, que se viu obrigada a seguir a FIA devido ao seu fornecimento à Fórmula 2…

No entanto era só olhar para as características do campeonato que estava a ser preparado para 2010, e tudo isto já não parecia importar tanto. As equipas que permaneciam era a maioria, juntamente com as candidatas a estreantes mais interessantes, que mandaram a FIA pastar; um acordo televisivo com a Sky; um dos melhores calendários dos últimos anos, ainda que sem Spa e Interlagos, contava com Portimão e Adelaide; mas mais importante que tudo isso, sem o Tio Bernie nem o “Mad Max”!

Cartoon do Mantovani de 2009.

Só que a FIA e a FOTA lá se entenderam, com a demissão de Mosley e o fim do tecto orçamental a levarem a que a Fórmula 1 se pudesse manter como sempre a conhecemos. Honestamente não fiquei lá muito contente, porque sempre seria uma oportunidade de transformarmos a Fórmula 1 em algo mais apreciado pelos fãs…

E isso traz-nos de volta a 2011. A notícia de que a Ferrari e Red Bull abandonaram a associação das equipas vem no fundo sem grande surpresa. Depois das discussões que ocorreram por conta do RRA, já era previsível que alguém saísse chateado ou a sentir-se prejudicado. E estas duas equipas não espantam. A Red Bull não tem qualquer interesse no mercado automóvel, e se as performances piorarem não duvido que Mateschitz deixe de achar a brincadeira engraçada; e a Ferrari pelo peso que tem, consegue sempre um acordo com a FIA. E assim se vê a FOTA em modo de auto-destruição…

O pior de toda a situação é que assim vemos uma vitória para Bernie Ecclestone, que conseguirá causar mais cisões entre as equipas a seu bel-prazer, beneficiando estas equipas que saíram. E no fundo é deprimente ver que o sonho que foi o campeonato da FOTA com os pedidos dos fãs respondidos, seja um sonho cada vez mais distante.





Quantidade não será qualidade

29 06 2011

A temporada tinha-nos brindado com várias corridas excitantes. As novas regras em conjunto com o novo fornecedor de pneus seriam os responsáveis por esta situação, e quando o GP do Mónaco nos trouxe ultrapassagens, acreditou-se que qualquer que fosse o circuito que a F1 visitasse, a emoção estaria garantida. Os organizadores até afirmaram estar a repensar as suas alteração ao circuito de Yas Marina, porque se calhar as regras novas seriam o suficiente.

Foi por isso que estava com a grande expectativa de ver como correria este GP da Europa, porque é sabido que a pista de Valência é uma das pistas em que as ultrapassagens são quase impossíveis. Aquilo que observámos foi uma desilusão: o GP da Europa foi, sem dúvida, o pior GP da temporada sem grande emoção e poucas manobras de ultrapassagem.

Valência demonstrou que nem regras diferentes impedem o circuito de dar corridas chatas.

Isto não só coloca em causa a ideia de não alterar Yas Marina, mas também o calendário sugerido para 2012. Neste esboço estavam 21 corridas, com a estreia de Austin (EUA) e a reintrodução do Bahrain. A questão principal aqui é o número de provas, pois as equipas já afirmaram que não querem mais do que 20 num ano. Mas será que esse número não é excessivo?

A resposta para mim é não, mas apenas se estivermos perante 20 circuitos de bom nível. Até porque actualmente não é esse o caso! Valência, Yas Marina, Montmeló, Marina Bay, Hungaroring, tudo circuitos dispensáveis, mas que se mantêm no calendário devido aos caprichos de Bernie Ecclestone, e roubando o lugar a pistas como Magny-Cours, Red Bull Ring ou Portimão.

Talvez antes de investir na quantidade, a FOM deveria preocupar-se com a qualidade, porque a F1 não precisa de tardes de domingo sonolentas como a última…





A testar a coesão da FOTA

12 05 2011

Recordo-me que em 2009, quando as equipas anunciaram que iriam formar o seu próprio campeonato, pensou-se que seria uma era nova do automobilismo, quando as equipas fossem as donas e senhoras absolutas dos destinos do campeonato novo. É certo que, pouco mais de um mês depois, Mosley finalmente cedeu às exigências das equipas acerca do tecto orçamental, mas colocou-se a questão: quão coesa era a FOTA?

Embora, no geral, se tenha assistido a uma união entre as equipas pelos seus interesses comuns, a FIA tentou por todos os meios fragmentar a federação das equipas, de modo a fazê-la perder força, tendo puxado pela Force India e Williams. Na altura foram as únicas a submeter entradas incondicionais para o campeonato mundial, contudo isto deveu-se ao facto de terem sido pressionadas, sobretudo por questões monetárias pendentes.

Mosley esticou a corda longe demais.

As equipas mantiveram-se unidas face à ameaça, e na época pensou-se que seria o teste definitivo à aliança entre as equipas contra Ecclestone e os interesses da CVC (visto que Todt ao assumir a presidência da FIA assumiu uma posição mais aliada às equipas), mas enganámo-nos.

Em curso está um possível processo de compra das direitos da Fórmula 1 por parte de Rupert Murdoch, que juntamente com a questão da repartição dos rendimentos e do regulamento dos motores para 2013. Ecclestone não tem gostado do interesse do milionário, tendo afirmado que colocar a F1 nas suas mãos, e das transmissões “pay per view” é um suicídio à popularidade desta, e que o interesse das equipas em gerir o desporto não é lógico (“… eles já recebem imenso dinheiro em prémios (…), esqueçam isso e pensem em ganhar corridas…”).

Para começar é preciso entender que Bernie ainda não colocou na sua cabeça que quem participa no espectáculo que vende, são as equipas, logo é lógico que estas exijam mais direitos na sua organização. Segundo, que o presidente da FOM estava a dar uma indirecta à Ferrari, que se tem vindo a aliar a Murdoch, de modo a poder pressionar o britânico com a questão dos motores 1.6 turbo de 2013…

O maior risco da FOTA: o egocentrismo da Ferrari e Montezemolo.

O principal risco à unidade da FOTA vem mesmo dos lados de Maranello, pois os italianos têm desde sempre o hábito de se considerar como os personagens principais do “circo”, tentando assumir o controlo da categoria sempre que têm a oportunidade. E esta questão dos motores é um bom exemplo disto: porque irá a incrivelmente importante Scuderia sujeitar-se a usar motores que não merecem estar nos seus carros de estrada? Uma postura que já começa a assumir contornos de patético, tendo em conta a evolução do mercado mundial para a consciencialização ambiental…

Bernie também tem tentado pressionar a união da FOTA acenando com a possibilidade de alguns cheques chorudos a equipas como a Williams, que enfrenta grandes dificuldades financeiras (mas o Maldonado agradece…). Já para não falar que o domínio da Red Bull tem vindo a causar alguns conflitos com as equipas mais fortes, que a acusam de quebrar os regulamentos.

Em conclusão, a FOTA tem tentado pressionar as instituições que gerem a F1, mas a principal ameaça ao seu objectivo virá de dentro, nomeadamente com os interesses de cada equipa a tentarem ser sobre-postos aos da colectividade…





Funciona?

23 03 2011

O momento de que todos nós esperamos aproxima-se: a F1 começa este fim-de-semana na Austrália. Depois do cancelamento do GP do Bahrain, teve que se esperar ainda mais um pouco antes de podermos ver os novos monolugares a finalmente lutarem lado a lado por posições. E tendo em conta que a estreia será em Melbourne, e não Sakhir, existe realmente uma grande probabilidade da primeira corrida do ano ser muito disputada.

Para ajudar ainda mais a criar este espectáculo, a FIA fez avançar duas ideias: o KERS e a Asa Traseira Móvel (ATM, para simplificar). Comecemos pela primeira.

Lançado em 2009, o KERS tem um mecanismo relativamente simples: “captura” a energia resultante das travagens, armazenando-a para a puder libertar durante 6,6 segundos ao toque de um botão. Foi um fracasso. A única altura em que possibilitou ultrapassagens foi quando lutavam carros com e sem o mecanismo. Aliás, na minha opinião, não só o KERS deveria ter maior potência durante mais tempo, como também deveria funcionar automaticamente, libertando o piloto dessa tarefa, até porque se todos os pilotos o usarem ao mesmo tempo, o seu efeito será nulo…

O KERS não fará grande diferença às ultrapassagens.

Aproveito também para afirmar que quando Ecclestone disse que não deveriam “chatear” mais a F1 com as questões ecológicos, pois já utilizavam o KERS. Aproveito a ocasião para afirmar que o KERS não tem rigorosamente nada de ecológico… Simplesmente melhora os tempos, pois os motores funcionam com a mesma potência quando o sistema funciona e quando está desligado. Aquilo que Bernie está a pensar é em híbridos, dois conceitos bastante diferentes. É o que dá não pensar antes de falar!

Já a ATM, que será activada durante 600 metros num ponto da pista definido pela FIA, quando um piloto se encontra a menos de 1 segundo do outro, posso desde já afirmar que é a maior farsa já vista na história da Fórmula 1. Aquilo que uma ultrapassagem tem de cativante não é o acto em si apenas, mas também a preparação, e o facto de sabermos que o piloto que ultrapassou deu o seu melhor para conquistar as décimas de segundo vitais para conseguir a manobra… E enquanto FIA e FOM não entenderem isto não se conseguirá agradar aos fãs.

Peço desde já desculpa, pelo ar pessimista com que este post está carregado, mas estou apenas a constatar uma realidade. Na realidade, até estou bastante ansioso pela temporada que se avizinha, mas apenas gostaria de colocar uma simples questão: tudo aquilo que foi feito para tentar melhorar este desporto, será que funciona?